Direitos Laborais e Mais Tempo para Viver

Nos últimos anos temos vindo a assistir a uma progressiva degradação do mercado e das condições de trabalho. O período de vigência do Memorando de Entendimento entre o Governo português e a Troika (2011-2014) foi caracterizado pela diminuição da qualidade de emprego, pelo aumento do desemprego e pela redução significativa dos salários.

Apesar de termos assistido a algumas melhorias nos últimos anos, ainda temos um longo caminho a percorrer para garantir a efectiva qualidade do emprego, que passa por uma aposta na formação profissional dos trabalhadores, no pagamento de salários dignos e na erradicação de todas as formas de precariedade laboral, combatendo os “falsos recibos verdes” e reduzindo o número de contratos temporários, assegurando que a postos de trabalho permanentes correspondam vínculos de trabalho efectivos. 

A utilização de novas tecnologias em contexto laboral tem possibilitado a perturbação dos períodos de descanso do trabalhador, impedindo que este se “desligue” do trabalho. O excesso de trabalho e a incapacidade de desconexão promovem um ambiente de permanente stress e exaustão, tornando as pessoas trabalhadoras a tempo inteiro. De facto, trabalhar ininterruptamente não é sinónimo de excelência e produtividade, podendo inclusive levar ao burnout. Resultado de contextos de trabalho altamente competitivos e concorrenciais, este fenómeno tem vindo a ganhar escala a nível global e está a registar níveis preocupantes entre as gerações de profissionais mais jovens, o que levou a OMS a classificar o burnout, em Maio deste ano, como doença profissional. Em consequência, é essencial a criação de ambientes laborais mais saudáveis, com uma aposta clara na saúde mental dos trabalhadores e na criação de condições que permitam conciliar a vida profissional com a vida pessoal e familiar, particularmente através da redução do tempo de trabalho e do aumento dos tempos de repouso e lazer. 

É ainda essencial combater todas as formas de discriminação, adoptando medidas que visem garantir a igualdade no trabalho, nomeadamente as desigualdades que ainda existem entre homens e mulheres.

Combater a Precariedade Laboral

A precariedade das relações laborais caracteriza-se pela instabilidade do vínculo, à qual está associada uma enorme insegurança no emprego, baixos salários e horários desregulados. Tem na sua base a utilização de mecanismos que a lei permite, maiormente, contratos a termo certo ou incerto, contratos de trabalho temporário ou recibos verdes que, sendo temporários, visam a ocupação de postos de trabalho permanentes. Recorrentemente utilizados na contratação de jovens, provocam enorme instabilidade, impedindo-os de perspectivar o seu futuro. 

A percentagem de trabalhadores que têm vínculos temporários em Portugal tem oscilado entre os 20% e os 22% na última década, segundo dados divulgados pelo Eurostat. O valor registado em 2017, 21,4%, é muito superior à média da União Europeia, de 13,4%, e da Zona Euro, de 14,9%:

  • Reforçar os direitos dos trabalhadores em regime de trabalho nocturno e por turnos, nomeadamente, revendo os critérios de compensação e de descanso 
  • Limitar os critérios do recurso ao trabalho temporário, pelo efeito negativo que tem na qualidade do emprego 
  • Reduzir o período experimental na contratação de trabalhadores à procura de primeiro emprego e desempregados de longa duração 
  • Rever o âmbito de utilização de contratos de trabalho de muito curta duração
  • Reforçar o número de efectivos da Autoridade para as Condições de Trabalho, assegurando uma fiscalização e intervenção mais eficaz que impeça o recurso à contratação de trabalhadores com vínculo precário para o desempenho de funções permanentes 
  • Apostar na qualificação e formação profissional, nomeadamente apoiando as empresas que mais investem na formação dos seus trabalhadores

 Combater a precariedade do emprego jovem

A medida “estágios profissionais” levada a cabo pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) pretende criar incentivos para que o sector privado integre os jovens NEET (Não Estudam, Não Trabalham, Nem frequentam formação) e permitir que estes adquiram formação e entrem no mercado de trabalho, adicionando a um estágio de 9 meses, alguns incentivos modestos para que a entidade patronal celebre com o ex-estagiário um contrato de trabalho sem termo.

A verdade é que, em termos práticos, vários são os casos que têm demonstrado que esta é uma forma de preencher, de forma reiterada, postos de trabalho permanentes com condições de trabalho precárias. Outro problema associado a este programa relaciona-se com a remuneração por níveis de qualificação dos estagiários e os incentivos à contratação destes jovens. O nível de remuneração de um doutorado estagiário é relativamente baixo (1,85 IAS, ou seja, € 806, apenas mais 34% que o salário mínimo nacional), o que não incentiva contratações de trabalhadores qualificados no mercado. Acresce que os incentivos actuais à conversão de estágios em contratos sem termo são pouco atraentes.

  • Reforçar os incentivos para conversão de estágios em contratos sem termo, através da celebração de um contrato sem termo após um estágio que será co-financiado nos primeiros seis meses (período experimental) a 40% e no segundo semestre a 60% com um nível de remuneração mensal máxima variável em função do nível de qualificação do trabalhador
  • Reforçar os incentivos à contratação de jovens doutorados, designadamente, por via de um aumento significativo do valor das bolsas atribuídas a doutorados através da medida “estágios profissionais” levada a cabo pelo IEFP
  • Criar um programa de incentivos que assegure a possibilidade de as empresas do sector privado cofinanciarem, conjuntamente com a FCT, as propinas do doutoramento de estudantes em contrapartida de uma futura integração na empresa pelo período mínimo equivalente ao doutoramento

 Compensação Justa pelo Trabalho Prestado

O salário médio bruto registado em Portugal em 2017 foi de € 1017, enquanto o valor verificado em média na União Europeia foi de cerca de € 2000. O salário médio em Portugal é 50% da média salarial europeia. Por outras palavras, os Portugueses ganham em média metade do que ganham os concidadãos da União Europeia. No contexto dos países da UE, a média dos salários em Portugal foi a décima mais baixa em 2017.

Reconhecendo que esta legislatura fica marcada pela reposição dos rendimentos, é necessário continuar esta política, repondo direitos retirados aos trabalhadores durante o período da Troika, sobretudo, o valor do trabalho suplementar e da indemnização em caso de despedimento colectivo. 

  • Aumentar gradualmente o Salário Mínimo Nacional em 50 euros por ano, fixando-o em € 800 no termo da legislatura para os trabalhadores da Administração Pública e do sector privado
  • Repor o valor do trabalho suplementar, actualmente reduzido para metade, passando este a ser pago pelo valor da retribuição horária com os seguintes acréscimos: 50% pela primeira hora, ou fracção desta, e 75% por hora, ou fracção subsequente, em dia útil; 100% por cada hora ou fracção, em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, ou em feriado 
  • Aumentar a compensação do trabalhador em caso de despedimento colectivo, garantindo que este tem direito a uma compensação correspondente a um mês de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, em vez dos actuais 12 dias 
  • Garantir a remuneração a 100% do subsídio de doença (baixa médica) aos trabalhadores cuja doença acarrete circunstâncias económicas particularmente gravosas, designadamente pelos elevados custos com tratamentos e medicação 
  • Assegurar aos trabalhadores que auferem o salário mínimo nacional a gratuitidade dos passes sociais

 Mais tempo para viver

A percepção dominante de que elevados níveis de produtividade apenas se conseguem com elevadas cargas horárias tem sido cientificamente rejeitada. É uma prioridade, aceite por todos, de que precisamos de mais tempo para a família e para viver, não meramente sobreviver. Esta, é porém, uma visão que ainda não encontrou uma forma de se harmonizar com um modelo de sociedade sequestrado pelo ritmo dos mercados.

Numa altura em que os responsáveis parentais se vêem submetidos a um ritmo alucinante, trabalhando todo o dia, com exigências profissionais cada vez maiores, deixando pouco tempo e disponibilidade para estarem com os filhos, consideramos fundamental incentivar e criar condições efectivas que permitam o aumento do número de períodos de lazer em família, nomeadamente através da diminuição do horário de trabalho e o aumento do número de dias de férias.

  • Estabelecer o horário semanal de trabalho de 35 horas para os trabalhadores da Administração Pública e do sector privado
  • Estabelecer o período de férias para 25 dias úteis para os trabalhadores da Administração Pública e do sector privado
  • Consagrar a Terça-feira de Carnaval como feriado obrigatório
  • Consagrar na legislação o direito do trabalhador à desconexão profissional
  • Alargar a duração da licença parental inicial para seis meses
  • Igualar a duração da licença parental de ambos os progenitores
  • Reforçar as medidas de apoio a pais trabalhadores com filhos com deficiência, doença crónica ou oncológica, nomeadamente no que diz respeito à prorrogação da licença para assistência a filho e à redução do tempo de trabalho, permitindo que estes possam desenvolver a sua actividade profissional sem colocar em causa o acompanhamento dos seus filhos
  • Fomentar o teletrabalho

Igualdade no trabalho

A discriminação no emprego significa conceder às pessoas um tratamento diferente e menos favorável por razões que não têm qualquer relação com o mérito ou os requisitos do emprego, notadamente em razão do género, etnia, religião, opinião política, nacionalidade e origem social. A discriminação no trabalho é uma violação dos direitos humanos com efeitos prejudiciais sobre a produtividade e o crescimento económico e gera desigualdades sócioeconómicas que minam a coesão social e a solidariedade e abrandam a redução da pobreza.

A discriminação em contexto laboral é, ainda hoje, uma realidade, sendo por isso indispensáveis medidas que a proíbam e promovam a igualdade.

  • Avaliar os resultados da Lei n.º 60/2018, de 21 de Agosto, que aprovou medidas de promoção da igualdade remuneratória entre homens e mulheres por trabalho igual ou de igual valor, e, caso se mostre necessário, produzir alterações legislativas neste âmbito
  • Avaliar os resultados da Lei n.º 73/2017, de 16 de Agosto, que reforçou o quadro legislativo para a prevenção da prática de assédio e, caso se mostre necessário, produzir alterações legislativas neste âmbito
  • Alterar os programas existentes, ao nível das medidas formativas e educativas, de modo a permitir uma melhor e mais rápida empregabilidade dos imigrantes, reduzindo os riscos de discriminação no acesso ao mercado de trabalho ou às profissões para as quais estes possuem competências e qualificações, nomeadamente: 
    • Adequar os programas e as medidas que se destinam a melhorar as competências dos trabalhadores estrangeiros 
    • Promover medidas que visem eliminar e/ou atenuar os obstáculos que dificultam a inserção dos indivíduos provenientes de países terceiros no mercado de trabalho, como a agilização dos mecanismos para os reconhecimentos dos diplomas obtidos no estrangeiro 
    • Implementar acções de sensibilização, formação e capacitação na temática da discriminação junto dos empregadores 
    • Formar os técnicos e dirigentes das instituições e organizações com um papel relevante na colocação de trabalhadores no mercado de trabalho, como o IEFP, e/ou a membros de organizações governamentais e não governamentais que lidam directamente com a integração de imigrantes no mercado de trabalho 
    • Rever o sistema de quotas de emprego para pessoas com deficiência

Ambientes de trabalho mais saudáveis

O ritmo intenso do trabalho e as pressões associadas afectam a saúde do trabalhador e conduzem a um crescente mal-estar físico, emocional e psicológico. O trabalho deve ser exercido em condições adequadas, pois de outro modo a saúde do trabalhador é prejudicada. O sucesso das organizações está relacionado com a qualidade das condições e ambiente de trabalho. Em consequência, melhores condições de segurança e saúde no trabalho aumentam a confiança e a motivação dos trabalhadores e diminuem a ocorrência de acidentes e doenças profissionais. 

  1. Desenvolver campanhas de informação e criar estratégias de prevenção do burnout
  2. Criar a figura do Psicólogo do Trabalho, que à semelhança e num modelo próximo dos Enfermeiros e Médicos do Trabalho, assumirá a responsabilidade da avaliação dos riscos psicossociais e do bem-estar no âmbito da vigilância da saúde
  3. Fomentar a realização periódica de exames de avaliação psicológica nas empresas, reconhecendo a importância da avaliação, prevenção e intervenção nos riscos psicossociais
  4. Implementar um programa de avaliação e prevenção dos riscos psicossociais junto dos sectores públicos susceptíveis de maior risco, como forças de segurança, saúde e educação