O que nos diz a lei
Em 2017, o Decreto-Lei n.º 35/2017 de 24 de março veio alterar a lei nº 26/2013, de 11 de abril, para que fosse estabelecido um quadro de ação a nível comunitário para uma utilização sustentável dos pesticidas. No referido diploma é clara a preocupação pela proteção da saúde humana e do ambiente: “…a sua utilização em locais públicos de particular concentração de determinados grupos populacionais, deve ser ainda mais restringida, privilegiando o uso de outros meios de controlo dos organismos nocivos das plantas, como sejam o controlo mecânico, biológico, biotécnico ou cultural.”
Igualmente, por forma a prevenir o risco de exposição à aplicação dos herbicidas o Artigo 32.º, ponto 4 e) passou a ter a seguinte redação: “Assegurado que são previamente afixados, de forma bem visível, junto da área a tratar, avisos que indiquem com clareza a identificação da entidade responsável pelo(s) tratamento(s), o(s) tratamento(s) a realizar, a data previsível do(s) mesmo(s) e, se necessário, a data a partir da qual pode ser restabelecido o acesso e a circulação de pessoas e animais ao local, de acordo com o intervalo de reentrada que, caso não exista indicação no rótulo, deve ser, pelo menos, até à secagem do pulverizado.”Por sua vez, a Lei nº 26/2013 de 11 de abril, no artigo 16.º ponto 1a): “A tomada de decisão e a aplicação de produtos fitofarmacêuticos pelo utilizador profissional deve: Assegurar todas as medidas necessárias para promover a proteção fitossanitária com baixa utilização de produtos fitofarmacêuticos, dando prioridade sempre que possível a métodos não químicos, a fim de que os utilizadores profissionais de produtos fitofarmacêuticos adotem práticas e produtos com o menor risco para a saúde humana e o ambiente entre os disponíveis para o mesmo inimigo da cultura em causa.”
O que nos diz a Constituição
Artigo 9.º
(Tarefas fundamentais do Estado)
d) Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efetivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais;
e) Proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correto ordenamento do território;
Sobre o Glifosato – um dos princípios ativos dos herbicidas
O glifosato (N-fosfonometil-glicina) é o princípio ativo de herbicidas de amplo espectro e ação não seletiva que se aplica após a planta ter emergido do solo. É um dos herbicidas mais utilizados na agricultura mundial, sendo já conhecidas causas de intoxicações acidentais e profissionais.
O glifosato já foi detectado em análises de rotina a alimentos, ao ar, à água da chuva e dos rios, à urina, ao sangue e até ao leite materno, tendo sido elaborados vários estudos ao longo dos anos que demonstram a sua perigosidade. [1]
Efeitos do Glifosato na saúde das pessoas
A Organização Mundial de Saúde, através da sua estrutura especializada IARC – Agência Internacional para a Investigação sobre o Cancro, sediada em França, declarou em Março de 2015 o Glifosato (junto com outros pesticidas organofosforados) como “carcinogénico provável para o ser humano” [2]
A multinacional Monsanto já foi condenada várias vezes nos Estados Unidos, sendo o caso mais mediático o de Dewayne Johnson que, a 10 de Agosto de 2018, recebeu desta multinacional uma indemnização de quase 290 milhões de dólares por esta não advertir que o glifosato no herbicida era cancerígeno. [3]
Um artigo publicado em 2019, “Exposição a herbicidas à base de glifosato e risco de linfoma não Hodgkin: uma meta-análise e evidências de apoio” concluiu que a exposição prolongada a herbicidas constituídos por glifosato aumentou em 41% o risco de ocorrência do linfoma de não-Hodgkin.[4]
Geralmente, o glifosato e os seus metabólitos são encontrados na água, na comida, na terra, e podemos considerar que é uma molécula omnipresente, dada a sua prevalência.
A principal forma de aparecimento do linfoma de não-Hodgkin é através da falência do sistema imunitário. A “ingestão” e a exposição ao glifosato alteram a constituição do microbioma do sistema digestivo, limitando a produção de citocinas, macrófagos e interleucinas (células integrantes do sistema imunitário). Estas alterações têm um grande impacto na capacidade de resposta do sistema imunitário.
Para além das modificações provocadas no sistema imunitário, a presença de glifosato no organismo provoca desregulações endócrinas, afetando por exemplo a produção de testosterona, diminuindo a quantidade de espermatozóides podendo provocar graves problemas morfológicos testiculares. Para além disso, provoca um hiperdesenvolvimento da glândula mamária e o aumento do número de recetores de estrogénio (ESR1). Em células do ovário, a presença de glifosato diminui a proliferação e a produção de células da granulosa, diminuindo a produção de estradiol, podendo contribuir para o aparecimento de linfomas.
Efeitos do Glifosato nos animais
Em Portugal, em setembro de 2018, Bóris, um cão de dois anos, ficou cego após um passeio num jardim público. Segundo diagnóstico do médico veterinário, as córneas foram queimadas por terem estado em contacto com um agente químico. [5]
A população de abelhas na Europa e na América diminuiu 30% no último século. Os cientistas consideram que o papel que os pesticidas têm tido no declínio da espécie – além das alterações climáticas e da destruição do habitat – pode ter sido subestimado.
O desaparecimento das abelhas pode contribuir para a queda da biodiversidade e ter um potencial impacto nos alimentos dos humanos. [6]
Paralelamente, um estudo “Efeitos morfológicos, comportamentais e genotóxicos da mistura de glifosato e 2,4-D em girinos de duas espécies nativas de anfíbios sul-americanos” [7] revelou que “A utilização de químicos sintéticos como principal forma de controlo de pragas e doenças na indústria agrícola está diretamente associada ao declínio populacional e à extinção de anfíbios”.
Este mesmo artigo aponta para a problemática de os herbicidas utilizados na agricultura se “infiltrarem nos sistemas aquáticos circundantes sob a forma de lixiviados provocando a sua contaminação. No caso específico de anfíbios, cujo habitat é principalmente restringindo a zonas húmidas, as consequências da utilização de herbicidas são absolutamente nefastas para a sua sobrevivência.”
Alguns autores reportaram que “a utilização de glifosato é especialmente tóxica para as espécies de anfíbios durante a sua fase larval. A utilização de herbicidas pode provocar deficiências no seu crescimento, problemas de locomoção, deficiências morfológicas e fisiológicas, para além do seu elevado potencial tóxico.”
Efeitos do Glifosato no Ambiente
Segundo investigadores da Universidade Mcgill “Um dos herbicidas mais utilizados no mundo à base de glifosato, o Roundup, pode desencadear a perda de biodiversidade, tornando os ecossistemas mais vulneráveis à poluição e às mudanças climáticas.”
Por sua vez Andrew Gonzalez, pesquisador e professor do departamento de Biologia da Universidade McGill afirma que “Observamos uma perda significativa de biodiversidade em comunidades contaminadas com glifosato. Isso pode ter um impacto profundo no funcionamento adequado dos ecossistemas e diminuir a possibilidade de que estes se possam adaptar a novos fatores agressores ao meio ambiente. Isso é particularmente preocupante, já que muitos ecossistemas estão a lutar contra a ameaça crescente de poluição e mudança climática.” [8]
Ainda segundo os investigadores, os estudos feitos referem que a utilização dos mesmos pode provocar a contaminação das zonas envolventes, “Os agricultores pulverizam os seus campos de milho e soja para eliminar ervas daninhas e aumentar a produção, mas isso levou à lixiviação do glifosato no ambiente ao redor. No Quebec, por exemplo, foram encontrados vestígios de glifosato nos rios Montérégie”.
O uso generalizado do Roundup em terrenos agrícolas despertou preocupações sobre os possíveis efeitos ambientais e na saúde, em todo o mundo. Desde os anos 90, o uso do herbicida cresceu, quando a indústria agrícola adotou as sementes geneticamente modificadas “Roundup Ready” que são resistentes ao herbicida. Para testar como os ecossistemas de água doce respondem à contaminação ambiental pelo glifosato, os investigadores usaram lagoas experimentais para expor as comunidades fitoplantónicas (algas) ao herbicida. “Essas minúsculas espécies na parte inferior da cadeia alimentar desempenham um papel importante no equilíbrio do ecossistema de um lago e são uma fonte importante de alimento para animais microscópicos. Nossos experimentos nos permitem observar, em tempo real, como as algas podem adquirir resistência a glifosato em ecossistemas de água doce.” afirma o investigador de pós-doutorado Vincent Fugère.
Nas plantas, o glifosato é absorvido e transportado para as partes comestíveis, assim como, já foi encontrado em diferentes espécies de peixe, fruta, legumes, leguminosas, todo o tipo de cereais e sementes, e também em suplementos para bebé. [9]
Em 2020 a FAO e a Lancet Commission on Pollution and Health indicaram que “a poluição através de pesticidas pode ter impactos ambientais a uma escala sem precedentes.” [10]
Alertando, igualmente, para o facto da incerteza que “a utilização de glifosato continue a ser eficaz na eliminação de infestantes, o que poderá provocar um aumento nas doses utilizadas, causando assim um problema de poluição à escala mundial, tendo em conta que o Glifosato é um contaminante omnipresente” e que a única forma de minimizar os seus impactos é uma cessação da sua utilização.
O Glifosato depois de aplicado infiltra-se no solo passando a fazer parte da estrutura molecular do mesmo, onde é degradado para ácido aminometilfosfônico (AMPA). O tempo de meia-vida deste composto pode ser prolongado no meio ambiente devido à formação de compostos metálicos fazendo com que esta se torne menos degradável pelas bactérias decompositoras com capacidade para tal.
“O AMPA apesar de biodegradável é alvo de um processo mais demorado, uma vez que a sua taxa de absorção é mais reduzida” [11], fazendo com que o tempo de exposição a estes remanescentes se prolongue assim como os seus efeitos nocivos.
O solo é um recurso natural não renovável porque o tempo necessário para a sua formação é bastante superior à esperança média de vida de um ser humano. A sua preservação é essencial para a sustentabilidade da vida no planeta, no entanto a presença contínua de glifosato no solo constitui um grave problema de poluição que ameaça a sua qualidade e biodiversidade.
O que nos preocupa
É do conhecimento público que a inalação acidental e o contacto com este tipo de compostos representam um risco para a nossa saúde, assim como para a saúde dos nossos animais de forma direta, mas também de forma indireta, devido ao seu potencial carcinogénico.
Estes compostos fazem parte de uma lista extensa de contaminantes de cursos de água, ecossistemas naturais e zonas agrícolas.
Todas as indicações são no sentido de evitarmos ao máximo a sua utilização. Contudo, o que vemos é a exceção tornada regra, com aplicações diurnas de herbicida, em horários de movimento, sem qualquer aviso prévio nos locais de aplicação e sobre os cuidados a ter.
O que defendemos
Para o PAN as alternativas existentes, como a monda mecânica, monda térmica e o uso de produtos biológicos, devem ser priorizadas. Urge uma maior proteção da saúde pública, da natureza, da fauna, da flora e dos recursos hídricos. Como tantas outras situações, em que está em causa a nossa saúde, o princípio da precaução deve, obrigatoriamente, ser adotado.
Assim, a Comissão Política Concelhia do PAN Famalicão e os apoiantes do presente anexo, desafiam a Câmara Municipal de Famalicão e Juntas de Freguesia do Concelho a que sejam pró-ativas na defesa da saúde pública, sem esquecer o respeito e a proteção das outras espécies e da natureza, e tornem Famalicão um concelho sem herbicida.