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Aumenta os prazos de prescrição para os crimes de falsificação de documentos e crimes fiscais e prevê novas causas de suspensão ou de interrupção na contagem dos prazos de prescrição do procedimento criminal

Exposição de Motivos

A prescrição do procedimento criminal traduz-se numa renúncia por parte do Estado a um direito, ao jus puniendi condicionado pelo decurso de um certo lapso de tempo. Assim, em Portugal, passado um certo tempo depois da prática de um facto ilícito-típico deixa de ser possível o procedimento criminal.[1]

Os períodos de prescrição também podem ser considerados como uma extensão do direito a um julgamento dentro de um período razoável, conforme o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a qual Portugal também integra.

Segundo o Relatório Nacional elaborado no âmbito do projeto Countdown to Impunity:Corruption-related statutes of limitation in the EU, promovido pelo Transparency International Secretariat, “de facto, é nestes princípios aliados aos tradicionais fins das penas (como a ressocialização e a prevenção especial da prática de novos atos criminosos) que a prescrição encontra a sua razão de ser: afinal, a condenação de um agente criminoso após um longo período de tempo desde a data de consumação de um crime não iria respeitar os objetivos de reintegração do agente criminoso e da prevenção de novos atos, nem de qualquer forma constituiria uma reparação a eventuais vítimas por danos morais ou patrimoniais. Outras razões estão também na origem dos períodos de prescrição, tais como as dificuldades de manutenção dos meios de prova (veja-se o exemplo dos testemunhos que, com a passagem do tempo, se tornam cada vez menos fiáveis aos olhos do julgador), ou a mitigação do alarme social, contribuindo para um estado de repouso da sociedade”.[2]

Assim, o legislador português, estabeleceu prazos de prescrição para o procedimento criminal e para as penas, no pressuposto que a existência de períodos de prescrição é tomada como um valor constitucional, concretizando os artigos 2.º, 18.º número 2, 27.º número 1, 29.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa, que estabelecem tais princípios como o da certeza jurídica, estabilidade, proporcionalidade, e o respeito pelos fins das penas.[3]

Para o efeito, o legislador previu diferentes prazos, consoante, por um lado a tipologia do crime, por outro a própria moldura penal abstrata. Desta forma, regra geral, quanto mais grave o crime, maior o prazo de prescrição do procedimento criminal.

Há um ano, a Assembleia da República aprovou, por larga maioria, um conjunto de Leis que deram cumprimento ao disposto na Estratégia Nacional Anticorrupção 2020-2024.

A Lei n.º 94/2021, de 21 dezembro, alterou diversos diplomas, entre eles o Código Penal, nomeada mas não exclusivamente a norma referente aos prazos de prescrição do procedimento criminal.

Desta forma, esta lei, não alterando os prazos gerais de prescrição do procedimento criminal, aditou ao leque de crimes cujo procedimento criminal se extingue, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido 15 anos, os crimes previstos: no n.º3 do artigo 375.º do Código Penal, referente ao crime de peculato; os previstos e punidos pelos artigos 11.º, 20.º, 23.º, 26.º e 27.º da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, que determina os crimes de responsabilidade que titulares de cargos políticos cometam no exercício das suas funções, bem como as sanções que lhes são aplicáveis e os respetivos efeitos; os artigos 10.º-A e 12.º da Lei n.º 50/2007, de 31 de Agosto, referente ao Regime de responsabilidade penal por comportamentos antidesportivos; os p.p pelo artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro, nos artigos 36.º e 37.º do Código de Justiça Militar e no artigo 299.º do Código Penal, contanto que a finalidade ou atividade do grupo, organização ou associação seja dirigida à prática de um ou mais dos crimes previstos nas subalíneas i) a iv), vi) e vii).

Ainda que esta alteração se mostre de grande relevância, não se mostra, ainda assim, suficiente, pois não só permite que algum crimes, muitas vezes, instrumentais à prática dos crimes de corrupção e de branqueamento de capitais se encontrem excluídos desta alteração, como o caso  dos crimes de falsificação de documentos, ou ainda o crime de fraude fiscal que, por remissão direta do R.G.I.T. , concretamente pelo número 2 do artigo 21°, aplica, atenta a moldura penal correspondente neste tipo de crime, não o disposto no seu art. 21°, n° 1, mas antes o disposto no art. 118°, n° 1, alínea b), do Código Penal, sendo, pois, o prazo de prescrição de 10 anos. E ainda não prevê, como se recomenda, que se prevejam motivos para suspensão da contagem dos prazos de prescrição incompatíveis com ações dilatórias.

Segundo o mencionado relatório, 73% dos procuradores e inspetores criminais inquiridos nessa sede, responderam que os períodos de prescrição não são suficientemente longos para os crimes relacionados com corrupção, apesar de considerarem que estes períodos são adequados para os crimes em geral.

O decurso dos prazos de prescrição em Portugal pode implicar o arquivamento de um processo-crime mesmo após este ter atingido a fase de recurso, perdurando a contagem do prazo de prescrição até à decisão final. Tal abre a porta a medidas dilatórias, que possam atrasar o procedimento criminal e prejudicando a celeridade do sistema judicial como um todo.

Desta forma, entende o PESSOAS-ANIMAIS-NATUREZA, que pela gravidade dos crimes elencados e pela sua natureza, muitas vezes, acessória e/ou instrumental relativamente a crimes de corrupção e conexos, como é tantas vezes o caso do crime de falsificação de documentos, será necessário proceder à alteração do Código Penal, por forma a aumentar o prazo de prescrição do procedimento criminal referente a estes crimes para 15 anos, bem como os crimes fiscais previstos nos artigos 103° a 105.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05 de Junho.

Para além dessa alteração, pretende-se, ainda, que o prazo de prescrição seja suspenso em diversas situações para além das previstas atualmente, nomeadamente, que o prazo seja interrompido aquando a emissão de acusação pelo Ministério Público ou quando haja uma decisão do tribunal de primeira instância, prevenindo quaisquer medidas dilatórias, a suspensão a pedido de cooperação bilateral, carta rogatória ou enquanto se aguarda a resposta a uma cooperação institucional e, finalmente, que os recursos ao Tribunal Constitucional suspendam, igualmente, a contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal.

Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a abaixo assinada Deputada Única do PESSOAS-ANIMAIS-NATUREZA, apresenta o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei aumenta os prazos de prescrição para os crimes de falsificação de documentos e crimes fiscais e prevê novas causas de suspensão ou de interrupção na contagem dos prazos de prescrição do procedimento criminal, procedendo, para o efeito, à alteração ao Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, na sua redação atual.

Artigo 2.º

Alteração ao Código Penal

Os artigos 118.º e 120.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 118.º

Prazos de prescrição

1 – (…):

a) (…):

i) (…);

ii) Crimes previstos nos artigos 256.º a 259.º, 335.º, 372.º, 373.º, 374.º, 374.º-A, nos n.ºs 1 e 3 do artigo 375.º, no n.º 1 do artigo 377.º, no n.º 1 do artigo 379.º e nos artigos 382.º, 383.º e 384.º do Código Penal;

iii) (…);

iv) (…);

v) (…);

vi) (…);

vii) (…); ou

viii) (…);

ix) Dos crimes previstos nos artigos 103° a 105.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho;

b) (…);

c) (…);

d) (…);

2 – (…).

3 – (…).

4 – (…).

5 – (…).

Artigo 120.º

Suspensão da prescrição

1 – (…):

a) (…);

b) (…);

c) (…); ou

d) (…);

e) (…);

f) (…).

2 – A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei e no número anterior:

  1. Quando o Ministério Público emitida acusação ou quando haja uma decisão do tribunal de primeira instância;
  2. A pedido de cooperação bilateral, carta rogatória ou enquanto se aguarda a resposta a uma cooperação institucional.
  3. Quando haja recurso ao Tribunal Constitucional.

3 – (anterior número 2).

4 – (anterior número 3).

5 – (anterior número 4).

6 – (anterior número 5).

7 – (anterior número 6).”

Artigo 3.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, Palácio de São Bento, 18 de novembro de 2022

A Deputada,

Inês de Sousa Real


[1] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (dgsi.pt)

[2] Layout 1 (transparencia.pt)

[3] Tribunal Constitucional, Decisão 483/2002,20 de novembro de 2020, relator Conselheiro Bravo Serra.