AçoresAgricultura, Mar e FlorestasAlterações ClimáticasAmbientePAN

Chapéus há muitos

Podem rotular-nos como uma Região que suspendeu o progresso, mas no que respeita às culturas arvenses, não há ventos tempestuosos ou secas severas que nos travem, mesmo que isso implique ameaças à saúde humana e ao meio ambiente, ainda que em tom de futurologia. 

É, sim, facto que as alterações climáticas são uma realidade cada vez mais alarmante – afinal vivemos um período de emergência climática. Pelo que, temos a necessidade de engenhar mecanismos para combater, de forma eficaz, essa emergência e potenciar a nossa resiliência a eventos climatéricos adversos.  

Ora, como se não bastasse o episódio dos “touros climáticos”, desta vez a astúcia do engenheiro presenteia-nos com o recurso a colheitas rápidas de ciclos curtos, através de culturas geneticamente modificadas por fragmentos de bactérias e vírus, que, para além dos impactos nefastos na biodiversidade, são altamente prejudiciais à saúde pública, favorecendo o desenvolvimento de alergias e doenças como a depressão e o cancro. Acrescentar mais um fator de risco à saúde pública, para além dos já existentes e dos inerentes às alterações climáticas. 

No fundo, a plantação de milho forrageiro é vendida como a solução milagrosa para mitigar os impactes da seca na alimentação animal nos Açores, mas não passa de uma demonstração de que, em tempos de crise, a criatividade e a sustentabilidade são deixadas de lado em favor de soluções rápidas que, ironicamente, podem trazer mais problemas do que benefícios. 

A ideia de que o milho transgénico e forrageiro são a panaceia para todos os males é, no mínimo, curiosa. É vendida a concepção de autossuficiência e inovação, disfarçadas de uma monocultura que degrada os solos, requer um uso excessivo de água, afeta a biodiversidade local e espécies nativas, reduzindo a fertilidade dos solos e culminando na sua erosão. Perante isto, estamos, de facto, na vanguarda da inovação (trágica), utilizando a seca e as alterações climáticas como bodes expiatórios para justificar o recurso a engenharia genética, criando-se um problema enquanto se tenta combater outro. 

Lamento desiludir-vos, mas alegar que a Região se encontra em “seca extrema” e para isso necessitar de sementes resilientes para o calor do deserto, é o mesmo que dizer que o Governo cumpre os prazos de resposta aos?requerimentos. Inclusive, o argumento foi já refutado por especialistas climatológicos, que asseguram existir equilíbrio hidrológico na Região, tendo em conta os elevados índices de precipitação no Inverno que, conforme expectável, não se verificam de forma idêntica nos períodos de maior calor. Estamos em tempo de (re)pensar a utilização dos recursos hidrológicos. 

Como se tudo isto não nos servisse, ostenta-se orgulhosamente em televisão pública um chapéu com o alto patrocínio da Bayer/Monsanto, uma empresa envolvida em inúmeras controvérsias ambientais, que promove a venda de herbicidas altamente prejudiciais e duvidosos, como é o caso do glifosato – vulgo Roundup, alvo de acesos debates na Europa e condenada a pagar mais de 1,4 mil milhões de dólares em indemnizações.  

Tudo isto constitui um total paradoxo, impulsionado e legitimado por quem dedica a sua governação a defender um tipo de biodiversidade: a monocultura leiteira. Não basta ser imparcial, há que o parecer. 

No fundo, este é mais um exemplo-típico do português, que se apressa em remediar aquilo que despreocupadamente não preveniu.