Cuidar de nós, do Outro e das relações que se estabelecem entre nós e o Mundo.
Cada indivíduo nasce livre e por direito devia manter-se livre, no entanto persistem os grilhões da caverna de Platão. Estes grilhões são-nos impostos pelo que se passa dentro da caverna durante o processo formativo, apenas vemos sombras e a interpretação dada pelos outros. Podemos classificar as sombras e as emoções que elas nos causam e até podemos em conjunto formar uma tradição classificativa relativa às sombras que observamos, mas nada sabemos da realidade.
É importante poder sair da caverna para termos um “insight” sobre a natureza das sombras. Enquanto caminhamos na sombra a dificuldade de ver mais além é extrema.
A maior dificuldade em fazer o processo anteriormente descrito passa pelo andarmos distraídos, apressados, desatentos, sem apreciar cada momento, cada sentido, vivemos ‘sufocados’, auto-centrados, mais egoístas não só para o Outro como para nós próprios, e nem isso damos conta.
Deixámos passar a oportunidade do cultivo, a rega do conhecimento.
Para fugir ao sufoco dessa realidade, alimentada por cada um, é necessário e essencial criar uma alternativa, que nos guarde a essência e nos defenda dessa realidade adversa, que seja um refúgio e mais do que isso: o local onde podemos ser nós próprios, onde sintamos liberdade e o nosso existir.
Permitimos que a economia, o dinheiro, o poder se sobrepusessem aos valores que fomos perdendo após o nosso nascimento.
Porém, existem formas díspares de lidar com o caos e a desordem, com os dilemas socio-políticos, ambientais e de sustentabilidade, com os impasses do nosso tempo e da nossa sociedade. Com uma visão mais clara podemos começar a ver mais claro.
Através da arte podemos trespassá-los, é nela que reside também a mudança. Interromper o pensamento automático e inculto, abrindo a possibilidade de novos raciocínios. As Artes são elementos indispensáveis no desenvolvimento da expressão pessoal, social e cultural. São o veículo que nos leva ao nosso outro mundo, o alternativo onde perpetua a sensibilidade, a imaginação, a razão e a emoção.
Tangencialmente entre a realidade e a ficção.
Para não ficarmos dependentes do pensamento automático, importa distinguir condutas, identidades ou estilos de vida associados a processos criativos, desde a escrita às instalações criativas, da arquitetura, passando pela pintura, pela escultura, até à música e dança, entre tantas outras formas de expressão que cada indivíduo pode dar e contribuir no crescimento e desenvolvimento de uma sociedade.
Há pouco tempo, na Fundação Calouste Gulbenkian, escritores, músicos, artistas visuais, arquitectos e outras figuras ligadas à cultura, partilharam com os espetadores – que é o que somos enquanto seres individuais e sociais – as obras e os artistas que mais os inspiraram, assim como conversas onde se refletiu sobre o “gosto dos outros” (o nosso plural, enquanto protagonista e actor singular que somos).
E o vosso? Já se questionaram verdadeiramente acerca do vosso gosto?
Não permitamos que o abjeto de uma realidade corrompa essa dimensão individual. Que a cultura regresse à sua origem de “plantar” e transforme cada um de nós em seres capazes de ‘semear’ e ‘lavrar’ esse terreno.
“Sacode as nuvens que te poisam nos cabelos,
Sacode as aves que te levam o olhar (…)” Sophia de Mello Breyner Andresen
Ousemos ser quem somos, sejamos a nossa própria obra de arte.
Um todo.
29 de novembro de 2018