AnimaisOrçamento do Estado 2024

Fim da isenção do IMI ao património imobiliário público que seja utilizado para a realização de touradas

De acordo com o Movimento Cívico “Fim dos dinheiros públicos para touradas”, todos os anos são gastos cerca de 16 milhões de euros em financiamento público, direto ou indireto, no apoio à tauromaquia em Portugal, tendo esta verba as mais diversas origens – envolvendo desde orçamentos municipais, passando pelo Orçamento da Região Autónoma dos Açores e pelo Orçamento do Estado e envolvendo até fundos da União Europeia (que involuntariamente contribuem para o pagamento de ajudas, prémios, subsídios e financiamentos que abrangem principalmente a criação de bovinos de lide1 e à construção e reabilitação de praças de touros).

Nesta soma apenas se incluem financiamentos com a compra de bilhetes para touradas, organização de espetáculos tauromáquicos, patrocínio de material impresso, publicidade, aluguer de touros, reabilitação e manutenção de praças de touros, seguros dos artistas ou subsídios para associações tauromáquicas (tertúlias, grupos de forcados, escolas de toureio, entre outros).

Fora da contabilização destes 16 milhões de euros estão os benefícios fiscais concedidos, direta ou indiretamente, à atividade tauromáquica. Apesar dos avanços dados nos últimos anos por impulso do PAN em sede fiscal, como o do artigo 338.º do Orçamento do Estado para 2020, aprovado pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março, que aumentou para 23% o IVA das entradas em espetáculos tauromáquicos, a verdade é que continuam a existir um conjunto de benefícios fiscais dirigidos à atividade tauromáquica que continuam a consumir parcela relevante dos dinheiros públicos.

Um desses casos, que implica a perda injustificada de relevantes receitas municipais, é a atribuição, por via do artigo 11.º do Código do IMI, de uma isenção de IMI a praças de touros inseridas no património imobiliário público, mesmo que não esteja sob gestão direta de uma entidade pública.

O maior dos beneficiários desta isenção de IMI é a praça de touros do Campo Pequeno, cujo valor ascende a 9 milhões de euros ou a 12 milhões de euros se incluirmos os espaços comerciais. Esta isenção beneficia a Casa Pia por ser uma entidade pública, refletindo-se nas condições de cedência de exploração do espaço à Sociedade de Renovação Urbana do Campo Pequeno e posteriormente ao atual promotor, a empresa privada Plateia Colossal – Unipessoal Lda., detida pela sociedade por quotas Venue – Gestão de Espaços e Eventos Lda. e cuja gerência e capital social está a cargo e pertence ao empresário Álvaro Covões.

Conforme o PAN tem afirmado ao longo dos últimos anos, quer na Assembleia da República, quer na Assembleia Municipal de Lisboa, esta isenção dada à praça de touros do Campo Pequeno viola os mais basilares princípios da igualdade e até da concorrência, visto que beneficiou durante anos a Sociedade de Renovação Urbana do Campo Pequeno (que entrou em processo de insolvência em 2014 e cuja liquidação se tem arrastado até aos dias de hoje, com créditos reconhecidos pelo tribunal na ordem dos 86 milhões de euros) e beneficia a Plateia Colossal – Unipessoal Lda. relativamente a outros promotores de espetáculos ou comerciantes.

Para além disso, sendo a Casa Pia um instituto público que tem como missão a promoção dos direitos e a proteção das crianças e jovens, entendemos, também, que as atividades tauromáquicas em nada contribui para tal objetivo – pelo contrário, por não se compadecem com o respeito por outras formas de vida e afrontam diretamente as recomendações do Comité dos Direitos da Criança das Nações Unidas, que instou por duas vezes o Estado Português, em fevereiro de 2014, a adotar medidas de “sensibilização sobre a violência física e mental, associada à tauromaquia e o seu impacto nas crianças” e mais recentemente, em setembro de 2019 voltou a pronunciar-se, recomendando ao Estado português que estabeleça a idade mínima para a participação e assistência em eventos de touradas e corridas de touros, incluindo em escolas tauromáquicas, fixando-a nos 18 anos sem exceção e sensibilizar o Estado e autoridades, órgãos de comunicação social e população em geral sobre os efeitos negativos sobre as crianças, inclusive como espectadores, da violência associada às touradas e corridas.

Já em 2021 o Governo aprovou a interdição de entrada em espetáculos tauromáquicos, na sequência das negociações que conduziram à aprovação do Orçamento do Estado de 2021. Para além do exposto relativamente a estes casos em concreto, se é verdade que a isenção de IMI para o Estado e demais entidades públicas em termos gerais faz sentido no pressuposto de que esse património é utilizado por entes públicos ou associativos, numa lógica de interesse público, não menos verdade é que tal isenção não deverá servir para beneficiar imóveis que integrando o património imobiliário público estão cedidos a outras entidades que os utilizam para prosseguir fins lucrativos ou fins contrários ao interesse público – como sucede no caso da praça de touros do Campo Pequeno. Dificilmente se fundamenta a inserção no âmbito do interesse público, visto que a atividade tauromáquica pela violência exercida sobre os touros nas corridas e tudo o que as envolve (desde o transporte até ao abate) consubstancia um mau trato do ponto de vista médico-veterinário bem como do ponto de vista legal – que, apesar de prever uma exceção de ilicitude, a trata como mau trato por via da Lei n.º 92/95 de 12 de Setembro (Lei de proteção dos Animais).

Ademais, o bem-estar animal é hoje um bem jurídico com relevância não apenas no nosso ordenamento jurídico, mas também ao nível europeu, estando atribuído um Estatuto jurídico próprio aos animais no Código Civil, que reconhece no seu artigo 201.º-B que “os animais são seres vivos dotados de sensibilidade”.

Acresce referir que a manutenção deste benefício fiscal injustificado e injusto não dá incentivos aos respetivos beneficiários e aos municípios para que, procurando deixar de ser alheios ao sofrimento animal, deem o passo civilizacional no sentido do encerramento e reconversão das praças de touros, tal como sucedeu nas cidades de Viana do Castelo, da Póvoa do Varzim ou de Albufeira.

Desta forma e com a presente proposta de alteração, o PAN pretende assegurar que o Código do IMI deixe de ser alheio ao sofrimento animal e que assegure uma maior justiça fiscal em matéria de tributação de património público, por via da cessação da isenção de IMI ao património imobiliário público, mesmo que cedido, a qualquer título, a entidades públicas, entidades privadas ou a Instituições Particulares de Solidariedade Social, que seja utilizado para a realização de espetáculos tauromáquicos com ou sem fins comerciais.

  1. Os apoios à produção são atribuídos aos criadores sem especificação do fim a que se destina o animal, pois a União Europeia não distingue os bovinos destinados à produção de alimentos (leite ou carne) daqueles que têm como finalidade a criação de bovinos para serem lidados. Os produtores portugueses têm aproveitado esta omissão, utilizando as verbas que deveriam ser destinadas à produção alimentar para a produção de touros de lide. O Parlamento Europeu aprovou, por maioria absoluta, a emenda 1.347 para que os fundos da Política Agrária Comum “não sejam usados para apoiar a reprodução ou a criação de touros destinados às atividades de tauromaquia”, que considerava que tal financiamento conforma uma clara violação da Convenção Europeia para a Proteção dos Animais nas Explorações de Criação (Diretiva 98/58/EC). ↩︎