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(In) segurança da violência doméstica

Pedro Neves - Opinião AO

Nos últimos dias do mês de Maio foi publicado o relatório anual da segurança interna – RASI, e o relatório anual da APAV, ambos do ano 2021, teve lugar a «Jornada de Reflexão sobre Novas Substâncias Psicoativas», e esteve agendada para discussão na Assembleia Legislativa Regional um Projecto de Resolução com medidas de apoio às vítimas de violência doméstica, que baixou à Comissão. Em todos esses eventos, o denominador comum é o fenómeno da violência doméstica, a eterna vilã.

Segundo os dados do RASI, quando comparado com o ano de 2020, verifica-se uma diminuição das denúncias deste tipo de crime em cerca de 4%, em todo o país. No entanto, os índices de denúncias continuam extremamente elevados, sobretudo se considerados os dados dos Açores, constatando-se, inclusive, um aumento de 5,3% nas suas denúncias, contrariando a tendência nacional. Sem prejuízo das cifras negras. 

O relatório da APAV refere que cerca de 76% dos atendimentos realizados estão relacionados com situações de violência doméstica. 

Mais, o feminicídio continua a ser uma realidade, vitimando 16 mulheres em contexto de violência doméstica, segundo dados do RASI.Além disso, em regra, as situações de violência doméstica ocorrem em contexto intrafamiliar, sendo a vitimação prolongada no tempo e as vítimas, na sua larga maioria, mulheres entre os 30 e os 40 anos.

A violência doméstica é um fenómeno global e estrutural, que transpõe os parâmetros balizados pela legislação penal, sendo pacífica a sua concepção como um crime de género, com implicações misóginas em resultado de uma cultura «masculinizada», que secundariza o papel da mulher – «segundo sexo».

O impacto da violência tem repercussões directas e indirectas, mediatas e imediatas nas vítimas, e, devido à sua complexidade, configura na sua globalidade um fenómeno que carece de políticas públicas a jusante e a montante, por forma a cumprir as exigências de prevenção.

Os nossos jovens são, por vezes, o reflexo dos problemas sentidos em contexto intrafamiliar. Isto é, um “bully” na escola, pode ser uma vítima em casa e vir a replicar os comportamentos vivenciados em relações futuras. Daí ser fulcral quebrar o ciclo da violência.

Por isso, a violência doméstica é um grave problema de saúde pública, reconhecido pela Organização Mundial de Saúde, principalmente se consideradas as consequências que resultam das ofensas à integridade física e psicológica das vítimas e as problemáticas de saúde mental e de adição dos agressores, em especial a do álcool e de produto estupefaciente. 

Os Açores são um laboratório de excelência para a introdução e experimentação de novas drogas sintéticas. Foi este o eco produzido na «Jornada de Reflexão sobre Novas Substâncias Psicoativas» que fez soar os alarmes neste contexto, pois o consumo de “drogas” é um fator que potencia o risco das vítimas.  

É certo que o reconhecimento e a crítica social do fenómeno motivaram um progressivo investimento público no combate à violência doméstica. Porém, ao analisar os números (significativos) questiono-me sobre o que ainda está por fazer e ocorre-me a necessidade de investir no capital humano – Técnicos de Apoios à Vítima, melhorar as acessibilidades das casas de acolhimento, desenvolver mecanismos que possibilitem a autonomização das vítimas, isto a jusante. Mas a montante, devemos combater a misoginia e censurar a cultura da normalização da violência, nas suas várias formas e tipos.