Animais

Moção para a inclusão dos Animais de companhia na Constituição Aprovada

Considerando que:

I. A criminalização dos maus-tratos a animais de companhia ocorrida através a Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto constituiu um marco decisivo ao consagrar e espelhar uma sensibilidade às preocupações e valores éticos no domínio do bem-estar animal.

II. Também a Lei n.º 8/2017, de 3 de Março de 2017, que alterou o Código Civil, o Código de Processo Civil e o Código Penal, veio estabelecer o estatuto jurídico dos animais, autonomizando-se disposições respeitantes aos animais e reconhecido que os mesmos “são seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza”;

III. Prevê-se expressamente no artigo 1305.º-A do Código Civil, que incumbe ao “proprietário” assegurar-lhe o seu bem-estar, incluindo nomeadamente, a garantia de acesso a água e alimentação de acordo com as necessidades da espécie em questão, bem como a cuidados médico-veterinários sempre que justificado, incluindo as medidas profiláticas, de identificação e de vacinação previstas na lei.

IV. A doutrina e jurisprudência maioritária encontram respaldo constitucional nas normas criminalizadoras dos maus tratos, seja por via indireta da proteção do ambiente prevista no artigo 66.º ou na própria dignidade da pessoa humana reconhecida pelo artigo 1º ambos da

Constituição da República Portuguesa, no artigo 13.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), como norma supraconstitucional ou até mesmo pela proteção da família, já que são cada vez mais os lares que detêm animais de companhia, considerados como parte integrante das famílias, sendo os laços afetivos profundos, conforme reconhece a própria Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia, ratificada através do Decreto n.º 13/93, de 13 de abril, publicado no Diário da República n.º 86/1993, Série I-A de 13-04-1993, ao referir no seu preâmbulo “a importância dos animais de companhia em virtude da sua contribuição para a qualidade de vida e, por conseguinte, o seu valor para a sociedade”, estabelecendo alguns princípios fundamentais em matéria de bem-estar animal.

V. Acontece, porém, que o plenário de juízes do Tribunal Constitucional vai deliberar o futuro da lei que criminalizada os maus tratos e abandono animal após três decisões deste tribunal que a declararam inconstitucional;

VI. Destarte, espancar, bater, queimar, afogar, torturar, maltratar um animal pode deixar de ser crime em Portugal, espelhando um retrocesso civilizacional absolutamente incompreensível e que já mobilizou milhares de pessoas em defesa da proteção dos animais em Portugal.1

VII. Também o Presidente da República veiculou, no passado sábado em comunicado2, que é favorável a uma lei que puna os maus-tratos a animais, dizendo tratar-se de uma “exigência indiscutível”, revelando ainda ter recebido “diversas mensagens” desde que o Ministério Público junto do Tribunal Constitucional pediu a declaração de inconstitucionalidade da norma.

VIII. Os maus-tratos a animais não podem ficar à margem da lei por falta de densificação dos conceitos de “maus tratos” e “animal de companhia”, do mesmo modo que entendemos que uma eventual declaração de inconstitucionalidade baseada no fundamento que o crime punido no artigo 387.º do Código Penal não ter respaldo direto na Lei Fundamental não vence, porquanto a Constituição não elenca (nem tem de elencar) todos os tipos de crime, como é exemplo o crime de branqueamento de capitais, interrupção de cerimonia fúnebre ou o lenocínio, crimes cuja existência não geram controvérsia junto dos profissionais do foro.

IX. Considerando o acórdão que vier a ser proferido pelo plenário de juízes do Tribunal Constitucional, foi igualmente lançada uma petição pública, em defesa da lei que criminaliza os maus-tratos a animais – Maltratar um animal tem de ser crime em Portugal3, que neste momento já conta com mais de 82.000 assinaturas e na qual se vem apelar:

1. Ao Tribunal Constitucional que promova uma interpretação ética e atualista da nossa lei fundamental, adequada a uma sociedade civilizada, europeia e dos tempos modernos e, consequentemente, solicitar a garantia da conformidade constitucional do tipo legal de crime que prevê e pune os maus tratos a animais de companhia, evitando aumentar ainda mais as consequências e os danos irreparáveis que esta situação de incerteza tem estado a causar na nossa sociedade quer aos animais, quer aos cidadãos que se preocupam ativamente com o bem estar animal;

2. À Assembleia da República que aprofunde o regime penal em vigor, incluindo o alargamento da sua tutela de proteção aos demais animais sencientes, que não apenas os animais de companhia e que inclua no regime existente a punição

das pessoas coletivas e das condutas negligentes, acompanhando as preocupações já expressas pelo Tribunal Constitucional, quanto a estas e demais questões ou lacunas apontadas.

3. Que se promova a inclusão dos animais, de forma expressa, no texto da Constituição da República Portuguesa (CRP).

X. Por impulso de uma outra petição, Portugal juntou-se em 2014 aos países que criminalizam os maus-tratos e o abandono de animais de companhia, tendo alargado ainda a sua proteção no âmbito da lei civil.

XI. Só em 2018 assistimos à primeira condenação com pena de prisão quando a cadela Pantufa foi esventrada a sangue-frio pelo seu detentor e a quem foram retiradas as crias ainda vivas e deixadas a morrer no lixo. Na sentença, o magistrado que julgou o caso referiu que: “Não sou fundamentalista dos animais. Sou fundamentalista contra a crueldade (…). Se a cadeia não serve para a crueldade, serve para quê?”

XII. Ironicamente, foi este mesmo caso que veio a originar a primeira declaração de inconstitucionalidade por parte da 3.ª Secção do Tribunal Constitucional (TC) e de lá para cá, temos assistido igualmente a casos de extrema violência contra animais, que, tendo sido condenados em tribunal, foram também objeto de recurso.

XIII. Como é que se pode conceber que os maus tratos possam ser conformes à Constituição, que animais sejam espancados com barras de ferro, cadelas enforcadas porque engravidaram, animais esquartejados em contexto de violência doméstica, animais deixados a morrer à fome, animais presos a carros e arrastados pela estrada?

XIV. A posição do TC é em nosso entender resultante de uma leitura pouco atualista e progressista da Constituição e da mentalidade da sociedade civil, encontrando-se em contraciclo com os valores próprios de uma sociedade do século XXI.

XV. Esta posição razão gera incompreensão e forte contestação como a verificada no passado sábado dia 21 de janeiro.

XVI. Os crimes que venham a ser praticados em Portugal contra animais de companhia estão em risco de ficar à margem da lei e quanto aos casos com condenação efetiva – poucos, infelizmente – os animais podem vir a ser devolvidos a quem os mal tratou com eventual pedido de pagamento de indemnizações aos agressores.

XVII. Uma sociedade justa e solidária, assente no princípio da dignidade humana, não pode ignorar o sofrimento animal e a violência contra estes praticada, sob pena de estar em contradição com os princípios constitucionalmente consagrados.

XVIII. Deste modo, e apesar de entendermos que existe um bem jurídico protegido por força de uma interpretação atualista da lei fundamental, desde a fundação do Pessoas-Animais-Natureza que defendemos que o dever de proteção e bem estar animal, deve ser objeto de consagração expressa na Constituição e que não pode agora mais ser adiado, razão pela qual o PAN já deu entrada na Assembleia da República de um Projeto de Revisão Constitucional, no sentido de garantir entre outras, que seja assegurado como dever do Estado, a preservação

da biodiversidade e a defesa dos animais, ao incluí-los expressamente no artigo 9.º da Constituição.

XIX. Defendemos ainda que deve igualmente ser garantido, que todos tenham direito a um ambiente de vida humano e animal sadio, ecologicamente equilibrado e que seja assegurada a proteção e o bem-estar animal, bem como a promoção da educação para o respeito pelos animais, vendo reconhecido o valor intrínseco dos animais enquanto seres vivos dotados de sensibilidade e, consequentemente, o dever de os preservar.

Em face do exposto, vem o Grupo Municipal do PAN propor que a Assembleia Municipal de Lisboa, na sua Sessão Extraordinária de 31 de janeiro de 2023, delibere ao abrigo do disposto nas alíneas j) e k) do n.º 2 do artigo 25.º da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, conjugadas com a alínea c) do artigo 15.º e com o n.º 1 do artigo 71.º do Regimento da Assembleia Municipal de Lisboa, aprovar uma moção no sentido de:

1. Apelar aos Grupos Parlamentares e em concreto aos deputados da Assembleia da República, que promovam e aprovem de forma expressa e inequívoca, a inclusão dos animais no texto da próxima revisão da Constituição da República Portuguesa.

2. Apelar aos Grupos Parlamentares e em concreto aos deputados da Assembleia da República, que promovam e aprovem uma alteração às normas penais, densificando-se os conceitos considerados indeterminados;

3. Remeter esta deliberação ao Senhor Presidente da Assembleia da República, ao Senhor Primeiro-Ministro e aos Grupos Parlamentares representados na Assembleia da República.

Pelo Pessoas – Animais – Natureza

Isabel Carmo

(DM em substituição)