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O silêncio da violência de género

O Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres lembra-nos, anualmente, que a violência de género continua a ser uma chaga social que teima em persistir, exigindo uma resposta firme e concertada. Apesar dos avanços legislativos e de uma maior visibilidade mediática, a violência mantém-se enraizada em padrões culturais, desigualdades económicas e estruturas de poder que normalizam o controlo sobre corpos e vidas femininas, minando os direitos humanos e a dignidade das mulheres.  

Nos Açores, a realidade insular acrescenta camadas de vulnerabilidade à violência contra as mulheres, com feições próprias que merecem atenção específica: a dispersão geográfica, a proximidade social característica de comunidades insulares e as dificuldades no acesso a serviços de apoio agravam a vulnerabilidade de muitas mulheres, sem prejuízo de que, em contextos mais pequenos, a vergonha, o ostracismo e o estigma pesam mais, tornando a denúncia um passo particularmente difícil, que muitas vezes encontra respostas demoradas ou insuficientes por falta de recursos humanos e infraestruturas adequadas, perpetuando ciclos de abuso e invisibilidade.   

Uma narrativa agravada pelo crescimento de uma retórica misógina, alimentada por sectores da extrema-direita, que procuram reduzir o papel da mulher ao de mera reprodutora, insinuando ser intelectualmente inferior – uma visão que ficou evidente nas palavras de uma Deputada que ironizou o facto de o ferro de engomar ter feito mais pela mulher que o feminismo, procurando normalizar a ideia de que o lugar da mulher é no espaço doméstico, invisível e submisso. Esta invisibilidade do trabalho doméstico, tantas vezes não remunerado e não reconhecido, é uma forma estrutural de violência. 

Nem a crise climática é neutra em termos de género. As mulheres são as principais vítimas das alterações climáticas, estando mais expostas à precariedade, à pobreza energética e à sobrecarga de responsabilidades familiares em contextos de catástrofe, sendo estas que, não raras vezes, assumem a linha da frente na protecção de crianças, idosos e comunidades, sem que essa vulnerabilidade seja reconhecida ou mitigada por políticas públicas. 

A par disso, o acesso a cuidados de saúde feminina continua a enfrentar obstáculos crescentes, nomeadamente em garantir acompanhamento adequado em áreas como saúde sexual e reprodutiva ou saúde mental, perpetuando um sofrimento silencioso e acentuando desigualdades.  

O Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres deve ser um momento de denúncia e compromisso. Denúncia contra todas as formas de violência — física, psicológica, simbólica, política, económica, ambiental e institucional, e compromisso com políticas públicas que reconheçam a especificidade arquipelágica, que garantam espaços seguros, que valorizem o trabalho, que assegurem cuidados de saúde feminina e que integrem a perspectiva de género na resposta à crise climática.