AmbienteParlamento

Procede à alteração do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, por forma a assegurar processos de elaboração, alteração ou revisão dos programas e dos planos territoriais mais democráticos, participativos e respeitadores do ambiente e da vontade das populações

Exposição de motivos

Volvidos quase oito anos desde a aprovação da revisão do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, pelo Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro, há um conjunto de insuficiências, nomeadamente no enquadramento legal dos Planos Directores Municipais, que estão sinalizadas e que carecem de uma revisão pontual deste diploma.

Em primeiro lugar, no âmbito dos processos de consulta pública relativos a programas e dos planos territoriais, por um lado, verifica-se muitas vezes uma divulgação pública da respectiva abertura que se limita a cumprir os mínimos legais (divulgação em diário da república) e que não garante qualquer incentivo à participação, e que, por outro lado, esta fase de consulta pública, embora muitas vezes acompanhada de ampla participação da sociedade civil, não leva as entidades públicas a alterarem as suas propostas iniciais, o que leva a que na prática não haja uma real participação dos cidadãos.

Por isso mesmo e atendendo a este problema, com a presente iniciativa o PAN pretende assegurar um alargamento dos prazos mínimos de duração dos processos de consulta pública nos planos territoriais de âmbito municipal, a obrigatoriedade de a respectiva abertura ser divulgada nas publicações periódicas e redes sociais do município na internet e a previsão do dever de os municípios procurarem assegurar o acolhimento das propostas surgidas em consulta pública sempre que estas se revelem justificadas e de fundamentar o não-acolhimento.  Em paralelo, propõe-se a previsão da possibilidade de os municípios e outras entidades públicas responsáveis pela elaboração, alteração ou revisão dos programas e dos planos territoriais, em momento prévio à fase de elaboração, de alteração ou de revisão, recorrerem a mecanismos de planeamento participativo, que num processo baseado em fóruns de discussão e precedido de acções de formação, permita aos cidadãos eleitores residentes no território abrangido, a apresentação de propostas a integrar nesses programas ou planos territoriais. Este modelo de planeamento urbanístico acolhido ao nível intra-estadual e municipal de outros países[1], inspirando-se nos bons exemplos de orçamentos participativos, procura assegurar a participação através de um processo em que os eleitos e os funcionários da entidade pública, no âmbito de uma estrutura informal assente em reuniões abertas e descentralizadas, ouvem os cidadãos e as suas estruturas representativas sobre as matérias em causa, assegurando-se assim um urbanismo com massa crítica, com adesão à realidade e capaz de agregar a heterogenia cultural e social da população do município.

Em segundo lugar, verifica-se que em alguns aspectos o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial não está totalmente actualizado com os objectivos da Lei de Bases do Clima, aprovada pela Lei n.º 98/2021, de 31 de Dezembro, e por vezes tem um conjunto de aspectos que fazem prevalecer interesses económicos sobre o ambiente. Por isso mesmo e numa lógica compromissória que procura assegurar que a elaboração e execução dos Planos Directores Municipais estão totalmente alinhados com o respeito pelo ambiente, com a presente iniciativa o PAN pretende que os Planos Directores Municipais sejam acompanhados de um Plano municipal de ação climática,  que a comissão de acompanhamento dos planos diretores municipais passe a incluir na sua composição um representante de uma das organizações não-governamentais de ambiente que actuem no território do município em causa e a previsão da obrigatoriedade de se preverem mecanismos que incentivem a mitigação e adaptação às alterações climáticas e a eficiência hídrica. Em nome da justiça social propomos que estes mecanismos de incentivo que hoje já abrangem a habitação social, passem também a abranger a habitação a custos acessíveis.

Em terceiro lugar e num país onde ao nível municipal dominam as maiorias absolutas, verifica-se que muitas vezes as forças da oposição só são chamadas a participar no processo de aprovação de um Plano Director Municipal, não tendo qualquer participação na respectiva elaboração e vendo-se muitas vezes obrigados a participar no processo de consulta pública para que as suas posições possam ser dadas a conhecer à força política maioritária no executivo municipal. Para evitar que tal suceda, com a presente iniciativa o PAN pretende estender o direito de consulta prévia reconhecido aos titulares do direito de oposição relativamente ao Orçamento Municipal no âmbito do Estatuto do Direito de Oposição, aprovado pela Lei n.º 24/98, de 26 de Maio, às propostas de Plano Director Municipal, bem como às respectivas propostas de revisão ou alteração de Plano Director Municipal.

Em quarto e último lugar, há dois aspectos da Lei de bases gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo, aprovada pela Lei n.º 31/2014 de 30 de Maio, que estão por regulamentar no âmbito do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial. Por um lado, verifica-se que este diploma é totalmente omisso no que respeita à avaliação de solos, pelo que na presente proposta se propõe que até 31 de Agosto de 2024, os municípios, para efeitos de regulação fundiária, tenham de aprovar uma carta de valores fundiários, que conterá os referenciais relativos aos preços do solo não-edificável e edificável, conforme as suas finalidades. A existência deste documento daria um importante contributo para um mercado de solos mais transparente e regulado, assumindo especial importância na fase de execução dos Planos Directores Municipais – seja devido à aquisição do solo pelos municípios, seja para o cálculo das compensações a efetuar no âmbito da redistribuição de benefícios e encargos entre proprietários.

Por outro lado, não se vislumbra no Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, qualquer referência ao Fundo Municipal de Sustentabilidade Ambiental e Urbanística, o que tem levado a que apesar de referido no âmbito da, a sua criação não esteja assegurada na larga maioria dos municípios que já aprovaram os Planos Directores Municipais de 3.ª geração. Assim, com a presente iniciativa, o PAN propõe que até 31 de Agosto de 2024, os municípios tenham obrigatoriamente de constituir, por regulamento, um fundo municipal de sustentabilidade ambiental e urbanística, ao qual são afetas receitas resultantes da redistribuição de mais-valias originadas pela edificabilidade estabelecida em plano territorial, com vista a promover a  mitigação e adaptação do território às alterações climáticas, a reabilitação urbana, a habitação a custos acessíveis, a eficiência energética e eficiência hídrica, a sustentabilidade dos ecossistemas e a prestação de serviços ambientais.

Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a abaixo assinada Deputada Única do PESSOAS-ANIMAIS-NATUREZA, apresenta o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei procede à quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 81/2020, de 2 de outubro, 25/2021, de 29 de março, e 45/2022, de 8 de julho, que aprova a revisão do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro

Artigo 2.º

Alteração ao Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio

São alterados os artigos 6.º, 83.º, 89.º, 97.º e 173.º do Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio, que passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 6.º

[…]

1 – […].

2 – O direito de participação referido no número anterior compreende a possibilidade de formulação de sugestões, de propostas de alteração e de pedidos de esclarecimento, no âmbito dos procedimentos previstos no presente decreto-lei, às entidades responsáveis pelos programas ou pelos planos territoriais, bem como a faculdade de propor a celebração de contratos para planeamento e a intervenção nas fases de discussão pública.

3 – As entidades públicas responsáveis pela elaboração, alteração, revisão, execução e avaliação dos programas e dos planos territoriais divulgam, designadamente através do seu sítio na Internet, das suas páginas em redes sociais na internet, das publicações periódicas de carácter institucional, da plataforma colaborativa de gestão territorial e da comunicação social:

  1. […];
  2. […];
  3. […];
  4. […];
  5. […];
  6. […];
  7. […].

4 – As entidades referidas no número anterior estão sujeitas ao dever de ponderação das propostas apresentadas e de assegurar o seu acolhimento sempre que estas se revelem justificadas, bem como de resposta fundamentada aos pedidos de esclarecimento formulados e de justificação fundamentada do não-acolhimento das propostas apresentadas, nos termos previstos no presente decreto-lei.

5 – A abertura dos períodos de discussão pública é feita através de aviso a publicar no Diário da República, o qual deve prever o recurso a meios eletrónicos para participação na discussão pública, designadamente através de plataforma colaborativa de gestão territorial, e deverá complementarmente ser objecto de divulgação complementar pelas entidade pública responsável pela abertura deste período designadamente através do seu sítio na Internet, das suas páginas em redes sociais na internet e das publicações periódicas de carácter institucional.

6 – As entidades públicas responsáveis pela elaboração, alteração ou revisão dos programas e dos planos territoriais, poderão, em momento prévio à fase de elaboração, de alteração ou de revisão, recorrer a mecanismos de planeamento participativo, que num processo baseado em fóruns de discussão e precedido de acções de formação, permita aos cidadãos eleitores residentes no território abrangido, a apresentação de propostas a integrar nesses programas ou planos territoriais, que deverão reger-se pelas regras de divulgação pública constantes dos números 3 e 5 do presente artigo. 

Artigo 83.º

[…]

1 – […].

2 – A composição da comissão consultiva deve traduzir a natureza dos principais interesses a salvaguardar, integrando os representantes de serviços e entidades da administração direta ou indireta do Estado, das Regiões Autónomas, da entidade intermunicipal, de outras entidades públicas cuja participação seja legalmente exigível e de uma das organizações não-governamentais de ambiente que actuem no território abrangido pelo mencionado plano.

3 – […].

4 – […].

5 – […].

6 – […].

7 – […]

8 – […].

Artigo 89.º

[…]

1 – Concluído o período de acompanhamento e, quando for o caso, decorrido o período adicional de concertação, a câmara municipal procede à abertura de um período de discussão pública, através de aviso a publicar no Diário da República e a divulgar através da comunicação social, da plataforma colaborativa de gestão territorial e do respetivo sítio na Internet, das suas páginas em redes sociais na internet e das publicações periódicas de carácter institucional, do qual consta o período de discussão, a forma como os interessados podem apresentar as suas reclamações, observações ou sugestões, as eventuais sessões públicas a que haja lugar e os locais onde se encontra disponível a proposta, o respetivo relatório ambiental, o parecer final, a ata da comissão consultiva, os demais pareceres emitidos e os resultados da concertação.

2 – O período de discussão pública deve ser anunciado com a antecedência mínima de cinco dias, e não pode ser inferior a 60 dias, para o plano diretor municipal, e a 40 dias, para o plano de urbanização e para o plano de pormenor.

3 – A câmara municipal pondera as reclamações, as observações, as sugestões, os pedidos de esclarecimento e as propostas de alteração, apresentados pelos particulares, acolhendo-as sempre que se afigure justificado e ficando obrigada a resposta fundamentada perante aqueles que invoquem, designadamente:

  1. […];
  2. […];
  3. […];
  4. A desconsideração dos objectivos de mitigação e de adaptação às alterações climáticas.

4 – […].

5 – […].

6 – […].

7 – […].

  Artigo 97.º

[…]

1 – […]:

  1. […];
  2. […];
  3. […].

2 – […]:

  1. […];
  2. […];
  3. […];
  4. […];
  5. Plano municipal de ação climática, aprovado nos termos do artigo 14.º, n.º 2, da Lei de Bases do Clima, aprovada pela Lei n.º 98/2021, de 31 de Dezembro.

3 – […]:

  1. […];
  2. […];
  3. […];
  4. […];
  5. […];
  6. […].

4 – […].

Artigo 173.º

[…]

Os planos intermunicipais e municipais devem prever mecanismos de incentivo visando prosseguir as seguintes finalidades:

  1. […];
  2. […];
  3. Mitigação e adaptação às alterações climáticas, bem como a minimização de riscos coletivos inerentes a acidentes graves ou a catástrofes e de riscos ambientais;
  4. […];
  5. […];
  6. Habitação social e habitação a custos acessíveis;
  7. Eficiência na utilização dos recursos, eficiência energética e eficiência hídrica.»

Artigo 3.º

Aditamento ao Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio

São aditados ao Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio, os artigos 71.º-A, 88.º-A e 173.º-A, com a seguinte redacção:

«Artigo 71.º-A

Carta de Valores Fundiários

Até 31 de agosto de 2024, os municípios devem, para efeitos de regulação fundiária, aprovar uma carta de valores fundiários, que conterá os referenciais relativos aos preços do solo não-edificável e edificável, conforme as suas finalidades.

Artigo 88.º-A

Direito de Consulta Prévia dos Titulares do Direito de Oposição

Concluído o período de acompanhamento e, quando for o caso, decorrido o período adicional de concertação, e imediatamente antes do período de discussão pública, os titulares do direito de oposição no âmbito municipal, nos termos previstos no artigo 3.º do Estatuto do Direito de Oposição, aprovado pela Lei n.º 24/98, de 26 de Maio, têm o direito de ser ouvidos sobre a proposta de Plano Director Municipal, bem como sobre as suas propostas de revisão ou alteração de Plano Director Municipal.

Artigo 173.º-A

Fundo Municipal de Sustentabilidade Ambiental e Urbanística

Até 31 de agosto de 2024, os municípios devem constituir, por regulamento, um fundo municipal de sustentabilidade ambiental e urbanística, ao qual são afetas receitas resultantes da redistribuição de mais-valias originadas pela edificabilidade estabelecida em plano territorial, com vista a promover a            mitigação e adaptação do território às alterações climáticas, a reabilitação urbana, a habitação a custos acessíveis, a eficiência energética e eficiência hídrica, a sustentabilidade dos ecossistemas e a prestação de serviços ambientais, sem prejuízo do município poder afetar outras receitas urbanísticas a este fundo, com vista a promover a criação, manutenção e reforço de infraestruturas, equipamentos ou áreas de uso público.»

Artigo 4.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor nos 60 subsequentes à respectiva publicação em Diário da República.

Assembleia da República, Palácio de São Bento, 2 de Dezembro de 2022

A Deputada,

Inês de Sousa Real


[1] O modelo que propomos inspira-se no projecto CityRAP, que foi adoptado em 30 cidades de 11 países africanos e em Amã (onde, por exemplo, permitiu assegurar uma intervenção nos pavimentos da cidade nas redondezas das escolas, porque surgiu a denúncia de que o mesmo era demasiado escorregadio em dias de chuva) e nos exemplos das cidades de Reykjavík (onde o equivalente ao plano director municipal foi feito com base num fórum de consulta composto por eleitos locais, funcionários da autarquia e residentes) e de Düsseldorf (onde, sem esta lógica estrutural, se procura fazer workshops, formações e fóruns de discussão em zonas específicas da cidade por forma a assegurar um planeamento adaptado às necessidades das populações).