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Recomenda ao Governo que proceda à aprovação de uma Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio Ferroviário

Exposição de motivos

Entre 2007 e 2017, registaram-se em Portugal pelo menos 492 suicídios na ferrovia. Do contacto do PAN com profissionais ligados à investigação dos suicídios na ferrovia, estima-se que estes números sejam bastante inferiores à realidade.

De acordo com o mais recente relatório anual da via férrea, referente ao ano de 2021, nos últimos 10 anos (2011-2020) ocorreram 406 mortes registadas como suicídio na ferrovia, 224 mortos em acidentes e 382 acidentes envolvendo a via-férrea.

Para além das graves consequências individuais, familiares e sociais do suicídio, também os profissionais da ferrovia (maquinistas e revisores) são vítimas de acidente traumático, o que coloca em risco a saúde mental destes profissionais.

Em 2017 foi realizado um estudo sobre a saúde mental dos profissionais ferroviários comerciais, em que foram inquiridos 102 profissionais. Deste estudo, constatou-se que cerca de 89% destes profissionais tiveram de lidar com acidentes envolvendo pessoas e destes acidentes 55% tiveram como resultados 1 a 3 vítimas mortais. Em 2019, a Infraestruturas de Portugal criou o Grupo de Trabalho Colhidas e Suicidas, que visa “reduzir a incidência de colhidas e suicídios na RFN [Rede Ferroviária Nacional]”. Entre outras fontes de informação, este grupo de trabalho recolheu informação do estudo iniciado em 2019, cujo objeto consistia na análise das características intrínsecas e extrínsecas das passadeiras pedonais existentes nas estações e apeadeiros da RFN.

Não existindo divulgação publica das conclusões do referido Grupo de Trabalho, e tendo o PAN sido informado da ocorrência de várias tentativas de suicídio e suicídios ocorridos desde o mês de outubro de 2022, vem propor-se, através da presente iniciativa, a adoção de algumas medidas que visam contrariar o número de suicídios na via férrea e as dramáticas consequências que estes atos têm junto dos profissionais, no âmbito da criação de uma Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio Ferroviário.

A INFRABEL, que gere a rede ferroviária na Bélgica, quando se deparou com um elevado número de suicídios, reuniu uma equipa transdisciplinar que fez um levantamento dos “pontos quentes” de colhidas. Tendo identificado 42 locais, procedeu, então, à devida iluminação e melhoria da vedação destes locais. Caminho similar seguiu a Austrália, onde a Track Safe Foundation fez um excelente trabalho de educação e sensibilização depois de verificar que a maioria dos suicídios na linha férrea era de jovens (menores de 25 anos) em carril aberto e estações – dados que, em Portugal, não estão disponíveis –, o que permitiu reduzir em cerca de 68% a ocorrência de suicídio na via-férrea por comparação com zonas sem intervenção.

Desta forma, com a presente iniciativa e em pleno alinhamento com os citados bons exemplos internacionais, pretende-se contribuir para a redução significativa do suicídio na ferrovia, assim como ajudar todas as pessoas com ideação suicida.

Nestes termos, a abaixo assinada Deputada Única do PESSOAS-ANIMAIS-NATUREZA, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que, tendo em vista a implementação de uma cultura de segurança do transporte ferroviário para todos, proceda à aprovação de uma Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio Ferroviário, que preveja nomeadamente:

  1. A criação de uma equipa transdisciplinar e independente para realizar uma investigação sobre o suicídio na via férrea e um levantamento dos denominados “pontos quentes” com base nos dados das colhidas dos últimos 20 anos e nos testemunhos das tripulações;
  2. Que nos chamados “pontos quentes” que venham a ser identificados, promova a instalação de vedações de acesso às vias de circulação ferroviária ou de outras medidas de segurança, bem como proceda à respetiva manutenção regular, de modo a impedir ou dificultar o acesso aos locais mais críticos;
  3. A criação de um plano para encerrar as passagens de nível e subsequente instalação de passagens aéreas, bem como a demolição das plataformas de embarque ou passagens aéreas com iluminação insuficiente e fora de serviço;
  4. A implementação de cursos de formação e preparação dos trabalhadores da CP e IP para as questões do suicídios e trauma, bem como para identificação de fatores de risco e de prevenção do suicídio;
  5. A realização de campanhas de sensibilização para a prevenção do suicídio, nomeadamente através dos órgãos de comunicação social e da colocação de publicidade institucional nas estações, apeadeiros e pontos quentes, assegurando a utilização de iluminação azul nessa publicidade;
  6. A criação de uma linha de apoio S.O.S. com a instalação de uma rede de telefones de ligação direta em todos os chamados “pontos quentes”, estações e apeadeiros;
  7. A programação de um aumento do efetivo do GPIAFF – Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários, de forma a aumentar a prontidão de resposta a investigação de acidentes e colhidas;
  8. A implementação de programas obrigatórios de acompanhamento psicológico prolongado de trabalhadores envolvidos em acidentes e colhidas e inclusão da Perturbação de Stress Pós-traumático como doença profissional.

Assembleia da República, Palácio de São Bento, 3 de janeiro de 2023

A Deputada,

Inês de Sousa Real