Direitos Sociais e HumanosParlamento

Recomenda ao Governo que reforce os direitos dos pacientes com diagnóstico de Endometriosee/ou Adenomiose

Exposição de motivos

A endometriose é uma doença crónica, estrogénio-dependente, de caráter inflamatório, e autoimune, que se caracteriza pela presença de tecido endometrial (semelhante ao endométrio) em zona extra-uterina que provoca uma resposta local inflamatória e, para além de um elevado impacto biopsicossocial, pode afetar órgãos do aparelho reprodutor, sistema digestivo, nervoso, cardiovascular e pulmonar. Embora os sintomas – bem como a respectiva intensidade e extensão – desta patologia variem de mulher para mulher em intensidade e extensão, poder-se-á incluir, segundo a Sociedade Portuguesa de Ginecologia, nomeadamente menorragias, hemorragias, dismenorreia, dispareunia, dor pélvica crónica, disúria, disquézia e infertilidade. É importante sublinhar que esta é uma doença que poderá atingir pessoas com órgãos reprodutores masculinos[1] e que muito associada a esta doença está a adenomiose, que se caracteriza pela presença de glândulas endometriais e estroma no miométrio uterino, que causam igualmente dor pélvica e em alguns casos, hemorragias e perda do útero.

Apesar de identificada pela primeira vez no ano de 1860, as causas desta doença crónica são desconhecidas, havendo diversas teorias que as tentam justificar – uma das quais aponta inclusive para a influência de agentes poluentes que afectam o corpo e os respectivos sistemas imunitário e reprodutor – e sendo, na maioria dos casos, uma doença sem cura que apenas pode ser controlada. Embora no âmbito desta doença existam várias situações de subdiagnóstico e de casos assintomáticos, alguns estudos internacionais[2] estimam que no mundo existam 176 milhões de mulheres com endometriose e a MulherEndo – Associação Portuguesa de Apoio a Mulheres com Endometriose estima que existam cerca de 350 mil mulheres com esta doença.

Importa sublinhar que alguns estudos internacionais recentes vêm demonstrando que a endometriose é um fator de agravamento das desigualdades de género, já que as jovens com sintomas de endometriose têm maior probabilidade de perder um ou mais dias de escola por mês, ficando para trás nos seus estudos devido ao impacto que tal situação causa na sua autoconfiança, e no caso das mulheres adultas isso significa a perda de cerca de 10 horas de produtividade por semana.

Nos últimos anos a sociedade portuguesa tem-se revelado cada vez mais consciencializada para a endometriose e os seus diversos impactos, o que levou a que o tema fosse objeto de discussão na Assembleia da República pelo menos em duas ocasiões. Por um lado, aquando da aprovação da Resolução da Assembleia da República n.º 74/2020, que recomendou ao Governo a adoção de medidas para um diagnóstico e tratamento precoces da endometriose – entre as quais se destaca a elaboração de uma norma de orientação clínica, uma campanha de sensibilização para a doença ou a comparticipação de tratamentos da doença -, que em grande medida ficou por cumprir pelo Governo. Por outro lado, por iniciativa do PAN, no âmbito do Orçamento do Estado para 2022 e seguindo de perto as reivindicações da MulherEndo – Associação Portuguesa de Apoio a Mulheres com Endometriose, discutiu-se a criação de uma licença menstrual para pessoas que sofrem de dores graves e incapacitantes durante o período menstrual – que se aplicaria aos doentes com endometriose -, proposta que haveria de ser reprovada com os votos contra de PS, PSD, CH e IL e a Abstenção de BE.

Prosseguindo este esforço de consciencialização da sociedade portuguesa para a endometriose e os seus impactos, dando resposta às preocupações apresentadas pela Petição Nº 27/XV/1, com a presente iniciativa o PAN pretende assegurar um reforço dos direitos dos pacientes com diagnóstico de Endometriose e/ou Adenomiose, através de um conjunto de 5 medidas.

Em primeiro lugar, sendo a endometriose a maior causa de infertilidade feminina e causadora de infertilidade em 30% a 50% das pacientes com esta patologia, pretende-se a revisão da circular n.º 4/2022/ACSS/DGS, por forma a assegurar a inclusão da endometriose e adenomiose na lista de doenças abrangidas pelo regime excecional para acesso a técnicas de Procriação Medicamente Assistida no Serviço Nacional de Saúde aplicável casos de preservação do potencial reprodutivo por doença grave. A mencionada circular deu cumprimento ao alargamento do acesso às técnicas de procriação medicamente assistida garantido pela Lei n.º 17/2016, de 20 de junho de 2016, contudo inexplicavelmente deixou de fora desta lista de beneficiários destas técnicas às pacientes com endometriose e adenomiose, uma iniquidade que o PAN entende que urge corrigir.

Em segundo lugar, pretende-se clarificar a possibilidade de que, aquando do diagnóstico com endometriose e adenomiose, a paciente possa optar pela recolha e criopreservação de ovócitos através do Serviço Nacional de Saúde. A recolha e congelação de ovócitos apresenta-se como a melhor forma de assegurar uma maior possibilidade à paciente de concretizar o respetivo projeto reprodutivo, sendo que as pacientes com endometriose e adenomiose são a maior causa de infertilidade feminina em Portugal (uma vez que a inflamação causada pela doença diminui a qualidade ovocitária, a reserva ovárica e dificulta todo o processo de fecundação; pode trazer a obstrução das trompas; e traz dispareunia).

Em terceiro lugar, o PAN propõe a inclusão dos progestagénios – 8.5.1.3 na lista fixada pela Portaria n.º 195-D/2015, de 30 de junho. Esta portaria estabelece os grupos e subgrupos farmacoterapêuticos de medicamentos que podem ser objeto de comparticipação e os respetivos escalões de comparticipação, no entanto, não abrange os Progestagénios – 8.5.1.3 [Despacho n.º 4742/2014, de 21 de março] desenvolvidos especificamente para a Endometriose. Estes medicamentos são fundamentais para as pacientes diagnosticadas com esta patologia, sendo muitas vezes utilizados de forma continuada durante anos, o que leva a encargos anuais superiores que podem chegar aos 250 euros.

Em quarto lugar, esta iniciativa propõe um reforço da sensibilização e formação relativamente a esta patologia através de dois programas.  Por um lado, propõe-se a criação de um programa nacional de formação em diagnóstico e tratamento de Endometriose e Adenomiose para médicos especialistas, nas áreas técnicas de diagnóstico, medicina interna, medicina familiar, ginecologia, endocrinologia, psicologia, psiquiatria, fisioterapia e nutrição, uma vez que, conforme já se sublinhou estas são patologias que não se restringem à área da ginecologia e que, tendo um caráter multidisciplinar, exigem uma formação multidisciplinar – no seu conteúdo e destinatários. Por outro lado, propõe-se a criação de um programa de educação menstrual nas escolas, por forma a garantir o acesso à informação e à desmistificação das dores menstruais – sensibilizando para o facto de dor menstrual não ser normal e informando sobre as várias patologias associadas a um ciclo menstrual com dor. Este programa servirá para sensibilizar, educar e prevenir agravamento de sintomas e patologias como a Endometriose e Adenomiose, ou até mesmo outras, tais como, Síndrome do Ovário Poliquístico, o Síndrome Pré-Menstrual, miomas, desequilíbrios hormonais vários, pólipos, tumores benignos ou malignos no ovário, intestino ou bexiga, entre muitas outras, e servirá também para esclarecer muitas lacunas referentes a educação menstrual e sexual.

Em quinto e último lugar, propõe-se que haja a implementação, pelo menos, nos hospitais centrais do país de unidades diferenciadas, com equipas multidisciplinares especializadas em Endometriose e Adenomiose e constituídas por Médicos de Família, Nutricionistas, Fisioterapeutas e Psicólogos, que assegurem o rastreio e acompanhamento destas doenças e dos seus pacientes. A implementação destas unidades garantirá um acompanhamento continuado, personalizado e individualizado desde o diagnóstico ao tratamento e vigilância.

Nestes termos, a abaixo assinada Deputada Única do PESSOAS-ANIMAIS-NATUREZA, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, propõe que a Assembleia da República adopte a seguinte Resolução:

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República Portuguesa, recomendar ao Governo que assegure a:

  1. a)     Revisão da circular n.º 4/2022/ACSS/DGS, por forma a assegurar a inclusão da endometriose e adenomiose na lista de doenças abrangidas pelo regime excecional para acesso a técnicas de procriação medicamente assistida no Serviço Nacional de Saúde aplicável casos de preservação do potencial reprodutivo por doença grave;
  2. Clarificação da possibilidade de que, aquando do diagnóstico com endometriose e/ou adenomiose, a paciente possa optar pela recolha e criopreservação de ovócitos através do Serviço Nacional de Saúde;
  3. Inclusão dos progestagénios – 8.5.1.3 na lista fixada pela Portaria n.º 195-D/2015, de 30 de junho;
  4. d)     Criação de um programa nacional de formação em diagnóstico e tratamento de endometriose e adenomiose para médicos especialistas, nas áreas técnicas de diagnóstico, medicina interna, medicina familiar, ginecologia, endocrinologia, psicologia, psiquiatria, fisioterapia e nutrição;
  5. Implementação de um programa de educação menstrual nas escolas, por forma a garantir o acesso à informação e à desmistificação das dores menstruais;
  6. Avaliação da implementação nos hospitais centrais do país de unidades diferenciadas, com equipas multidisciplinares especializadas em Endometriose e Adenomiose e constituídas por Médicos de Família, Nutricionistas, Fisioterapeutas e Psicólogos, que assegurem o rastreio e acompanhamento destas doenças e dos seus pacientes.

Assembleia da República, Palácio de São Bento, 28 de Dezembro de 2022

A Deputada,

Inês de Sousa Real


[1] Fadi I. Jabr e Venk Mani, An unusual cause of abdominal pain in a male patient: Endometriosis

[2] G. D. Adamson, S. Kennedy e L. Hummelshoj, Creating solutions in endometriosis: global collaboration through the World Endometriosis Research Foundation, in Journal of Endometriosis 2010, 2(1), páginas 3 a 6.