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Recomendação – Prevenção e intervenção nos casos de perturbação de acumulação de animais

Recomendação – Prevenção e intervenção nos casos de perturbação de acumulação de animais

O transtorno de acumulação é reconhecido como uma perturbação mental, constando do Manual de Diagnóstico e Estatística de Doenças Mentais da Associação Americana de Psiquiatria (DSM-5, APA), sendo a  acumulação de animais uma manifestação específica, que se costuma designar de Síndrome de Noé, a qual se caracteriza pela  necessidade de manter um número elevado de animais, sem que lhes sejam proporcionadas as adequadas condições e cuidados médico-veterinários.

A acumulação de animais, embora distinta da Síndrome de Diógenes, apresenta com ela algumas semelhanças, motivo pelo qual tantas vezes se observa referência às duas em conjunto. 

É importante salientar que está em causa a detenção de um grande número de animais, negligenciados, que acabam por adoecer, passando muitas vezes fome e em constante stress num ambiente sobrelotado e impróprio para a satisfação das suas necessidades básicas. 

Sem acesso a cuidados veterinários e por não serem esterilizados, reproduzem-se sem qualquer controlo, amontoados na maioria das vezes na habitação da/o detentora/detentor ou noutros espaços  improvisados, com ausência de condições higio-sanitária, vivendo muitas das vezes sobre os seus excrementos, o que acarreta sérios riscos à saúde das/os ocupantes e configura uma ameaça para a saúde da comunidade em geral e dos próprios animais, que muitas vezes acabam até por não sobreviver devido às condições negligentes em que são forçados a viver. 

A situação é tanto mais dramática se considerarmos que uma grande percentagem das pessoas acumuladoras de animais (cerca de 50%, conforme os estudos) coabita com uma ou mais pessoas, nomeadamente crianças ou idosos, obrigados a uma vivência sem condições dignas. 

Pelos piores motivos, como o caso do incêndio num abrigo para animais em Santo Tirso, no qual morreram centenas de animais, esta patologia tem vindo a despertar o interesse no âmbito da investigação clínica, social e de saúde pública, designadamente em Portugal.

Em novembro de 2020 foi lançado mais um alerta para a existência desta doença, na sequência de uma revisão de estudos a nível internacional por uma equipa da Universidade de Aveiro, publicada no Journal of Mental Health. Neste estudo, salientou-se a necessidade de criar estratégias de intervenção precoces, dado que usualmente só se intervém nas situações cuja degradação está já em níveis de negligência extremos, sendo descobertas na sequência de queixas por mau cheiro, barulho ou perigo para a saúde pública. Existe falta de formação e uma ausência de definição de procedimentos entre as diversas entidades que devem atuar (autarquias,  veterinários municipais, serviços sociais e de saúde, associações e justiça). 

Destaque-se que em 2013, na sequência de diversas denúncias, o então Provedor de Justiça recomendou ao Diretor-Geral de Saúde a elaboração de um guia que orientasse as autoridades de saúde locais na abordagem de Síndroma de Diógenes. Este poderia ser um caminho para se abordar de forma institucional e preventiva também as situações da Síndrome de Noé.

Os estudos apontam para uma taxa de reincidência entre 60% e 100%, sendo praticamente unânime em estudos recentes que o recurso a uma abordagem multidisciplinar, com uma atuação coordenada entre autoridades policiais, médicos veterinários, associações de resgate animal e psicólogos, é a mais eficaz no diagnóstico desta patologia, viabilizando soluções tanto para as pessoas envolvidas (paciente e familiares), como para os animais.

Uma das soluções que já se revelou eficaz foi a esterilização das colónias de gatos a cargo dos acumuladores, bem como a prestação de cuidados de saúde aos animais ao invés da sua retirada imediata, que leva a que com frequência os acumuladores voltem a acumular animais noutro local.

Enquanto que no caso dos cães estas situações são por vezes mais fáceis de identificar por força do ruído provocado pelos latidos, no caso dos gatos não é incomum a detenção de um elevado número de animais, p.e. em apartamento, e que em situações limite, como ações de despejo, falecimento do/a detentor/a ou queixa por incomodidade da vizinhança, as autoridades tenham de intervir e de acolher um número muito elevado de animais num curto espaço de tempo. Situação, aliás, que sabemos não ser alheia à Casa dos Animais de Lisboa, que por diversas vezes já se viu na contingência de proceder à recolha de animais que se encontravam detidos neste contexto de acumulação.

Considerando o acima exposto, vem o Grupo Municipal do PAN propor que a Assembleia Municipal de Lisboa na sua Sessão Extraordinária de 16 de fevereiro de 2021, delibere recomendar à Câmara Municipal de Lisboa que diligencie o seguinte:

  1. Criação e adoção de um manual de procedimentos para as situações de acumulação de animais, com a explicitação dos vários intervenientes e definição de equipas multidisciplinares, compostas, entre outros, por psicólogos, médicos veterinários, agentes de autoridade de saúde e associações zoófilas para identificação, intervenção, avaliação e acompanhamento dos casos identificados;
  2. Definição do protocolo a adotar relativamente aos animais nos casos de acumulação de animais, em consonância com a legislação em vigor, e em parceria com a Casa dos Animais e as associações de bem-estar e proteção animal, nomeadamente a sua recolha, esterilização, entre outros; 
  3. Formação referente à perturbação de acumulação, tipos de acumuladores de animais e forma adequada de identificar e intervir perante estas situações, através de uma abordagem multidisciplinar,aos diversos serviços municipais, entre eles Polícia Municipal, Regimento Sapadores Bombeiros, Casa dos Animais de Lisboa, serviços médico-veterinários e demais entidades  competentes;
  4. Acompanhamento social, e em articulação com as autoridades de saúde, das pessoas identificadas nos casos de acumulação de animais de companhia;
  5. Promoção da intervenção dos serviços de saúde de nível municipal, conforme recomendado pelo Provedor de Justiça, com vista a assegurar uma deteção precoce das situações sinalizadas;
  6. Realização de campanhas de sensibilização e informação, em articulação com as Juntas de Freguesia e Associações de Proteção Animal parceiras da autarquia, à população sobre bem-estar animal, com especial enfoque sobre esta problemática.
  7. Promover um plano de intervenção adequado à natureza destas situações, que garanta a salvaguarda do bem-estar e saúde do animal, acautelando a sua não reprodução.

Lisboa, 11 de fevereiro de 2021

O Grupo Municipal do
Pessoas – Animais – Natureza,

Miguel Santos – Inês de Sousa Real

  1. https://br.psicologia-online.com/sindrome-de-noe-causas-sintomas-e-tratamento-200.html
  2. http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0870-90252012000100011
  3. Frost et al., 2015 – https://www.psychiatrictimes.com/view/hoarding-animals-update
  4. http://cintesis.eu/pt/acumuladores-de-animais-devem-ser-colocados-no-centro-das-intervencoes/
  5. https://www.provedor-jus.pt/?action=5&idc=67&idi=15219
  6. Frost et. al., 2015
  7. Strong, S., Federico, J., Banks, R., & Williams, C. (2019). A collaborative model for managing animal hoarding cases. Journal of Applied Animal Welfare Science, 22(3), 267-278.
  8.  Hill et al., 2019