ParlamentoPessoas

Restringe a realização de voos noturnos, salvo por motivo de força maior

Exposição de motivos

A Organização Mundial de Saúde (OMS) defende que, para evitar incomodidade elevada, o ruído ambiente exterior no período diurno na proximidade de edifícios de habitação deve situar-se abaixo de 55 dB/dia. No período noturno, para evitar distúrbios no sono, o ruído ambiente no interior dos quartos não deve exceder os 30 dB(A).

Na verdade, o ruído é uma das principais causas da degradação da qualidade do ambiente urbano, sendo os transportes os principais responsáveis, embora o ruído de atividades industriais e comerciais possa assumir relevo. De acordo com vários estudos, é reconhecido que, para um mesmo nível sonoro, a percentagem de pessoas incomodadas é mais elevada relativamente ao tráfego aéreo, seguido do rodoviário e, por último, o ferroviário.

O ruído ambiente provoca perturbações psicológicas ou fisiológicas associadas a reações de ‘stress’ e cansaço. Também interfere com as comunicações e provoca perturbações no sono, na capacidade de concentração e hipertensão arterial.

Em 2019, exatamente antes da crise sanitária, um estudo da associação ambientalista Zero concluiu que os limites máximos de ruído no aeroporto de Lisboa, durante o período noturno, não estão a ser respeitados[1].

A 13 de junho de 2016 entrou em vigor o Regulamento (UE) n.º 598/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, que visa precisamente o estabelecimento de regras e procedimentos para a introdução de restrições de operação relacionadas com o ruído nos aeroportos da União Europeia no âmbito de uma abordagem equilibrada, revogando a Diretiva 2002/30/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de março de 2002.

Nos termos do referido Regulamento, as restrições de operação relacionadas com o ruído introduzidas antes de 13 de junho de 2016 continuam em vigor até as autoridades competentes decidirem revê-las.

Assim, tendo em consideração que o Governo ainda não procedeu à revisão das restrições de operação nos termos do Regulamento de 2016, mantêm-se em vigor as restrições de operação fixadas nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 293/2003, de 19 de novembro, no Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de janeiro – que aprova o Regulamento Geral do Ruído – e no Decreto Legislativo Regional n.º 23/2010/A, de 30 de junho.

O Decreto-Lei n.º 293/2003, de 19 de novembro, aplica-se ao aeroporto Humberto Delgado e remete para uma Portaria dos Ministros das Obras Públicas, Transportes e Habitação e das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente (Portaria nº 303-A/2004 de 22 de março) a fixação de restrições de operação. O Regulamento Geral do Ruído proíbe, nos aeroportos e aeródromos não abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 293/2003, de 19 de novembro, a aterragem e a descolagem de aeronaves civis entre as 00:00 e as 06:00 horas, salvo por motivo de força maior. No entanto, por Portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas dos transportes e do ambiente, pode ser permitida a aterragem e a descolagem de aeronaves civis entre as 00:00 e as 06:00 horas nos aeroportos e aeródromos, em determinadas condições específicas.

Foram assim publicadas a Portaria n.º 831/2007 de 1 de agosto, relativa ao aeroporto do Porto e as Portarias n.º 69/2007, de 13 de julho, n.º 70/2007, de 13 de julho e n.º 88/2010, de 9 de setembro, relativas aos aeroportos da Madeira, Porto Santo e Ponta Delgada, respectivamente.  Desta forma, no período entre as 00:00 e as 06:00 horas, as referidas portarias, permitem os seguintes movimentos aéreos, para além dos realizados por motivo de força maior:

  •  no aeroporto Humberto Delgado (Lisboa), podem ser permitidos, naquele período, até 26 movimentos aéreos por dia e 91 por semana;
  • no aeroporto Francisco Sá Carneiro (Porto), o número máximo de movimentos aéreos permitido nesse período é de 11 movimentos diários, 70 semanais e 2100 anuais;
  • no aeroporto da Madeira, o número de movimentos aéreos de voos comerciais não poderá exceder os 80 movimentos por semana, com um máximo de 31 movimentos diários;
  • no aeroporto de Porto Santo, o número de movimentos aéreos de voos comerciais não poderá exceder os 7 movimentos por semana, com um máximo de 3 movimentos diários;
  • no aeroporto de Ponta Delgada, o número de movimentos aéreos de voos comerciais efetuados por aeronaves civis não pode exceder os 30 movimentos por semana, com um máximo de 6 movimentos diários.

Nos restantes aeroportos e aeródromos, localizados em Portugal Continental e na Região Autónoma da Madeira, são proibidas as aterragens e as descolagens de aeronaves civis entre as 00:00 e as 06:00 horas, salvo por motivo de força maior.

De acordo com o Regulamento (UE) n.º 598/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Abril de 2014, relativo ao estabelecimento de regras e procedimentos para a introdução de restrições de operação relacionadas com o ruído, os Estados-Membros deverão rever as restrições de operação relacionadas com o ruído, de acordo com o estipulado no referido regulamento.

A restrição de operações relacionadas com o ruído pode ser efectuada por limitação de tipologias de aeronaves e/ou por limitações horárias.

O referido regulamento defende uma “abordagem equilibrada” nas soluções a adoptar, dependendo das características de cada aeroporto.

A consultora internacional de aviação To70 lançou um estudo sobre o ruído nos aeroportos europeus[2] e concluiu que:

“Uma parte crítica do desenvolvimento de um plano de ação eficaz de mitigação de ruído é determinar primeiro qual comunidade atingir. Como diferentes medidas de redução de ruído são mais eficazes em diferentes distâncias, a medida a ser usada depende em grande parte da distância da população afectada pelo aeroporto…” e que “os aeroportos com maior população dentro de um raio de 5 km seriam os mais beneficiados com a implementação de medidas de redução de ruído de aeronaves que afectam as comunidades mais próximas do aeroporto”.

Especificamente sobre os aeroportos europeus concluiu que:

  • Num raio de 5 km, os aeroportos de Lisboa, Paris Orly e Dusseldorf têm as maiores populações. Têm, também, as maiores proporções de população para movimentos de aeronaves nesse raio.
  • Num raio de       10 km, os aeroportos com maior exposição por movimento de aeronaves são Lisboa, Paris Orly e Madrid.
  • De todos os aeroportos europeus, Amsterdão Schiphol, Londres Heathrow e Paris Charles de Gaulle acomodaram o maior número de movimentos de tráfego aéreo em 2017. No entanto, nenhum deles está entre as três principais populações expostas por movimentos de aeronaves.

Com efeito, retira-se do referido estudo que o aeroporto de Lisboa é o que apresenta o maior número de movimentos por habitante, em toda a Europa, num raio de 5 e de 10 km do aeroporto:

  • 2,34 pessoas por movimento aéreo, num raio de 5 km, seguido pelo aeroporto de Orly, em Paris, com 1,08 pessoas por movimento aéreo;
  • 5,71 pessoas por movimento aéreo, num raio de 10 km, seguido pelo aeroporto de Orly, em Paris, com 5,70 pessoas por movimento aéreo.

É assim notória a necessidade de o Governo rever as restrições de operações relacionadas com o ruído nos aeroportos, de acordo com os princípios do Regulamento (UE) n.º 598/2014, com a maior urgência, com vista à salvaguarda da saúde e bem-estar das pessoas.

Conforme estatuído no artigo 64.º da Constituição da República Portuguesa, “todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover”, incumbindo ao Estado garantir essa proteção.

Ora, o número de voos tem vindo sistematicamente a aumentar e, como se sabe, a previsão é que essa tendência se mantenha, aumentando assim também o risco para a saúde daqueles que se encontrem na proximidade dos aeroportos, sendo o caso de Lisboa um dos exemplos mais evidentes de sérios impactos na população.

Assim, com a presente iniciativa, o PAN, inspirando-se no exemplo de diversas cidades europeias – como a cidade do Luxemburgo, Berlim, Zurique, Munique, Estugarda, Frankfurt, entre outras  – cujos aeroportos estão encerrados durante o período noturno apenas com a salvaguarda de situações de força maior, a consagração legal da impossibilidade de realização de voos civis nocturnos, no período compreendido entre 00:00 e as 06:00 horas, salvo por motivos de força maior taxativamente indicados por lei.

Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a abaixo assinada Deputada Única do PESSOAS-ANIMAIS-NATUREZA, apresenta o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1º

Objeto

A presente Lei determina a restrição da realização de voos civis nocturnos, salvo por motivo de força maior, procedendo para o efeito à alteração:

  1. Do Regulamento Geral do Ruído, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de janeiro; e
  2. b)     Do Decreto-Lei n.º 293/2003, de 19 de novembro.

Artigo 2.º

Alterações ao Decreto-Lei n.º 293/2003, de 19 de Novembro

É alterado o artigo 4.º da Decreto-Lei n.º 293/2003, de 19 de novembro, que passa a ter a seguinte redação:

«Artigo 4.º

[…]

1 – […]:

  1. […];
  2. […];
  3. […];
  4. […];
  5. A impossibilidade de realização de voos civis nocturnos, no período compreendido entre 00:00 e as 06:00 horas, salvo por motivos de força maior.

2 – […].

3 – […].

4 – […].

5 – […].

6 – Revogado.

7 – […].

8 – […].

9 – […].

10 – Para efeitos do disposto na alínea e), do número 1, do presente artigo, consideram-se inseridos no âmbito dos motivos de força maior:

  1. Os voos para transporte exclusivo de carga e correio;
  2. Os voos de caráter humanitário ou de emergência médica;
  3. Desvios de voos ou alterações de escala ditadas por questões de segurança.»

Artigo 3.º

Norma revogatória

São revogados:

  1. Os números 2 e 3, do artigo 20.º, e a alínea g), do número 2, do artigo 28.º, do Regulamento Geral do Ruído, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de janeiro;
  2. O número 6, do artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 293/2003, de 19 de novembro;
  3. As portarias, aprovadas ao abrigo do disposto no n.º 2 e 3 do artigo 20.º do Regulamento Geral do Ruído, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de janeiro, e que estejam em contradição com o disposto na presente lei.

Artigo 4.º

Avaliação do ruído provocado pelas aeronaves

1- O Governo elabora relatório de avaliação do ruído e apresenta propostas de minimização dos impactos do mesmo, após consulta às partes interessadas, nos termos do Regulamento (UE) n.º 598/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, sobre o aeroporto de Lisboa e outros que considere conveniente.

2 – O resultado da avaliação do relatório previsto no número anterior é apresentado à Assembleia da República, num prazo de 6 meses após a entrada em vigor da presente Lei.

Artigo 5.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, Palácio de São Bento, 17 de outubro de 2022

A Deputada,

Inês de Sousa Real


[1]Informação disponível em: https://expresso.pt/sociedade/2019-07-05-Nivel-do-ruido-dos-avioes-sobre-Lisboa-e-quase-quatro-vezes-mais-do-que-o-previsto-na-lei

[2] Dados disponíveis na seguinte ligação: https://to70.com/aircraft-noise-exposure-around-european-airports/.-