Exposição de Motivos
Os rendimentos resultantes do trabalho correspondem à forma típica de subsistência da população portuguesa. As condições laborais têm vindo a degradar-se ao longo dos anos, associadas a uma elevada precariedade laboral e a longas jornadas de trabalho. Tal tem consequências gravosas para a vida das pessoas, porquanto se verifica que, na prática, se dedica a maior parte do dia à vida profissional, em detrimento da vida pessoal e familiar.
De acordo com um Relatório da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) publicado em 7 de julho 2016, tendo como base o Inquérito Europeu às Forças do Trabalho, Portugal ocupa a décima posição, numa lista composta por 38 países, com a maior carga horária laboral. Os trabalhadores portugueses trabalham 1.868 horas por ano, mais 102 horas do que a média dos países da OCDE.
Em Portugal, o período normal de trabalho é bastante longo, existindo diferença entre o regime aplicável ao setor público e ao setor privado, motivada pela aplicação num caso da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e noutro do Código do Trabalho.
Assim, por um lado, para os trabalhadores abrangidos pelo Código do Trabalho, o período normal de trabalho não pode exceder oito horas por dia e quarenta horas por semana, nos termos do artigo 203.º deste Código. Por outro lado, para os trabalhadores abrangidos pela Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, por aplicação do artigo 105.º daquela Lei, o limite máximo do período normal de trabalho é de sete horas por dia e trinta e cinco horas por semana.
Por via da Lei n.º 18/2016, de 20 de junho, assistimos à reposição das 35 horas na função pública, o que representou uma medida da maior justiça. Todavia, não compreendemos o que justifica a existência de regimes diferenciados entre o setor privado e o setor público no que concerne ao período normal de trabalho. Não podemos assumir que ao emprego no setor público está associado um maior desgaste do que o que existe no setor privado que justifique que os primeiros trabalhem menos horas por dia e semana que os segundos, dependendo o maior ou menor desgaste do tipo de serviço efetivamente prestado e não da natureza pública ou privada da entidade na qual se exerce funções.
Neste sentido, entendemos ser da maior justiça o estabelecimento de iguais limites máximos do período normal de trabalho para os trabalhadores do setor privado e os trabalhadores em funções públicas, equiparando desta forma o regime resultante do Código do Trabalho e da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.
Além disso, a elevada carga horária tem consequências graves na vida das pessoas. Na sociedade moderna, os pais vêem-se submetidos a um ritmo alucinante, trabalhando todo o dia, com exigências profissionais cada vez maiores, deixando pouco tempo e disponibilidade para estarem com os filhos. Os tempos de descanso e de lazer são cada vez menos e com menor qualidade.
Não podemos esquecer que os recursos mais importantes de uma empresa são os seus recursos humanos. A eficiência e produtividade dos trabalhadores está diretamente dependente do seu grau de satisfação quanto às condições laborais oferecidas.
Estudos internacionais, realizados pela Harvard Business Review (HBR) e Gallup, mostram que os profissionais mais felizes são mais produtivos e faltam em média menos 15 dias do que os seus colegas. O estudo da HBR sublinha ainda que as empresas “mais felizes” geram entre 30% a 40% de negócio adicional. Segundo Georg Dutschke, professor e investigador da Universidade Autónoma e um dos responsáveis pelo estudo “Happiness Works”, as empresas têm de olhar para a felicidade profissional como um conceito estratégico na gestão das organizações e dos recursos humanos, não se falando de “emoções e sentimentos, mas da mudança efetiva de comportamentos, através da implementação de práticas, processos e relações hierárquicas que imprimam uma lógica de felicidade no contexto laboral”. Por este motivo, e ao contrário do que se possa pensar, a redução da carga horária e, em consequência, a possibilidade do trabalhador conseguir ter maiores períodos de descanso e lazer, está diretamente associada a uma maior produtividade.
A título de exemplo, verifica-se que os dados acima indicados da OCDE revelam que a Alemanha, a Holanda e o Reino Unido trabalham menos tempo do que a média europeia. Todavia, tais países estiveram entre os países mais competitivos do mundo de 2015, o que demonstra não ser verdade que elevada produtividade apenas é possível com elevadas cargas horárias.
Neste sentido, o PESSOAS-ANIMAIS-NATUREZA vê a redução do período normal de trabalho, conforme previsto no Código do Trabalho, como uma medida necessária de forma de garantir a igualdade entre todos os trabalhadores, porquanto entendemos ser da maior justiça social a aproximação entre o setor público e o setor privado em matéria laboral. Para além disso, é preciso valorizar os recursos humanos das empresas, aprofundando continuamente os direitos dos trabalhadores, criando melhores condições laborais e ambientes de trabalho mais saudáveis, assegurando-lhes mais tempo para o lazer, reconhecendo que estes são o mais importante.
Paralelamente, constituindo as férias uma interrupção da atividade de trabalho, por período definido que visa proporcionar ao trabalhador a sua recuperação física e psíquica e assegurar-lhe uma maior disponibilidade, integração na vida familiar e uma maior participação social e cultural, com a presente iniciativa o PESSOAS-ANIMAIS-NATUREZA pretende também assegurar o aumento da duração mínima de férias para 25 dias úteis.
Recentemente, o Governo apresentou o projeto-piloto para a semana de quatro dias no setor privado, de base voluntária e sem perda de rendimentos. Sendo que para a participação neste projeto, as empresas têm de reduzir o horário de trabalho semanal dos funcionários abrangidos, para 32, 34 ou 36 horas. Acontece que, em alguns casos, essa redução poderá significar até mais uma hora de trabalho por dia.
Contudo, o presente projeto de lei, em nada conflitua com o estudo da possibilidade de implementação da semana de 4 dias no setor público e privado, nem tão pouco as medidas se excluem mutuamente.
Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a abaixo assinada Deputada Única do PESSOAS-ANIMAIS-NATUREZA, apresenta o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei reduz o limite máximo do período normal de trabalho e reconhece o direito a 25 dias úteis de férias, procedendo para o efeito:
a) à décima nona alteração ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, e alterado pelas Leis n.os 105/2009, de 14 de setembro, 53/2011, de 14 de outubro, 23/2012, de 25 de junho, 47/2012, de 29 de agosto, 69/2013, de 30 de agosto, 27/2014, de 8 de maio, 55/2014, de 25 de agosto, 28/2015, de 14 de abril, 120/2015, de 1 de setembro, 8/2016, de 1 de abril, 28/2016, de 23 de agosto, 73/2017, de 16 de agosto, 14/2018, de 19 de março, 90/2019, de 4 de setembro, e 93/2019, de 4 de setembro;
b) à décima quinta alteração à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, e alterada pelas Leis n.ºs 82-B/2014, de 31 de dezembro, 84/2015, de 7 de agosto, 18/2016, de 20 de junho, 42/2016, de 28 de dezembro, 25/2017, de 30 de maio, 70/2017, de 14 de agosto, 73/2017, de 16 de agosto, 49/2018, de 14 de agosto, e 71/2018, de 31 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 6/2019, de 14 de janeiro, e pelas Leis n.os 79/2019, de 2 de setembro, 82/2019, de 2 de setembro, e 2/2020, de 31 de março.
Artigo 2.º
Alteração ao Código do Trabalho
OS artigos 203.º, 210.º, 211.º, 224.º e 238.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, passam a ter a seguinte redação:
«“Artigo 203.º
[…]
1 – O período normal de trabalho não pode exceder sete horas por dia e trinta e cinco horas por semana.
2 – […].
3 – […].
4 – […].
5 – […].
Artigo 210.º
[…]
1 – […]:
a) […];
b) […].
2 – Sempre que entidade referida na alínea a) do número anterior prossiga atividade industrial, o período normal de trabalho não deve ultrapassar trinta e cinco horas por semana, na média do período de referência aplicável.
Artigo 211.º
[…]
1 – Sem prejuízo do disposto nos artigos 203.º a 210.º, a duração média do trabalho semanal, incluindo trabalho suplementar, não pode ser superior a quarenta e três horas, num período de referência estabelecido em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que não ultrapasse 12 meses ou, na falta deste, num período de referência de quatro meses, ou de seis meses nos casos previstos no n.º 2 do artigo 207.º
2 – […].
3 – […].
4 – […].
Artigo 224.º
[…]
1 – […].
2 – O período normal de trabalho diário de trabalhador noturno, quando vigora regime de adaptabilidade, não deve ser superior a sete horas diárias, em média semanal, sem prejuízo do disposto em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
3 – […].
4 – O trabalhador noturno não deve prestar mais de sete horas de trabalho num período de vinte e quatro horas em que efetua trabalho noturno, em qualquer das seguintes atividades, que implicam riscos especiais ou tensão física ou mental significativa:
a) […];
b) […];
c) […];
d) […];
e) […];
f) […];
g) […].
5 – […].
6 – […]:
a) […];
b) […].
7 – […].
Artigo 238.º
[…]
1 – O período anual de férias tem a duração mínima de 25 dias úteis.
2 – […].
3 – […].
4 – (Revogado.)
5 – […].
6 – […].»
Artigo 3.º
Alteração à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas
O artigo 126.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 126.º
[…]
1 – […].
2 – O período anual de férias tem a duração de 25 dias úteis.
3 – […].
4 – […].
5 – […].
6 – […].»
Artigo 4.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor com o Orçamento do Estado subsequente à sua publicação.
Assembleia da República, Palácio de São Bento, 15 de novembro de 2022
A Deputada,
Inês de Sousa Real