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Bem-estar animal: um compromisso selectivo?

Vivemos numa constante contradição que, por um lado, faz crescer a consciência social sobre o bem-estar e respeito pelos direitos dos animais, mas que, por outro, as estatísticas de denúncias de maus-tratos, especialmente a animais de produção, continuem a aumentar, fixando-se agora em uma denúncia por semana na plataforma SOS Animais – situação que se torna mais gravosa quando percebermos que muitos dos casos notificados provém de turistas que testemunham prácticas desumanas, que muitas vezes passam despercebidas, toleradas ou até mesmo normalizadas. 

Não estamos apenas a falhar com os animais. Estamos a falhar connosco próprios, com a nossa imagem enquanto sociedade civilizada e com o potencial da Região enquanto destino turístico, ético e sustentável. Quando prácticas de sofrimento animal são banalizadas ou legitimadas sob o pretexto da tradição — como é o caso da tauromaquia — instala-se uma incoerência que mina qualquer discurso de progresso em bem-estar animal. 

É particularmente paradoxal que o Governo que abre caminho ao regresso de prácticas arcaicas como a sorte de varas seja o mesmo que, de forma comovida, apele ao não abandono de animais de companhia durante o período de férias em formato de campanhas de distribuição de flyers – uma selectividade moral que exige responsabilidade por parte dos cidadãos, mas perpetua políticas que institucionalizam o sofrimento. Afinal, o sofrimento de um touro numa arena é menos legítimo que o de um cão abandonado na berma da estrada? 

A hipocrisia que permeia estas discussões não pode ser ignorada, nem a tauromaquia ser apelidada de cultura. Trata-se de uma expressão do nosso passado que precisa urgentemente de ser repensado à luz dos valores actuais. Cultura é aquilo que escolhemos preservar — e escolhas que perpetuam dor, agonia e morte dificilmente se podem justificar em nome de uma identidade colectiva. O avanço das sociedades mede-se, entre outras coisas, pela forma como estas tratam os seus mais vulneráveis. E os animais — domésticos ou de produção, silvestres ou em cativeiro — contam. 

Ou defendemos o bem-estar animal enquanto valor universal ou admitimos, sem rodeios, que este é um privilégio reservado apenas a alguns. De outra forma, continuaremos a caminhar num terreno moral instável, onde cada passo é mais um tropeço no que poderia, finalmente,?ser?um?avanço.