Exposição de motivos
Os fogos de artifício com barulho perturbam pessoas de todas as idades, sendo especialmente afetadas crianças com autismo e pessoas idosas, bem como os animais.
Em 2018, foi apresentado, na revista IEEE Pulse, um trabalho científico com o título “Fogo de artifício, Autismo, e Animais – O que fazem os barulhos “engraçados” aos humanos sensíveis e aos nossos animais de estimação” (no original “Fireworks Autism, and Animals – What “Fun” noises do to sensitive humans and our beloved pets”), começando por questionar se estamos a agir civilizadamente e se há algo que possamos fazer enquanto cidadãs e cidadãos acerca da relação do autismo com o barulho.
Neste estudo é explicado que uma criança autista devido ao pânico causado pelos fogos de artifício pode deixar a sua casa, perder-se e sofrer sérios acidentes. Existem, por isso mesmo, diversos artigos que abordam a forma de pais e cuidadores lidarem com pessoas com autismo quando estão previstos fogos-de-artifício[1].
No já referido trabalho científico é ainda explicado que enquanto os seres humanos aprendem, eventualmente, a esperar os fogos-de-artifício quando as festividades ocorrem, os animais são sempre surpreendidos pelos mesmos.
O artigo termina com as mesmas questões com que começa, referindo na conclusão de que nos encontramos numa posição de pouca esperança pois, acima de tudo, esta questão passa por uma maior compreensão entre o que afirmam os especialistas e o que as pessoas exteriores à comunidade científica percepcionam.
Para além das pessoas, os animais, domésticos, silvestres ou selvagens, são igualmente afetados pelos fogos-de-artifício. Cães e gatos, bem como outros animais, têm os sentidos mais apurados, pelo que a pirotecnia ao produzir sons e efeitos visuais intensos, além de um odor específico, surpreende-os e assusta-os, podendo aumentar a frequência cardíaca, estimula a produção de adrenalina, e ainda os hormônios de stress.
A Organização Mundial de Saúde aponta os 120 decibéis como o limiar de dor para o som, incluindo sons como trovões. Ora, os espetáculos de pirotecnia estão normalmente acima de 150 decibéis, e podem chegar até 170 decibéis ou mais, de acordo com um fonoaudiólogo no Boys Town National Research Hospital[2], no Nebraska. Assim, diversas cidades na Europa, como Collecchio e Bristol, só permitem espetáculos de fogo-de-artifício silenciosos.
Não menos importante são também os riscos para as pessoas que lidam, quer profissionalmente quer de modo amador, com os próprios fogos de artifício pois podem sofrer acidentes, entre os quais se destacam queimaduras, cegueira por queimadura e até a necessidade de amputação.
Os fogos-de-artifício normalmente utilizados, além de afetarem as pessoas mais sensíveis e os animais (domésticos ou silvestres), provocam ainda diversos problemas ambientais, para além da poluição sonora, como o risco de incêndio e a libertação de substâncias tóxicas perigosas, situação para a qual diversas associações ambientalistas têm alertado.
Aliás, o lançamento de foguetes e de quaisquer outras formas de fogo de artifício em espaços rurais está interdito durante o período crítico de risco de incêndio.
No que concerne à poluição atmosférica, de acordo com a revista Nature[3], eventos como o Dia da Independência nos Estados Unidos da América ou o Festival das Lanternas na China, e as celebrações do Ano Novo por todo o mundo, provocam a deterioração da qualidade do ar, pois os fogos de artifício levam a concentrações elevadas de poluentes como poluentes gasosos (dióxido de enxofre e óxidos de nitrogénio), material particulado (por exemplo, PM10, PM2.5), íons solúveis em água e metais. Em Nova Deli e em outras cidades indianas são atingidos os níveis mais elevados de poluição após as celebrações do festival de luzes hindu Diwali.
Na Holanda durante a véspera de Ano Novo, onde há a tradição dos fogos de artifício, as concentrações de PM10 excedem altamente as concentrações de PM10 observadas durante o resto do ano. Também os números nas cidades alemãs[4] apontam para níveis pontuais de partículas finas muito superiores ao recomendado pela União Europeia
A exposição à poluição, mesmo que por períodos curtos, está associada a efeitos negativos na saúde, para além de problemas respiratórios, como demência, alterações estruturais cerebrais infantis e comprometimento cognitivo, sendo as pessoas idosas e os lactentes os mais suscetíveis à mortalidade por concentrações de poluição do ar agudamente elevadas.
Enquanto se estão a tomar medidas para diminuir a poluição atmosférica em diversas áreas, como nos transportes e na indústria, o impacto da poluição causada pelos fogos-de-artifício não está a ser devidamente tomada em consideração, apesar dos danos que causa.
Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a abaixo assinada Deputada Única do PESSOAS-ANIMAIS-NATUREZA, apresenta o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei aprova uma moratória para utilização de artigos de pirotecnia tradicionais, considerando os impactos negativos que estes últimos têm na saúde das pessoas, bem-estar animal e ambiente, com a sua consequente substituição por artefactos silenciosos, jogos de luzes ou similares,
Artigo 2.º
Moratória relativa à utilização de artigos de pirotecnia tradicional
1 – A partir do dia 1 de Janeiro de 2025, é interdita a utilização de artigos de pirotecnia.
2 – Para efeitos dos número anterior entende-se por artigos de pirotecnia os que contenham substâncias explosivas ou uma mistura explosiva de substâncias concebido para produzir um efeito calorífico, luminoso, sonoro, gasoso ou fumígeno ou uma combinação destes efeitos, devido a reações químicas exotérmicas autossustentadas.
3 – Excluem-se do âmbito de aplicação da presente lei os artigos de pirotecnia previstos no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 135/2015 de 28 de julho que procede à definição das regras que estabelecem a livre circulação de artigos de pirotecnia, bem como os requisitos essenciais de segurança que os artigos de pirotecnia devem satisfazer tendo em vista a sua disponibilização no mercado, transpondo a Diretiva n.º 2013/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de junho de 2013 e a Diretiva de Execução n.º 2014/58/UE da Comissão, de 16 de abril de 2014.
4 – Para cumprimento da presente lei, a partir de 1 de Janeiro de 2026, todos os artigos de pirotecnia serão substituídos por artigos de baixa intensidade sonora, bem como de outros modelos mais ecológicos, com menos substâncias perigosas, o recurso a jogos de luz, laser ou similares.
Artigo 2.º
Apoio à reconversão profissional
Compete ao Governo criar uma linha de incentivos financeiros à reconversão das empresas e dos trabalhadores do sector afectado, em termos a regulamentar, no prazo de 180 dias após a publicação da presente lei.
Artigo 3.º
Campanhas de sensibilização
O Governo promove campanhas de sensibilização sobre os impactos negativos da utilização da pirotecnia nas pessoas, animais e ambiente, e sobre os benefícios da reconversão prevista na presente lei na demais legislação aplicável.
Artigo 4.º
Norma revogatória
São revogadas todas as normas que regulamentem ou admitam em sentido contrário ao previsto na presente lei.
Artigo 5.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor com o Orçamento do Estado subsequente à sua publicação.
Assembleia da República, Palácio de São Bento, 02 de Dezembro de 2022
A Deputada,
Inês de Sousa Real
[1]Vide https://www.bhwcares.com/fireworks/ , https://www.bbc.co.uk/newsround/50173040 e https://www.autism.org.uk/about/family-life/holidays-trips/bonfire-night.aspx.
[2] https://www.nytimes.com/2016/07/01/science/july-4-fireworks-quiet.html
[3] https://www.nature.com/articles/s41598-019-42080-6%22%22
[4] Vide https://www.bbc.com/news/world-europe-38495564 e https://www.dw.com/en/german-environmentalists-urge-ban-on-fireworks-in-major-cities/a-49796894