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Há centralistas até no mar

O mar dos Açores é muito mais do que um simples recurso natural – é parte intrínseca da identidade e da história dos açorianos, moldando as suas tradições, atividades económicas e modos de vida e aglomerando uma grande variedade de espécies marinhas e ecossistemas únicos. Uma riqueza natural que deve ser preservada e valorizada.

Em vigor desde 2014, a Lei do Mar estabelece o poder de gestão do espaço marítimo por parte das regiões autónomas até 200 milhas náuticas. Até agora, a gestão descentralizada permitia que as regiões desenvolvessem estratégias adaptadas às realidades locais, promovendo abordagens eficientes e eficazes. No entanto, agora, o cenário é outro. A nova proposta da Lei de Bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional, aprovada recentemente na Assembleia da República, unicamente pelo Partido que forma Governo e apesar dos pareceres negativos dos Açores e Madeira, é um verdadeiro retrocesso no caminho percorrido no sentido de conceder às regiões autónomas competências suficientes para a gestão do seu espaço marítimo.

Ao que parece, a nova proposta deita por terra o bom desempenho das regiões ao longo dos últimos anos, no que concerne à gestão do mar, devendo estas apenas acatar as decisões da República quanto aos destinos por ela decididos.

A nova Lei do Mar não é mais do que o espelho do centralismo desmedido do Governo da República, ao retirar às regiões autónomas competências de administração dos seus próprios recursos marinhos, o que irá, certamente, resultar em políticas que não atendem às prioridades das regiões e possivelmente prejudicarão a sustentabilidade e preservação dos ecossistemas marinhos. Este é mais um exemplo do mau desempenho da República, que vem tolhendo a autonomia (q.b) de regiões com conhecimento e interesse directo na conservação e exploração responsáveis dos seus recursos.

Com esta decisão, o Governo da República desmereceu não só o parecer das regiões, como as estratégias adotadas ao longo os últimos anos pela conservação e exploração sustentáveis, acentuando a divisão entre os territórios.

Ora, importa sublinhar a abstenção de um dos quatro deputados do PS eleito pelo círculo dos Açores, assim como a abstenção dos deputados eleitos pelo círculo da Madeira. Como poderão ser credíveis os pareceres das regiões quando os deputados que as representam não assumem uma posição firme nesta questão? Qual seria o desfecho se tivessem votado contra? E, mais importante, qual o impacto desta alteração no Parque Marinho de Áreas Protegidas dos Açores, numa altura em que está a ser revisto? Qual será o desfecho da mineração do mar profundo? Vamos conseguir cumprir as metas das AMP’s? São questões que ficam no ar, mas importam responder.

Na eventualidade de alguma deslembrança, a escassez de fiscalização do mar dos Açores é uma realidade actual, pela falta de recursos técnicos e humanos, o que provoca impactos nos recursos naturais – uma responsabilidade que deverá agora, naturalmente, ser assumida por quem passa a gerir estes recursos.

É imprescindível que esta lei seja revista e que devolva às regiões a gestão dos recursos marinhos, garantindo a preservação dos mares e a adoção de políticas que vão ao encontro das necessidades específicas de cada local.