A 19 de novembro de 2019 deu entrada nesta Assembleia Municipal uma petição (n.º 21/2019) intitulada “Contra a poluição de navios de cruzeiro em Lisboa – pelo direito a um ar limpo”, subscrita por 525 cidadãos.
Os peticionários pediam que no prazo de um ano os terminais de cruzeiros de Lisboa implementassem medidas para redução da poluição, fundamentados no impacto nocivo na saúde dos lisboetas.
Os navios atracados mantêm os motores em funcionamento para garantirem o acesso à energia, queimando dezenas de toneladas de combustível. Tratam-se de emissões que na sua larga maioria não são filtradas ou sujeitas a tratamento, sendo responsáveis pelo aparecimento de doenças coronárias e do trato respiratório.
Sugeriram os peticionários, entre outras medidas, que a gestão do Porto se socorresse do processo cold ironing para abastecimento energético das embarcações, que se apostasse na fiscalização do cumprimento da legislação europeia referente ao teor de enxofre nos combustíveis, que se procedesse à restrição do número de navios cruzeiro atracados, à medição dos níveis de gases poluentes emitidos junto ao Terminal de Cruzeiro de Lisboa, à realização de um estudo de avaliação
do impacto da atividade do terminal na saúde pública e à definição de uma estratégia de controlo e melhoria da qualidade do ar com o objetivo de diminuir a emissão de gases poluentes na cidade de Lisboa.
Lisboa é das cidades europeias que mais navios cruzeiro recebe e por isso uma das mais poluídas. Revisitando uma publicação da Associação ZERO – ASSOCIAÇÃO SISTEMA TERRESTRE SUSTENTÁVEL, de 7 de junho de 2019, Lisboa foi a cidade portuária com maior tráfego de navios de cruzeiro em 2017, sendo que as emissões de óxidos de azoto dos cruzeiros representavam um quinto do total associado aos veículos que circulavam na cidade.
Apesar do inegável contributo dos navios cruzeiro para o turismo e consequente crescimento da economia local e regional, são também inegáveis os impactes ambientais desta atividade: poluição atmosférica (queima constante de combustível), poluição marítima (descargas de resíduos, combustível e esgotos, descamar de resíduos de tintas dos cascos) e poluição sonora.
Também em junho de 2019, foi divulgado um estudo da Federação Europeia dos Transportes e Ambiente (T&E), que avaliou as emissões de diferentes poluentes, nomeadamente dos óxidos de enxofre (SOx) e óxidos de azoto (NOx), provenientes dos navios cruzeiro que atravessavam diariamente o litoral do Oceano Atlântico e do Mar Mediterrâneo, tendo-se concluído que as emissões de óxidos de enxofre lançadas pelas chaminés dos navios formavam aerossóis de sulfato (SO42-), incrementando o risco de doenças cardiorrespiratórias para a saúde e contribuindo para a acidificação de ambientes terrestres e aquáticos.
Por comunicado de imprensa do Conselho Europeu de 25 de outubro de 2019, divulgou-se a posição da União Europeia referente à monitorização das emissões de CO2 produzidas pelos transportes marítimos – a estratégia passava pela alteração das normas em vigor e pela sua conformação com o sistema mundial de recolha de dados sobre o consumo de combustível dos navios da International Martitime Organization (IMO)
Esta foi a tomada de posição, porque se estimava (…) que as emissões de gases com efeito de estufa provenientes do transporte marítimo internacional atinjam cerca de 2-3 % do total global de emissões de gases com efeito de estufa, o que representa um valor superior ao das emissões de qualquer Estado da UE. E que (…) A nível da UE, as emissões de CO2 provenientes dos transportes marítimos aumentaram 48 % entre 1990 e 2008. Em 2015, este setor foi responsável por 13 % do total das emissões de gases com efeito de estufa provenientes do setor dos transportes na UE.”
Também na Resolução da Comissão do Ambiente, da Saúde Pública e da Segurança Alimentar sobre a COP25, aprovada no final de novembro de 2019 pelo Parlamento Europeu, se alertava para o facto do setor dos transportes ser o único que registou um aumento as suas emissões desde 1990, exigindo-se uma redução das emissões provenientes da aviação e da navegação que urge diminuir drasticamente de forma a ser exequível o cumprimento do Acordo de Paris.
Com o Decreto-Lei n.º 87/2020, de 15 de outubro, entrou em vigor na ordem jurídica nacional, o Regulamento UE n.º 757/2015, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril, que estabeleceu regras destinadas a assegurar a monitorização, a comunicação de informações e a verificação precisa das emissões de dióxido de carbono (CO2) e outras informações pertinentes em matéria de clima, referentes aos navios que chegam a portos sujeitos à jurisdição de um Estado-Membro, tendo em vista a redução das emissões de CO2 provenientes do transporte marítimo, de forma eficaz em termos de custos.
A Agência Portuguesa do Ambiente, I. P. (APA, I. P.) é a autoridade competente para monitorização, comunicação e verificação das emissões de CO (índice 2), provenientes do transporte marítimo, sendo a Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM), enquanto administração marítima nacional, competente para fiscalizar a existência do documento de conformidade a bordo dos navios que utilizem portos nacionais e, no âmbito das suas competências, decidir a expulsão desses navios, nas situações previstas no n.º 3 do artigo 20.º do Regulamento Europeu.
O Decreto-Lei nº 336/98, de 3 de novembro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n.º 334/2001, de 24 de dezembro, n.º 46/2002, de 2 de março e n.º 15/2016, de 09 de março, estipulou que a Administração do Porto de Lisboa, instituto público dotado de personalidade jurídica de direito público e de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, fosse convolado em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, passando a designar-se APL – Administração do Porto de Lisboa, S.A, (APL, S.A.).
A APL, S. A. tem por objeto a administração do porto de Lisboa, visando a sua exploração económica, conservação e desenvolvimento, abrangendo ainda o exercício das competências e prerrogativas de autoridade portuária. De acordo com os seus estatutos, deve assegurar o exercício das competências necessárias ao regular funcionamento do porto nos seus múltiplos aspetos de ordem económica, financeira e patrimonial, de gestão de efetivos e de exploração portuária e ainda as atividades que lhe sejam complementares, subsidiárias ou acessórias, pertencendo a tutela sectorial ao Ministério das Infraestruturas e Habitação.
Do mesmo modo, e não obstante o então Vereador responsável pelo Pelouro do Ambiente, José Sá Fernandes, ouvido em sede de comissão no âmbito da supra referida Petição, ter garantido estar em diálogo com a Administração do Porto de Lisboa, no sentido de serem equacionadas medidas para uma abordagem mais sustentável e de se obterem dados de monitorização dos navios de cruzeiro aportados no Porto de Lisboa, a verdade é que até a data pouco ou nada se sabe sobre eventuais medidas que tenham sido adotadas pelo Porto de Lisboa.
Segundo a Agência Lusa em notícia veiculada a 13 de outubro de 2020, na Proposta de Lei do Orçamento de Estado para 2021, entregue na Assembleia da República em outubro de 2020, o governo anunciava que “em 2021, dotar-se-á o porto de Lisboa, e em especial o terminal de cruzeiros, de capacidade de fornecer energia elétrica aos navios acostados (‘shore to ship’), evitando o uso dos geradores próprios que consomem combustíveis poluentes”.
Um outro artigo de opinião, desta vez no Jornal Econômico datado de 10 abril 2022, indicava que o Porto de Lisboa iria fornecer energia elétrica a navios a partir de 2024, sendo que o “(…) Concurso para a primeira empreitada deverá ser lançado ainda este ano. Para já, está previsto um investimento inicial de cerca de 30 milhões de euros, que não inclui ainda o terminal de Alcântara”.
Tendo presente os compromissos assumidos no alcance da neutralidade carbónica até 2050 e do aumento da resiliência da cidade às alterações climáticas, podem e devem ser criadas nos terminais portuários medidas mitigadoras deste problema, designadamente, através do fornecimento de eletricidade aos navios atracados (coId ironing), permitindo que estes mantenham os seus motores desligados durante a escala.
Esta medida, a par de outras que venham a ser estudadas em articulação com entidades competentes (como a introdução de limitações à navegação no rio Tejo a navios cruzeiro que não disponham de tecnologias de redução das emissões de óxidos de azoto, óxidos de enxofre e partículas inaláveis), foi defendida pelo PAN e já anunciada no passado.
Trata-se de uma estratégia que produzirá efeitos a curto prazo na redução das emissões de gases provenientes dos navios cruzeiros e que tarda a ser implementada.
Face do exposto, vem o Grupo Municipal do PAN propor que a Assembleia Municipal de Lisboa, na sua Sessão Ordinária de 21 de junho de 2022, delibere ao abrigo do disposto nas alíneas j) e k) do n.º 2 do artigo 25.º da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, conjugadas com a alínea c) do artigo 15.º e com o n.º 1 do artigo 71.º do Regimento da Assembleia Municipal de Lisboa, aprovar uma moção no sentido de:
1 – Solicitar ao membro do Governo responsável pela tutela sectorial da Administração do Porto de Lisboa que diligencie com essa entidade, no sentido de ser lançado com a maior brevidade possível, o Concurso Público para a empreitada destinada a eletrificar o Porto de Lisboa. Esta medida deve ser implementada antes de 2024, em resposta à urgência climática e na senda do compromisso assumido pelo executivo em 2021.
2 – Dar conhecimento desta moção ao Senhor Presidente da Assembleia da República, ao Senhor Primeiro-Ministro, aos Grupos Parlamentares representados na Assembleia da República e ainda ao Conselho de Administração da Administração do Porto de Lisboa.
Lisboa, 21 de junho de 2022
O DM do Pessoas- Animais – Natureza
António Morgado