Considerando que:
- A 13 de junho de 2016 entrou em vigor o Regulamento (UE) n.º 598/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de abril de 2014, relativo ao estabelecimento de regras e procedimentos para a introdução de restrições de operação relacionadas com o ruído nos aeroportos da União no âmbito de uma abordagem equilibrada, e revogou a Diretiva 2002/30/CE, sendo que,
as restrições de operação relacionadas com o ruído introduzidas antes da sua entrada em vigor continuam a vigorar até as autoridades competentes decidirem revê-las.
- Deste modo, mantêm-se em vigor em território nacional as restrições de operação fixadas nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 293/2003, de 19 de novembro, no Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de janeiro, que aprovou o Regulamento Geral do Ruído, e no Decreto Legislativo Regional n.º 23/2010/A, de 30 de junho.
- No que toca ao Aeroporto Humberto Delgado em Lisboa, aplica-se o disposto no Decreto-Lei n.º 293/2003, de 19 de novembro, nos termos do qual deverão ser fixadas medidas de gestão de ruído de aeronaves para cada aeroporto, tendo em conta os critérios ali definidos, implicando necessariamente restrições de operação durante o período noturno, em particular quanto às aeronaves mais ruidosas, as quais serão fixadas por portaria dos Ministros das Obras Públicas, Transportes e Habitação e das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, ao abrigos das disposições conjugadas dos nºs 1 e 5 do seu artigo 4.º
- Assim e nos termos do artigo 2.º da Portaria 303-A/2004, de 22 de março, no Aeroporto de Lisboa o tráfego noturno é restringido entre as 0 e as 6 horas, sendo que o número de movimentos aéreos permitidos naquele período, por semana, não pode exceder o limite total de 91, salvo nos casos de força maior especificados no n.º 9 do mesmo artigo.
- De igual modo e nos termos do Regulamento Geral do Ruído, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de janeiro, na sua atual redação, e concretamente no seu artigo 20.º, nos aeroportos e aeródromos não abrangidos pelo disposto no referenciado Decreto-Lei n.º 293/2003, de 11 de Novembro, é proibida a aterragem e a descolagem de aeronaves civis entre as 0 e as 6 horas, salvo por motivo de força maior, a qual poderá também ser excecionada por portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas dos transportes e do ambiente.
- Em suma e no que toca ao Aeroporto Humberto Delgado, as restrições de operação relacionadas com o ruído, adequadas ao objetivo ambiental estabelecido para este aeroporto, encontram-se consagradas na citada Portaria n.º 303-A/2004, de 22 de março, sendo de destacar as seguintes, o tráfego noturno é restringido entre as 0 e as 6 horas (LT), podendo ser permitidos, naquele período, até 26 movimentos aéreos por dia e 91 por semana, e a autorização de movimentos aéreos, naquele período, está condicionada aos níveis de ruído das aeronaves utilizadas.
- Através do Decreto-Lei n.º 10/2004, de 9 de janeiro, foi aprovado o regime aplicável às contraordenações aeronáuticas civis, cabendo à Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC), enquanto entidade reguladora do sector da aviação civil, designadamente, instaurar, instruir e decidir os processos de contraordenação da sua competência e aplicar as despectivas coimas e sanções acessórias, cujos Estatutos foram aprovados pelo DL n.º 40/2015, de 16 de março, anteriormente designado Instituto Nacional de Aviação Civil (INAC).
- Por outro lado, o Decreto-Lei n.º 109/2008, de 26 de junho, na sua atual redação, procedeu à nomeação da ANA, Aeroportos de Portugal, S. A., como entidade coordenadora nacional do processo de atribuição de faixas horárias e como entidade facilitadora, cabendo à ANAC a supervisão e fiscalização da gestão do processo de atribuição de faixas horárias, bem como o cumprimento das respetivas normas de atribuição por parte das transportadoras aéreas, utilizadoras das mesmas.
- São os chamados “slots” aeronáuticos, ou seja, quando um aeroporto se encontra na sua capacidade máxima na maior parte das horas em que opera, as normas internacionais ditam que esse aeroporto passe a ser coordenado através da atribuição de faixas horárias específicas de aterragem e descolagem às companhias que nele operam.
- Ora e para efeitos de aplicação do regime das contraordenações aeronáuticas civis, aprovado pelo supra citado Decreto-Lei n.º 10/2004, constituem contraordenações graves e muito graves, designadamente, a aterragem ou descolagem de uma aeronave nos aeroportos coordenados como é o caso do Aeroporto de Lisboa, na data para a qual foi atribuída a faixa horária, mas em violação da mesma faixa horária, ou em violação da data específica da faixa horária atribuída, salvo se tal se dever a motivo de força maior ou a razões operacionais, dando-se o exemplo de uma companhia de aviação aérea ter um “slot” para aterrar no aeroporto de Lisboa às 23.45h e só chegar depois das 00:00h, o que configura uma contraordenação por não ter um “slot” para o período noturno, nos termos da referenciada Portaria 303-A/2004, de 22 de março.
- Passando à análise das coimas respeitantes às referidas infrações, o montante das mesmas é o constante do artigo 9.º do referenciado diploma, ou seja, sendo as contraordenações graves praticadas por grande empresa, a coima mínima é de (euro) 2000 e máxima de (euro) 5000, em caso de negligência, e mínima de (euro) 5000 e máxima de (euro) 10000, em caso de dolo, e no caso de contraordenações muito graves, a coima mínima será de (euro) 10000 e máxima de (euro) 30000, em caso de negligência, e mínima de (euro) 100000 e máxima de (euro) 250000, em caso de dolo.
- De acordo com um artigo de opinião publicado no Jornal Expresso de 5 de julho de 2019[1], Francisco Ferreira, representante da associação ambientalista Zero, revelava que o nível de poluição sonora provocado pelo movimento dos aviões que aterravam e descolavam do aeroporto da Portela, entre as 23h00 e as 7h00, estava quatro vezes acima do previsto na lei.
- Assim e de acordo com as medições feitas pela referida associação no Campo Grande, em Lisboa, em vez dos 55 decibéis (dB) de ruído máximo permitido legalmente durante o período noturno, foi registado um valor médio de 66,5 dB, ou seja, mais 11dB. “Em escala logarítmica isto significa quatro vezes mais do que o permitido legalmente”, reforçava o engenheiro ambiental, referindo também que o limite máximo de 26 movimentos no período entre as 24h00 e as 06h00 (incluído num regime de exceção criado desde 2004) tinha sido igualmente ultrapassado, já que se registaram 28 aterragens ou descolagens durante essas seis horas.
- A 24 de Maio de 2019, dá entrada ao abrigo do disposto no artigo 85.º do Regimento da Assembleia Municipal de Lisboa a Petição n.º 11/2019[2], através da qual os peticionários pretendiam ser informados e ouvidos sobre os impactos do Aeroporto da Portela, tendo no decurso dos trabalhos da 4.ª Comissão Permanente de Ambiente e Qualidade de Vida, competente sobre esta matéria, procedido a diversas audições designadamente do Presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, do Presidente do Conselho da Administração da Autoridade Nacional de Aviação Civil, do Professor Francisco Ferreira, representante da Associação Zero, entre outros.
- De acordo com as declarações do Dr.º Luís Miguel Ribeiro, Presidente do Conselho da Administração da ANAC, a partir de 2004, com a realização do Europeu de Futebol em Portugal foi fixado um limite de 91 movimentos aéreos por semana em horário noturno e “(…) os voos que operam com slots atribuídos até à meia noite e que não conseguem ser realizados acabam por resvalar no horário, (…) havendo casos de força maior ou podem não o ser e se a justificação não for aceite pela ANAC passa-se ao processo de contraordenação e respetiva multa, os casos de força maior aceites ronda os 5%”.
- Mais referiu que em 2018, foram analisados 876 movimentos, 34 de força maior; em 2019 foram analisados 1179, apenas 49 de força maior com 140 processos instaurados, alguns deles em conjunto e em 2020 analisados 132 movimentos de voos que saíam sistematicamente atrasados, e que nos processos apreciados em tribunal, as coimas fixadas pelo juiz se situam em 20 a 30% do valor proposto pela ANAC, sendo que o valor previsto na legislação visa anular a vantagem que a companhia área tem por atrasar o voo e deverá ter um efeito desencorajador da prática de voos fora do horário, o que não parece estar a suceder por via das decisões judiciais.
- Também no decurso do mesmo ano de 2019, mais precisamente a 12 de dezembro, deu entrada nesta Assembleia a Petição 23/2019[3], subscrita por 1541 cidadãos e intitulada “Menos Poluição Sonora em Lisboa”, na qual o PAN foi relator e que abordava entre outras questões, o ruído excessivo decorrente de atividades de diversão noturna como bares, discotecas, na rua ou até em estruturas e animação flutuante no rio, proveniente de obras e ainda outras fontes permanentes de poluição sonora como o tráfego rodoviário e aéreo.
- Assim e no tocante ao aeroporto de Lisboa, que os peticionários qualificaram como “o maior dos infernos vivido por alguns dos lisboetas” porque era diário, ininterrupto e ilegal com aviões a chegar e a partir às 4:00h da manhã, abusando do chamado regime de exceção que serviria em rigor para situações de emergência, mas que era diariamente desrespeitado sem que as autoridades atuassem em defesa dos cidadãos, sendo imperativo que se fizesse cumprir a lei impedindo os voos noturnos como acontecia em várias cidades europeias.
- No âmbito dos trabalhos realizados pela mesma 4.ª Comissão Permanente e do respetivo relatório, na parte respeitante ao aeroporto de Lisboa, saíram recomendações à Câmara Municipal de Lisboa no sentido de efetuar as diligências necessárias para que a lei fosse rigorosamente cumprida por todos os intervenientes na cidade, nomeadamente na parte respeitante à restrição noturna de voos cujos limites eram recorrentemente ultrapassados.
- Também numa audição parlamentar que decorreu em março deste ano, o presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), Nuno Lacasta, afirmava, citado pelo Jornal de Negócios[4], que o plano de ação de isolamento acústico de edifícios junto ao aeroporto de Lisboa, inicialmente apresentado pela ANA – Aeroportos de Portuga, para o período entre 2018 e 2023 “praticamente não incluía medidas de mitigação do ruído”, razão pela qual a APA não o aprovou, mas que após insistência por parte deste entidade e do Ministério do Ambiente, aquela apresentou um programa de proteção acústica de edifícios”, designado Programa Bairro, o qual irá inicialmente incidir sobre recetores sensíveis, como escolas e hospitais, e que “deve prolongar-se para além de 2023”, já que depois dos edifícios sensíveis, vai abranger, numa segunda fase, os edifícios habitacionais.
- Contudo apesar de todo o trabalho feito pouco ou nada mudou, e na data em que se celebrou o Dia Internacional de Sensibilização para o Ruído, veio novamente em comunicado a associação ambientalista Zero reclamar o fim de voos noturnos no aeroporto de Lisboa, em particular entre a meia-noite e as 05:00, de acordo com um artigo de opinião publicado no dia 24 de abril[5], apelando ao Governo e ao parlamento para que deem “rápido seguimento às conclusões” do Grupo de Trabalho para o Estudo e Avaliação do Tráfego Noturno do Aeroporto Humberto Delgado, instituído em novembro de 2020 e integrando representantes do Governo, APA, ANA, ANAC e NAV Portugal – Navegação Aérea de Portugal, impondo a “proibição de aterragens e descolagens durante a noite”, reafirmando que a restrição noturna deveria “ir mais além, instituindo a proibição de voos programados entre as 00:00 e as 05:00”, com a eventual autorização de aterragens e descolagens em atraso até às 00:30.
- A associação Zero defendia igualmente, taxas de ruído “diferenciadas em função do impacto de cada aeronave”, revertendo as receitas para um fundo destinado a custear medidas de mitigação do ruído, como o isolamento acústico de edifícios localizados nas proximidades do aeroporto, nomeadamente universidades e hospitais, e que ainda estava por fazer.
- Ora e não obstante a bondade das medidas propostas, tudo está na mesma, ou seja, cerca de 388 mil lisboetas dormem com o ruído de aviões, podendo a fatura no ambiente e na saúde chegar a €2 mil milhões, números que constam de um estudo realizado no âmbito do referido grupo de trabalho parlamentar, e se atualizam com dados de 2019 as estimativas da Agência Portuguesa do Ambiente, que indicavam 57 mil pessoas afetadas pelo ruído noturno dos aviões em Lisboa e Loures, em 2016.
- Passando agora a uma análise do panorama europeu sobre esta matéria, a 4 de abril do ano passado o Tribunal Administrativo Federal de Leipzig confirmou uma decisão do Tribunal Administrativo de Hessen[6], ficando proibidas as descolagens e aterragens entre as 23h e as 5h, havendo 17 voos diários programados para esse horário e os voos noturnos apenas estão autorizados nos casos que as autoridades puderem comprovar que exista uma necessidade especial para que os mesmos ocorram, alegando proteger a população contra os ruídos durante a noite.
- Também o Aeroporto de Amesterdão Schiphol propõe um conjunto de medidas que vão desde a proibição de voos noturnos e de madrugada para reduzir os ruídos, a normas mais rígidas para a descolagem e aterragem de aeronaves no aeroporto[7], anunciado que se pretende eliminar os voos noturnos até 2025, a par da proibição de jatos privados em determinados períodos horários, não só com o objetivo de reduzir as emissões de CO2, em linha de conta com as metas do Acordo de Paris, mas igualmente para reduzir a poluição sonora, uma das principais queixas das populações que vivem nas proximidades deste grande aeroporto europeu.
- Uma vez que a excecionalidade das restrições de operação constantes do nº 2 do artigo 2.º da Portaria n.º 303-A/2004, de 22 de março, que permitem um tráfego noturno entre as 0 e as 6 horas até 26 movimentos aéreos por dia e 91 por semana, se prenderam com a realização do Europeu de Futebol em Portugal em 2004, uma vez que aquele envolvia uma multiplicidade de aspetos como os transportes, o alojamento, a segurança, o serviço de fronteiras e a promoção do próprio evento, que deixaram de se verificar, importa neste momento proteger a população contra os ruído do trafego aéreo durante a noite e rever tais limites.
- Por tudo o que se disse, parece-nos imperativo dada a posição generalizada do Parlamento em rejeitar a proibição de voos noturnos, com exceção de alguns grupos parlamentares onde se inclui o PAN, alterar para já não só o regime excecional constante da Portaria n.º 303-A/2004, de 22 de março, como o das contraordenações aeronáuticas civis, aprovado pelo citado Decreto-Lei n.º 10/2004, de 9 de janeiro.
Em face do exposto, vem o Grupo Municipal do PAN propor que a Assembleia Municipal de Lisboa, na sua Sessão 4 de julho de 2023, delibere ao abrigo do disposto nas alíneas j) e k) do n.º 2 do artigo 25.º da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, conjugadas com a alínea c) do artigo 15.º e com o n.º 1 do artigo 71.º do Regimento da Assembleia Municipal de Lisboa, aprovar uma moção no sentido de:
- Solicitar ao membro do Governo responsável pelas infraestruturas que proceda às necessárias alterações às restrições de operação no Aeroporto de Lisboa, constantes da Portaria n.º 303-A/2004, de 22 de março, mantendo a restrição do tráfego noturno entre as 0 e as 6 horas, podendo apenas ser permitidos, naquele período, até 10 movimentos aéreos por dia e 40 por semana, ficando a autorização de movimentos aéreos condicionada aos níveis de ruído das aeronaves utilizadas.
- Solicitar ainda ao Governo que proceda ao reforço do montante mínimo e máximo das coimas constante do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 10/2004, de 9 de janeiro, no tocante às contraordenações graves e muito graves praticadas por grande empresa, de modo a anular a vantagem económica e ter um efeito desencorajador da prática de voos fora do respetivo horário.
- Remeter esta deliberação ao Senhor Presidente da Assembleia da República, ao Senhor Primeiro-Ministro, aos Grupos Parlamentares representados na Assembleia da República, à ANA, Aeroportos de Portugal, S. A., à Autoridade Nacional de Aviação Civil, à Agência Portuguesa do Ambiente, à NAV Portugal – Navegação Aérea de Portugal e à Associação Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável.
Lisboa, 4 de julho de 2023
O Grupo Municipal
do Pessoas – Animais – Natureza
António Morgado
(DM PAN)
Esta moção teve o primeiro ponto rejeitado por todos os partidos de direita e PS e foi aprovada nos restantes pontos.
[1] https://expresso.pt/sociedade/2019-07-05-Nivel-do-ruido-dos-avioes-sobre-Lisboa-e-quase-quatro-vezes-mais-do-que-o-previsto-na-lei
[2] https://www.am-lisboa.pt/401500/1/012291,000571/index.htm
[3] https://www.am-lisboa.pt/401500/1/013452,000571/index.htm
[4] https://www.jornaldenegocios.pt/empresas/transportes/aviacao/detalhe/apa-garante-que-isolamento-acustico-de-edificios-junto-ao-aeroporto-de-lisboa-arranca-no-segundo-semestre
[5] https://visao.sapo.pt/visao_verde/ambiente/2023-04-26-associacao-zero-insiste-no-fim-de-voos-noturnos-em-lisboa-entre-as-0000-e-as-0500/
[6] https://www.dw.com/pt-br/justi%C3%A7a-alem%C3%A3-pro%C3%ADbe-voos-noturnos-no-aeroporto-de-frankfurt/a-15858442
[7] https://24.sapo.pt/atualidade/artigos/fim-dos-voos-noturnos-e-dos-jatos-privados-aeroporto-de-amesterdao-quer-ceus-mais-limpos-e-silenciosos