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Apoios à tortura camuflada

Os sucessivos incidentes trágicos em espetáculos tauromáquicos em 2024, que culminaram, inclusive, em mortes, fizeram emergir a hipotética preocupação e consideração louváveis do Governo Regional para com o bem-estar das pessoas e animais, no que a esta matéria diz respeito, com o objetivo declarado de “promover o bem-estar animal”, disfarçado de apoios destinados a jaulas de contenção e transporte onde os animais são mantidos, muitas vezes, por largas horas, sem água ou alimento – verdadeiras prisões que impõem um ciclo de sofrimento – ou a locais onde se procede à ferra e à serra e embolamento dos cornos das reses forçados a participar em touradas, sob o pretexto de proteger pessoas e animais, perpetuando-se métodos que em nada se coadunam com respeito, dignidade ou segurança e tampouco justificam a continuidade de uma tradição por muitos rotulada como arcaica e cruel. 

Uma visão de bem-estar um tanto ou quanto perturbadora, com o intuito de mascarar práticas abomináveis com medidas superficiais e paliativas, e de limpar a imagem de uma prática que se dedica à exploração da dor e do sofrimento, mas em que agora se garantem plenas condições de segurança e salvaguarda da vida humana e animal, a ver se não se incomodam com futuras denúncias de mortes ou maus-tratos animais, que em nada contribuem para o bom nome desta nobre tradição que é a tauromaquia. 

Até quando continuará a Região a incentivar práticas que remetem a uma era de barbárie, disfarçadas sob a fachada de modernização, por medo das consequências sociais e políticas de se afastar tradições culturais? A promoção de práticas cruéis camufladas de bem-estar constitui não apenas uma traição para com os animais, mas também para com a ética que deveria alicerçar as políticas públicas, em nome dos poucos que ainda se prendem a uma tradição que perpetua práticas selváticas, sustentada à custa do sofrimento, que integra o mesmo compêndio da coerência onde figura o regresso do glifosato e da (possível) sorte de varas.  

Uma verdadeira abordagem focada na protecção e no respeito pela vida animal reside na capacidade de reconhecer e cortar o cordão umbilical que sustenta tradições antiquadas e desumanas, erradicando práticas cruéis e colocando um ponto final naquilo que a alguns apelidam de cultura, mas que, na realidade, se configura como uma doença moral que ignora a dor e o sofrimento destes seres sencientes.