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Chegou o que era Temido!

Na sequência do júbilo do 10 de junho marcado pelo discurso saudosista de Marcelo, glorificando a “arraia miúda” logo veio a desgraça do encerramento das urgências de obstetrícia por carência de profissionais. Numa semana em que estes embaraços do SNS vêm à tona, emerge também o despudor político na análise e resolução de problemas que se arrastam há décadas e o convertem numa entidade moribunda, difícil de renascer.

Quando foi criado em 1979, o acesso por exame à especialidade permitia a entrada definitiva dos médicos nos quadros públicos, conferindo uma estabilidade que terminou a meados da década de 80. Essa admissão passou a ser feita apenas após final da formação por concurso de provimento em cada hospital, dependente de vagas.   

Com um governo de direita, veio o estatuto de dedicação exclusiva. Aparentemente uma boa medida, revelou-se ser um cavalo de Tróia, pois apesar de aumentar ligeiramente o salário médico fê-lo depender do trabalho extraordinário. O esgotamento dos profissionais pelas longas jornadas de trabalho diário não tardaria, o que pesou, também nas suas vidas pessoais e familiares. A juntar a este facto, o acesso ao curso de medicina foi sendo restringido por motivos economicistas, criando a classe envelhecida que temos hoje na saúde. 

Aquela que vinha a ser carreira estruturada foi congelada em 2008, mais tarde extinta a dedicação exclusiva e substituído o contrato de funções públicas pelo contrato individual de trabalho. Igualmente foram restringidos os concursos hospitalares, aumentando a prestação de serviço por tarefeiros, sob a falsa capa de decréscimo da despesa pública do “bom aluno” ante Bruxelas. O desinvestimento foi galopante desde 2009 até aos dias de hoje.  

O governo social-democrata e democrata cristão deixou bem patente, em inícios da década de 2010, que os baixos salários terceiro-mundistas seriam a política escolhida, num país da União Europeia que exige uma medicina desenvolvida. 

O que temos, desde então até agora, é uma fuga do serviço público para o privado e uma emigração de jovens médicos bem formados. Os concursos foram uma raridade e a má fama do SNS chegou ao cúmulo de abrirem vagas para especialização que ficam desertas pelo desinteresse dos mais jovens. As más condições de trabalho, estruturas obsoletas, equipamentos antiquados, difícil acesso à formação contínua e investigação científica, num desorganizado e burocrático enredo, que é a função pública, selaram este destino.  

Nos Açores temos a mesma dificuldade em cativar médicos para as ilhas mais despovoadas e longe dos centros diferenciados onde, não raras vezes, os especialistas estão sozinhos e acumulam horas extras sem fim, tendo, ainda, de lidar com o desespero dos utentes que não conseguem aceder a especialidades hospitalares em tempo útil.  

Ante este caos é de estranhar, nos Açores, a resistência de uma certa classe política de esquerda perante medidas imediatas para mitigar alguns constrangimentos, como por exemplo, uma majoração da remuneração extraordinária de um trabalho que já é feito voluntariamente. Resta dizer que os últimos 6 anos de governação socialista com acordo à esquerda e uma pandemia vieram revelar feridas que nunca sararam e que não fazem jus a um Estado cumpridor das suas funções assistenciais. É escusado fugir às responsabilidades, pois tanto a esquerda como à direita, todos se sentam nas marcas que deixaram.   

Os portugueses não precisam de comissões para resolver crises quando estamos perante um problema crónico agudizado, nem tão pouco uma tutela que não prevê feriados, o caos que se pode instalar nas urgências, nem muito menos de uma contínua politização da saúde.