Na passada quarta-feira, e uma semana após a aprovação da iniciativa do PAN/Açores que insta o
Governo Regional a desenhar a Estratégia agrícola regional para a produção e armazenamento de cereais, a RTP Açores abriu o telejornal com uma peça jornalística sobre o tema, onde ouvi a opinião
de, conforme descrito, especialistas na área.
Os referidos especialistas, dos quais o Presidente da Associação Agrícola da Ilha Terceira,
pronunciaram a inviabilidade de se produzir cereais nos Açores, que não para a cultura forrageira,
alegando a limitação em termos de área de cultivo e a reversão no investimento já alocado ao sector
da lavoura.
Se a inquietude se prende com o investimento e proveito financeiro a retirar da produção
cerealífera, não esqueçamos todo o dinheiro já depositado na monocultura da vaca e que se
continua a canalizar unicamente para este sector, que está, há muito, em falência técnica. Em
verdade, é impossível esquecer quando na maioria das vezes a que é dada a palavra ao Presidente
da Federação Agrícola dos Açores, surgem pedidos de apoios para a lavoura.
Desde que aderiu à União Europeia, Portugal foi o país que recebeu mais ajudas ao investimento
agrícola. As percentagens de superfície ocupada demonstram, contudo, que pouco foi o
investimento canalizado para a produção cerealífera, quando em 1986 os cereais representavam
9,5% da área de produção e atualmente atingem apenas 2.3%.
Sabemos que a capacidade produtiva está dependente do relevo e desenho geográfico das ilhas, e não negamos que será necessário um investimento significativo, mas com a volatilidade dos mercados, no atual contexto de guerra que se vive na Ucrânia, com a imposição das sanções
económica, com os fenómenos climáticos severos que atinge vários pontos do globo, e que já
afetam grandes produções, investir agora é uma decisão sóbria e adequada, mas sobretudo
necessária à luz do presente contexto global que enfrentamos.
Esta semana, o trigo atingiu uma cotação recorde, após a Índia – o segundo país mais populoso do
mundo – embargar as exportações para garantir a segurança alimentar da sua população. Prevê-se
que outros países produtores seguirão o exemplo.
A solução proposta por um dos “especialistas” pende para direcionar as importações ao mercado
dos EUA. Esta opção é impraticável não só por colidir com as normas do quadro legislativo
comunitário da EU, pela utilização de pesticidas que afetam o ambiente e a saúde, mas também pela
grave seca que afeta os EUA e que já se repercute no cultivo e produção cerealífera.
Por cá, passamos de uma capacidade produtiva capaz de satisfazer as necessidades de consumo do
arquipélago, quando não tínhamos o desenvolvimento tecnológico e mecânico atual, para uma contração produtiva que nos deixa à mercê dos mercados externos e das suas capacidades
produtivas.
Mas há quem continue a impor e embarcar na narrativa, assente num pensamento monocultural, da
inviabilidade da produção de cereais nos Açores, impugnando quem ousa propor investimento que
não para o monopólio da fileira do leite e da carne.
Não é inviável produzir cereais na nossa região. Inviável é permanecermos inoperantes perante
os factos que se apresentam e o futuro que se prevê ainda mais negro em matéria de segurança
e autossuficiência alimentar.