Foram aprovadas, na semana passada, as propostas do Governo Regional para o Programa Regional da Água dos Açores e o Plano de Gestão da Região Hidrográfica dos Açores 2022-2027, conforme insta a Diretiva europeia.
A aplicação destes modelos orientadores assume ainda maior relevância quando vimos a registar alterações nos fenómenos e padrões atmosféricos, com a diminuição da precipitação média anual e consequente aumento da frequência dos episódios de seca.
Estes indicadores impõem uma gestão e utilização mais criteriosa e cautelosa dos recursos hídricos, mas tende-se sempre a escamotear o grande sorvedouro de água dos Açores: a indústria da agropecuária. Disse-o em plenário e reafirmo-o aqui.
Não quero com isto, nem foi ou é meu intento, diabolizar os produtores, mas não façamos tábua rasa aos factos irrefutáveis do impacto que esta indústria tem e a pressão que exerce nos recursos hídricos regionais, em consequente resultado e por demérito das políticas dos sucessivos Governo Regionais, com a conivência e apoio da Federação Agrícola dos Açores.
Em 2009 a agropecuária gastava diariamente 13 milhões de litros de água para o consumo de 245 mil bovinos. Passados dez anos, o número de bovinos aumentou para 283 mil (ultrapassando o número de pessoas residentes nos Açores), impondo uma utilização diária de mais de 20 milhões de litros de
água. Apesar do aumento do número de animais, registou-se um decréscimo de 23% no número de produtores singulares – a chamada agricultura familiar – que foram substituídos por sociedades de produção intensiva.
Este aumento em mais de 38 mil animais comportou naturalmente uma maior pressão nos sistemas de captação e distribuição de água, e tal foi particularmente notório quando em 2017 e 2018 se registou um período de seca severa e extrema em várias ilhas do arquipélago.
Em 2018, a seca colocou em risco o abastecimento de água à lavoura na ilha do Pico, com racionamento da quantidade de água disponibilizada pelas autarquias ao sector, para evitar a rutura no abastecimento. Em São Miguel e Terceira houve necessidade de reforçar o abastecimento de água em alguns pontos estratégicos da rede de reservatórios de explorações agrícolas, com recurso a autotanques dos Bombeiros.
(Tentar) Fazer da Federação Agrícola dos Açores “um acérrimo defensor da implementação de políticas que vão ao encontro da sustentabilidade” é totalmente desfasado da realidade quando é sabido e reconhecido que existe desperdício de água por parte desta indústria, quando se mantém a
inobservância nas captações de água ilegais e quando se teima em não cria uma quota de água por produtor, de forma a controlar o consumo de água, mas também a identificar perdas nos sistemas de abastecimento.
O escopo deverá ser sempre a sustentabilidade dos recursos, mas a forma como as políticas estão construídas e o modo como estão direcionadas não o garante, porque continuam a excluir ou minimizar um elemento fundamental nesta equação.
Enquanto vigorar esta cartilha, que rejeita factos concretos e incontestáveis em benefício de uma visão deturpada e utilitarista de uma indústria, estar-se-á a negligenciar todo o processo de gestão do bem mais essencial de todos e para todos. Desculpem-me, mas desta “água” não beberei.