Em 1975 o dia 8 de março foi oficialmente proclamado pelas Nações Unidas como o Dia Internacional da Mulher. 47 anos depois, as causas e os objetivos que levaram à instituição desta data continuam a ser atuais e fundamentais: o combate à desigualdade entre géneros.
Contudo, uma das áreas que gostaria de explorar em relação à diferença de género é no acesso e direito à saúde.
As últimas notícias sobre a dificuldade do acesso aos Processos de Interrupção Voluntária de Gravidez (IVG) em Portugal chocam qualquer cidadão sensível à necessidade de cumprimento de um direito. A IVG foi despenalizada em Portugal através da Lei nº 16/2007 de 17 de abril, quando realizada com o prazo limite até a décima semana de gestação. Com esta alteração legislativa, a mulher passou a ter direito de realizar o procedimento independentemente de suas razões para o fazer.
Portugal apresentou durante várias décadas um conservadorismo moderado de índole cultural judaico-cristã e que, em relação ao aborto, tal como atualmente à eutanásia, perdurou no debate pelo “direito à vida”, ante uma visão conservadora do regime que prejudicou a implementação de políticas públicas no que diz respeito a direitos sociais e promoveu posições anti-feministas.
Não podemos afirmar que foi fácil. A despenalização precisou de dois referendos para materializar um direito consagrado com grande oposição de movimentos “pró-natalidade e vida” fomentados pela igreja católica. Apesar de vivermos numa época secularizada, num Estado laico e com a formação da família, casamento e filiação como liberdade e garantia pessoal estabelecida pela Constituição, Portugal foi dos últimos países europeus a descriminalizar a prática em 2007.
Relembramos que em 1998, Marcelo Rebelo de Sousa, reconhecido fervoroso católico, era o então líder da bancada do PSD e acordou com António Guterres, que comungava da mesma doutrina religiosa e era o primeiro-ministro socialista, um referendo, atropelando, assim, a autonomia do Parlamento que tinha aprovado, na generalidade, a proposta do PS que determinaria que a mulher poderia abortar por vontade própria. Foi esse mesmo Parlamento que convocou um segundo referendo em 2006. As mulheres viram o direito à escolha suspenso por 10 anos. Mas será que, desde então, tudo ou muito mudou? Não o suficiente.
Recentemente foram identificados constrangimentos nos procedimentos de IVG, levando as mulheres a recorrer a privados por falta de resposta do SNS e a ter de realizar o procedimento depois das semanas legais. Lamentavelmente, o Ministro da Saúde chega ao ponto de ter de actuar no sentido de aplacar as dificuldades.
Infelizmente, nos Açores e com a agravante da realidade arquipelágica e dispersão territorial que representa uma maior dificuldade no acesso a cuidados hospitalares, as dificuldades acrescem. No verão passado apenas o Hospital da Horta assegurava o acesso à IVG, pois nos restantes hospitais
todos os especialistas alegam objecção de consciência, sendo que, actualmente, até esta instituição
tem dificuldade em dar resposta ao procedimento, obrigando as mulheres a deslocações ao
continente, onde, também encontram obstáculos.
É caso para dizer que precisamos de “regressar ao futuro”.