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Em casa da Ferraria, espeto de pau

Pedro Neves - Opinião AO

As sucessivas intervenções na zona da Ferraria têm sido alvo de escrutínio e debate público, com discutíveis opções e decisões políticas. Mas eis que, quando se julgava que já se havia aprendido com os erros do passado, voltamos a ter uma intrusão em pleno Monumento Natural Regional, com possíveis danos ambientais irreversíveis.

A intervenção que se encontra a decorrer no Pico das Camarinhas, na zona de acesso à Ponta da Ferraria, está a ser promovida pela Secretaria Regional do Turismo, Mobilidade e Infraestruturas, com a conivência e cunho, pasme-se, da Secretaria Regional do Ambiente e Alterações Climáticas.

Este projecto já está a ser cozinhado desde Julho do ano passado, quando a Direcção Regional das Obras Públicas e Transportes Terrestres lançou concurso para a empreitada de requalificação do miradouro da Ferraria.

Em Fevereiro, justamente no local a ser intervencionado, o Secretário do Ambiente e Alterações Climáticas e a então Secretária Regional das Obras Públicas, assinaram o auto de consignação da empreitada.

Recentemente, a 25 de Maio, quando os trabalhos de requalificação já avançavam em bom ritmo, e muito património geológico já havia sido removido, os titulares das pastas responsáveis por esta acção emitiram um despacho conjunto, com efeitos retroactivos a 20 de dezembro de 2021, reconhecendo e definindo as obras de intervenção no Miradouro da Ferraria como acção de relevante interesse público.

Lógica poderá ser a conclusão, pela pormenorização da data, que já em Dezembro passado se estava a intervencionar numa zona que, desde 2005, é reconhecida como Monumento Natural Regional e que, em sua consequência, limita a actividade e interferência nesse mesmo património.

O Despacho vem introduzir um “loophole” regressivo que confere alvará e permite “branquear” os possíveis danos geomorfológicos e ambientais infligidos a um local protegido, em privilégio e em nome do significativo fluxo turístico registado nesse local.

Os tutelares das Secretarias que promovem esta obra têm a audácia de afirmar os Açores como “(…) destino turístico sustentável e de natureza, com paisagens e qualidade ambiental ímpares”, no preâmbulo do documento que vem dar aval à execução de uma obra que irá alterar a morfologia de um reconhecido Monumento Natural Regional.

Também é reconhecido nesse mesmo Despacho, e ao contrário da tónica e retórica adoptada por ambos os tutelares na discussão em plenário da iniciativa do PAN/Açores para a criação da Taxa Turística Regional, que o fluxo turístico actual está em contínuo crescendo e a retomar os valores atingidos em 2019, o que obriga a um recondicionamento e
requalificação das infraestruturas e principais pontos de oferta e interesse turístico.

Este é apenas um exemplo do que este Governo está disposto a fazer, numa espécie de Cavalo de Troia, em nome da maximização do turismo, ao mesmo tempo que se arroga como acérrimo defensor e promotor do turismo sustentável.

Temos, portanto, um Governo que assume uma coisa e exactamente o seu contrário, conforme lhe é mais conveniente, e uma Secretaria do Ambiente e Alterações Climáticas que patrocina uma obra inqualificável do ponto de vista ambiental. E nesta situação em particular, só me apraz dizer: Em casa da Ferraria, espeto de pau.