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Eutanásia: a fronteira entre viver e apenas respirar

Eutanásia deriva da expressão grega “eu” (bom) “thanatos” (morte) e significa, etimologicamente, “boa morte”, calma e piedosa. 

Por oposição à distanásia ou encarniçamento terapêutico, é a atitude de não prolongar a vida através desses actos médicos obstinados e muitas vezes mais lesivos em doentes irreversíveis e em fase final. 

Ante as calorosas argumentações pós e contra que o diploma tem suscitado ao longo da sua elaboração, discussão e adaptação, convém clarificar que na eutanásia voluntária o médico provoca a morte a pedido do doente, quer seja expresso no momento, quer seja previamente solicitado no seu testamento vital, enquanto na eutanásia assistida, o médico proporciona os meios ao doente para este colocar termo à sua vida.

Existe, ainda, a eutanásia involuntária, onde não há nenhum pedido expresso do doente e, como tal, em nenhuma circunstância deverá ser legalizada, mesmo nas situações mais extremas onde, sendo o doente incapaz de se manifestar, o pedido é feito por tutores legais ou familiares. Mas nunca foi isto que esteve em discussão em Portugal.

O diploma, novamente remetido para o Tribunal Constitucional para que haja “certeza de direito” e vetado duas vezes por Marcelo, tem sido procrastinado por ser socialmente fracturante, complexo e colidir entre nós com uma forte herança cultural de índole judaico-cristã, que se vê misturada na política, apesar de vivermos num Estado laico. Muito partidos, com o hipócrita argumento da defesa dos direitos humanos, invocam Marcelo que vete a lei.

É importante realçar que, por melhores que sejam os cuidados paliativos, alegação repetida pelos opositores à eutanásia, chegará o momento em que pode não ser possível evitar completamente a dor física e psicológica lancinante num doente terminal. Alegar o oposto é falacioso, serve apenas para lançar a confusão e recolher aliados entre os menos atentos. É chocante o empenho de muitos políticos em desacreditar a eutanásia, admitindo, por outro lado, a prática hipócrita de uma eventual medicação extrema, ela própria capaz de acelerar o processo da morte à espera que a dita natureza cumpra a sua função, prolongando a agonia humana. Esta é uma posição reveladora de um enorme egoísmo e comportamento contrário à liberdade de cada um.

Lembremos os termos usados pelo, então, porta-voz nacional do PAN, André Silva, que defendeu o texto apresentado pelo partido, usando termos como “empatia” e “despenalização da liberdade”. É, realmente, de asseverar a liberdade individual no fim da vida que se trata. Nada garante mesmo com analgesia, que não haja sofrimento para o indivíduo.

Entretanto, no que aos Açores diz respeito, Marcelo negou a necessidade de consulta das Assembleias Regionais com a justificação que a matéria é de abrangência nacional e que as adaptações dos serviços regionais de saúde serão feitas por diploma complementar. Apesar de se compreender esta falha no que toca à questão da inconstitucionalidade, já não se entende a falta de deferência institucional.

Contudo, já se constatou que no refere à despenalização da eutanásia, quanto maior “desalinho”, melhor!