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Feito à papo-seco 

Em linguagem corriqueira costuma-se dizer “fazer à papo-seco” para caracterizar alguma acção que, longe do crivo do perfeccionista ou do zelador e cumpridor das regras e normas instituídas, é executada de forma atabalhoada e descurada.

A lei que proibia a disponibilização de sacos de plástico pelas cadeias de distribuição alimentar entraria em vigor na passada quinta-feira, mas o Governo da República, um dia antes do início da execução da medida, decidiu que, afinal, poderão continuar a ser utilizados, deixando, contudo, ónus sob o consumidor, que terá de pagar a taxa de utilização aos estabelecimentos comerciais. Nos Açores, pelo menos por enquanto (não vá algum partido ter a infeliz ideia e ir a reboque da República), continuamos firmes no cumprimento da directiva.

Esta lei, que foi transporta para o ordenamento jurídico nacional com base nas diretivas europeias e procurando o cumprimento das metas de produção, comercialização e consumo de plástico, concedia um período transitório de um ano, de forma a garantir uma adaptação gradual e permitir que os sectores da hotelaria, restauração, comércio e retalho pudessem dispor de embalagens e recipientes alternativos.

Ainda que o período transitório, por força da pandemia, tenha sido várias vezes estendido, parece não ter sido suficiente para garantir uma eficaz mudança nos hábitos do consumo promovidos por várias cadeias de distribuição alimentar. E como responde o Governo da República a isto? Decide retroceder na obrigatoriedade da disponibilização aos consumidores de alternativas à distribuição de sacos de plástico.

Ora o espírito da lei, pelo menos na sua génese construtiva, fica delapidado quando, a um dia da sua efectiva entrada em vigor (e após 4 anos da sua homologação), a República vem anunciar que, afinal, não passa a ser proibida a comercialização dos sacos de plástico.

Não se pode dizer que esta lei tenha sido criada “à papo-seco”, mas certamente que este revés vem demonstrar a incapacidade do Governo, mesmo concedendo moratórias, em garantir uma justa aplicação da lei, sob pressão das grandes cadeias de distribuição. E perante essa incapacidade, decide “à papo-seco” que, afinal, serão os consumidores a arcar com esse custo, face a intransigência das grandes cadeias de distribuição em arranjarem alternativas.

Por falar em papo-secos, e ainda no seguimento do tema, o PAN/Açores apresentou esta semana uma proposta de alteração à lei regional que define o Regime de Redução do Consumo de Produtos de Plástico de Utilização Única nos Açores, para que os refeitórios e cantinas sob tutela da administração pública deixem de disponibilizar individualmente pão embalado em invólucros de plástico, propondo como alternativa a utilização de sacos de papel ou então, como já foi prática, a recolha ou distribuição com recurso a tenazes.

Poderá parecer, para alguns, uma medida descabida, insignificante ou feita à papo-seco, mas se formos contabilizar, anualmente, o número de sacos de plásticos utilizados apenas para este fim (com tão pouco tempo de “vida útil” mas levando uma eternidade a decompor-se), seria bem demonstrativo da dimensão e impacto que esta forma de acondicionamento, totalmente dispensável, gera na produção de resíduos.

A ação chave está em reduzir, adotar um comportamento racional, responsável e sustentável para reduzir, no imediato, o consumo e utilização de produtos compostos por plásticos, alterando o modelo de consumo linear. Não podemos continuar a viver “embrulhados” em plástico nem a aplicar medidas “à papo-seco” nestas matérias.