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“Homo plasticus” ou remar contramaré

Sónia Domingos - Tribuna das Ilhas

Na primeira sessão plenária do ano discutiu-se e votou-se um diploma apresentado pelo PAN/Açores que cria um projecto piloto de incentivo à recolha, depósito e valorização do lixo marinho. 

Presume-se que todos reconhecem a importância da recolha de lixo marinho, um fenómeno global que desconhece fronteiras, atravessando espaço e tempo até chegar às nossas costas, e a sua valorização, vital ante as oportunidades de reciclagem e reaproveitamento, primando pelo princípio da abordagem circular da economia com enfoque na regeneração. 

Se é verdade que a natureza se regenera, é bem menos conclusivo que os humanos estão em condições, enquanto espécie ameaçada e “extrativista” de o fazer, nesta era ecológica do Antropoceno, sem uma inescusável mudança de comportamentos. A melhor forma de o fazer é através da avaliação da pegada ecológica. Para tal, são necessárias ferramentas apropriadas e isso só é exequível concebendo mecanismos práticos. 

Segundo dados oficiais, 80% do lixo marinho é constituído por plástico, dos quais 50% representam artigos de utilização única. Os artefactos relacionados com a pesca perfazem um total de cerca de 27% de todo o lixo marinho.

A iniciativa, seguindo diretrizes e metas europeias para a redução de resíduos de plástico e objectivos de vários programas nacionais e regionais, tem como finalidade criar um sistema de recolha de artes de pesca “fantasma” e dar-lhes, se possível, nova existência. Dá especial relevância à recolha de lixo marinho manufaturado ou processado, descartado ou perdido no ambiente marinho ou costeiro. Aquele que é transportado de terra pelas ribeiras, sistemas de drenagem, sistemas de tratamento de águas residuais ou pelo vento. Assegura a recolha das mesmas em sistema de depósitos implementados em portos a definir na Região. Cria um “Repositório de artes de pesca», uma plataforma para armazenamento, salvaguarda e revalorização de matérias com potencial para restauro e reutilização, permitindo a criação e dinamização dos locais criados para depósito. 

Implementa um sistema de incentivo pecuniário que consiste na atribuição de um prémio monetário entregue às embarcações que recolhem redes em fim de vida e as depositem, adicionando uma organização mais consistente na recolha e selecção de resíduos, em especial nos portos e núcleos de pesca. Além disto, permite a troca destas por materiais biodegradáveis com localizadores a fim de evitar a proliferação de redes fantasma.

Mas, apesar do diploma ter sido aplaudido por unanimidade por todas as bancadas, incluindo pelo responsável pela tutela do Mar e das Pescas, um ou outro deputado não conseguiu evitar resvalar na critica fácil. Ora, se para alguns partidos da coligação a proposta não acrescenta nada ao “activismo”anti-plástico, poder-se-á argumentar que nunca ninguém se lembrou de redigir algo semelhante com a humildade democrática de acompanhar movimentos de cidadania e associativistas.

 O texto do PAN tem o mérito de fomentar a literacia para a conservação da limpeza do oceano e costa e, ainda, institucionaliza o papel na linha da frente dos pescadores e de outros operados marítimos neste contexto nos Açores. Não entra na corrida com nenhum projeto, apenas completa trabalho já em curso no qual cada um de nós deve assumir o seu desígnio.