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O último grito do primata

Os animais selvagens em cativeiro vivem uma realidade profundamente distorcida da qual estariam destinados à nascença. Privados do seu habitat de origem, são forçados a adaptar-se a espaços artificiais e controlados, não podendo expressar plenamente os seus instintos, comportamentos sociais ou rotinas naturais, limitados a uma paisagem de encenação estética, numa tentativa de recriação do ambiente que lhes foi vedado.  

A alimentação é programada, os ciclos de actividade são interrompidos, e a interação com outros membros da sua espécie é frequentemente inexistente ou limitada. Animais que, em liberdade, percorrem quilómetros, caçam e comunicam em complexos sistemas sociais, são reduzidos a rotinas monótonas, marcadas por comportamentos estereotipados, sob o olhar de milhares de visitantes que, consciente ou inconscientemente, compactuam com um sistema que transforma seres vivos em atracções, consumidos como forma de espectáculo. 

O cativeiro, mesmo quando disfarçado de cuidado, é uma forma de violência e, nos Açores, a narrativa não foi muito diferente. Marcado por negligência, silêncio institucional e uma persistente ausência de responsabilidade, o caso do antigo Parque Zoológico da Povoação é um exemplo paradigmático de como o desrespeito pelo bem-estar animal pode perpetuar-se por décadas sob o olhar cúmplice de quem nos governa.  

Erguido sem qualquer critério técnico, condições sanitárias e em flagrante incumprimento da legislação vigente, funcionou durante mais de duas décadas em situação irregular, oferecendo um espectáculo degradante, onde os animais eram exibidos em espaços exíguos, privados de estímulos, dignidade e liberdade, que a pressão pública pôs fim.  

À época, três primatas viviam no local, um deles nascido já em cativeiro, tendo sido posteriormente apreendidos e ficado sob tutela da CM da Povoação — a mesma entidade que havia criado e mantido uma situação de violação dos preceitos legais e éticos, tornara-se a fiel depositária dos animais. 

Apenas um dos três primatas sobreviveu. “Xico” (sobre)vive sozinho, isolado da sua espécie, num espaço que continua a não oferecer as mínimas condições de bem-estar. Uma solidão imposta que reflete a indiferença institucional e a falência ética de um sistema a quem deve o compromisso de proteger os mais vulneráveis, não se conhecendo qualquer plano concreto para o seu destino, por forma a garantir-lhe uma vida digna, num santuário ou centro de recuperação. 

Existem ainda animais selvagens apreendidos na Região, sob a guarda dos seus tutores originários — muitos dos quais incumpridores — situação que motivou um requerimento do PAN/A ao Governo, com o intuito de perceber quantos animais permanecem nesta situação, que diligências foram feitas para a sua transferência para locais adequados e que medidas estão a ser tomadas para garantir o cumprimento da legislação e o respeito pelo bem-estar animal.  

Não podemos continuar a ser cúmplices de um modelo falido e cruel.