LisboaTouradas

Pedido de informação escrita sobre a propriedade e uso do prédio onde se localiza a Praça de Touros do Campo Pequeno

  1. Praça de Touros do Campo Pequeno

Na sequência de uma Deliberação da Câmara Municipal de Lisboa de 16 de fevereiro de 1889, esta concedeu à Real Casa Pia um terreno municipal necessário para a construção de um edifício adequado à edificação de uma praça de Touros, no Campo Pequeno, hoje largo Doutor Afonso Pena, com as seguintes condições:

  • 1ª Que o projeto da praça fosse submetido à aprovação municipal;
  • 2ª Que a posse do terreno voltasse para a câmara, logo que ao edifício fosse dado um destino diverso daquele para que foi requerida a licença ou fosse alienado pela Real Casa Pia;
  • 3º Que pelos representantes legais da mesma real casa fosse assignado o termo em que se obrigavam ao cumprimento destas.

Posteriormente, em 1881, terá sido assinada uma “escritura empreitada e cessão de direitos” através da qual a empresa Tauromáquica Lisbonense se obrigou a construir a Praça de Touros do Campo Pequeno, ficando com a concessão da sua exploração pelo prazo de 90 anos e 9 meses para a sua exploração, contados a partir de 1 de abril de 1892, pelo que esta exploração terminaria a 31 de dezembro de 1982.

Na certidão do Registo Predial consta a referida cedência camarária à Casa Pia de Lisboa, estando inscritas as condições definidas desde o início da concessão (as já supracitadas de 1889 – projeto do edifício aprovado pela edilidade e posse do terreno voltar à câmara caso o edifício fosse alienado ou lhe fosse dado destino diferente).

Também, de acordo com a Caderneta Predial a entidade responsável pelo cumprimento das obrigações fiscais relativas ao edifício da Praça de Touros do Campo Pequeno é a Casa Pia, I.P.

2. Parque de estacionamento subterrâneo, com área comercial envolvente

De acordo com uma proposta aprovada pela CML e pela Assembleia Municipal de Lisboa em 1995 (Proposta 514/95), a edilidade procedeu à desafetação do domínio público municipal para o domínio privado municipal uma parcela de terreno com 17.200m2, em subsolo, situada no Campo Pequeno, com o objetivo de se construir um parque de estacionamento subterrâneo, com área comercial envolvente, já com o objetivo de o atribuir à Casa Pia de Lisboa.

Ainda em 1995, procedeu-se à inscrição no Registo Predial desta desafetação do domínio público e integração no domínio privado e em 1997, realizou-se a escritura de constituição de direito de superfície em subsolo, pelo prazo de 99 anos consecutivos, dessa mesma parcela a favor da Casa Pia de Lisboa, I.P., mantendo-se o destino de “construção de um parque de estacionamento subterrâneo, com área comercial envolvente”.

Contudo, logo em 1998, a Sociedade de Renovação Urbana Campo Pequeno, S.A., adquiriu esse direito à Casa Pia de Lisboa, tendo aliás sido esta sociedade que procedeu a todo o procedimento de licenciamento do centro comercial e do parque de estacionamento ali construídos.

Ora, Considerando que:

– Uma das condições de cedência do terreno à Casa Pia de Lisboa em 1890, onde hoje se localiza hoje a Praça de Touros do Campo Pequeno era precisamente “que a posse do terreno voltasse para a câmara, logo que ao edifício fosse dado um destino diverso daquele para que foi requerida a licença ou fosse alienado pela real Casa Pia considerando que a cedência tinha como condição a Casa Pia não alienar o terreno”, ou seja, que para além de ser um espaço destinado a espetáculos não podia ser alienado pela Casa Pia;

– Em 2014, o Comité dos Direitos da Criança das Nações Unidas, responsável pelo cumprimento da Convenção dos Direitos da Criança, instou o Estado português a adotar medidas para afastar as crianças e jovens daquilo que classificou a “violência das touradas”, tendo incluído as touradas no capítulo “violência contra crianças” no relatório periódico de avaliação a Portugal, a par dos castigos corporais, abuso e negligência;

– A Câmara Municipal de Lisboa se candidatou em 2016 ao programa da UNICEF “Cidade Amiga das Crianças”[1];(embora apresentada ao público, não se conhece a formalização da mesma);

– De acordo com o documento “Construir Cidades Amigas das Crianças – Um quadro para a ação”, elaborado pelo Comité Português para a UNICEF em Novembro de 2015 [2], “À luz da Convenção, os Governos, incluindo a administração local, devem garantir que o interesse superior da criança seja uma prioridade em todos os assuntos que lhe dizem respeito”;

– A Casa Pia de Lisboa é um instituto público que tem como missão a promoção dos direitos e a proteção das crianças e jovens;

– Paralelamente e de acordo com as notícias que têm vindo a ser difundidas nos meios de comunicação social, decorre desde 2014 o processo de insolvência da empresa Sociedade de Renovação Urbana do Campo Pequeno, S.A., estando em causa o futuro da gestão da atual Praça de Touros do Campo Pequeno, designadamente devido à possível venda em breve da Sociedade de Renovação Urbana do Campo Pequeno, S.A;

– Desde o ano de 2013 que Lisboa criou a figura do Provedor Municipal dos Animais de Lisboa, com a missão de zelar pelos direitos e interesses legítimos dos animais da cidade;

– Desde Maio de 2017 que vigora em Portugal o Estatuto Jurídico próprio dos animais, que reconhece que os animais são seres vivos dotados de sensibilidade;

– Mesmo que assim não fosse, consideramos que os valores humanitários que devem estar subjacentes à prossecução das políticas, não podem menosprezar o respeito pela vida e pela dignidade animal, o que não acontece nas corridas de touros, não fazendo sentido que em pleno coração da capital se permitam as maiores sevícias aos touros e cavalos envolvidos nesta atividade anacrónica;

– Existem prejuízos financeiros para a autarquia decorrentes desta cedência do direito de superfície, decorrentes da uma isenção no pagamento de IMI (da Arena e das Lojas existentes) que ascendem a € 12.402.910,00, sendo que, a entidade que está a beneficiar desta mesma isenção são os privados – quer a SRUCP, quer quem explora os espaços comerciais existentes.

Mais considerando,

– Que apesar de na sessão de Perguntas à Câmara ocorrida em 27 de Março o Grupo Municipal do PAN ter colocado as perguntas que infra se apresentam, a resposta do Exmo. Senhor Presidente da Câmara foi manifestamente insuficiente;

Pelo exposto, vem o Grupo Municipal do PAN requer a V.ª Ex.ª se digne, nos termos da alínea g) do artigo 15º do Regimento da Assembleia Municipal de Lisboa, e da alínea d) do n.º 2 do artigo 25° do Regime Jurídico das Autarquias Locais, aprovado pela Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, que solicite à Câmara Municipal de Lisboa esclarecimento escrito sobre as seguintes questões:

  1. Qual o posicionamento da Câmara Municipal relativamente aos apoios institucionais à tauromaquia, designadamente, por via da Associação de Turismo de Lisboa, bem como da cedência de quaisquer meios da autarquia, como direitos de superfície, publicidade nos meios de comunicação institucional, isenções, entre outros, designadamente através dos seguintes esclarecimentos?
  2. A Câmara Municipal de Lisboa que preside à Associação de Turismo de Lisboa, tomou alguma diligência no sentido de se proceder à revisão dos Estatuto da ATL, para que não seja permitida a adesão de quaisquer entidades cuja atividade seja lesiva do bem-estar e do sofrimento animal, como é o caso da Sociedade Campo Pequeno e da Sociedade de Renovação Urbana do Campos Pequeno?
  3. Considerando o averbamento constante do direito de superfície e de propriedade da Praça de Touros do Campo Pequeno, a CML pretende manter a imposição de se realizarem touradas no Campo Pequeno ou está disposta a abdicar dessa mesma imposição?
  4. Face à insolvência da sociedade que gere o Campo Pequeno, a CML estuda a possibilidade de reclamar a posse daquela sala de espetáculo e encontrar uma forma de substituir a realização de eventos tauromáquicos por outros, como sejam eventos musicais, desportivos ou outros?
  5. Por que razão é que o município constituiu um direito de superfície a favor da Casa Pia de Lisboa, que posteriormente alienou à Sociedade de Renovação Urbana do Campo Pequeno, S.A., a parte referente ao subsolo e acessos aos mesmo, sem que tivesse sido precedido de qualquer procedimento concursal?
  6. Se o objetivo era a “construção de um parque de estacionamento subterrâneo, com área comercial envolvente”, por que razão foi o direito de superfície constituído a favor da Casa Pia de Lisboa e não a outra entidade, para mais, sem que tivesse sido precedido de qualquer procedimento concursal?
  7. Que tipo procedimento de controlo prévio foi adotado para a construção do parque de estacionamento subterrâneo?

Lisboa, 2 de abril de 2018.

O Grupo Municipal

Do Pessoas – Animais – Natureza

Miguel Santos                                                                        
Inês de Sousa Real

(Deputados Municipais)

[1] http://www.cm-lisboa.pt/viver/intervencao-social/noticias/detalhe-da-noticia/article/lisboa-cidade-amiga-das-criancas
[2]
http://www.unicef.pt/CAC_Quadro_para_Acao.pdf