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Prevê um regime de incentivos para a representação equilibrada entre mulheres e homens nos órgãos de administração, fiscalização ou gerência das sociedades comerciais

Exposição de motivos

Segundo o relatório As One for Diversity, Equity & Inclusion[1], é expectável que apenas em 2052 homens e mulheres recebam o mesmo salário médio mensal para funções homólogas e essa diferença salarial persista mais três décadas.

De acordo com o mesmo estudo, “apenas em 2063 o número de mulheres e homens em posições executivas deverá ser similar“.

O Gender Diversity Index 2020 (GDI), o estudo que analisa a representatividade de género nos conselhos de administração e nos cargos executivos das maiores empresas europeias, revela que as 600 empresas registadas no índice bolsista STOXX Europe de 16 países europeus, incluindo Portugal, têm progredido, embora lentamente, relativamente à igualdade de género. Todavia, os resultados mostram que Portugal está em 13.º no ranking dos 16 países do STOXX Europe 600 abrangidos nesta análise.

No que diz respeito a cargos  executivos e de chefia, as mulheres representam apenas 17% de todos os líderes. Apenas 6% das 668 empresas analisadas têm uma mulher CEO e apenas 19% têm uma mulher em pelo menos um dos cargos de chefia.

Estes exemplos demonstram que é necessário existir o compromisso em atender às necessidades das mulheres e o compromisso em alcançar a igualdade de género.

A lei que aprova o Orçamento do Estado para 2023, refere, no seu artigo 14.º, ser um orçamento com perspetiva de género. No entanto, fica muito aquém do necessário no que diz respeito à promoção da igualdade de género, nomeadamente por via de incentivos e/ou benefícios às empresas que ativamente promovam a igualdade de género, seja pela via salarial, seja pela garantia do respeito pelas quotas de género, à semelhança do que é exigido no regime da representação equilibrada entre mulheres e homens da Lei n.º 62/2017, de 1 de agosto.

Para além disso é necessário, combater valores patriarcais, em que as mulheres persistem como aquelas a quem cabe tratar da casa e dos filhos e que será aos homens que cabe a função de gerir e administrar empresas.

Em 2007, a Noruega introduziu a figura das quotas de género na legislação nacional obrigando os conselhos de administração das sociedades cotadas a assegurar uma quota mínima do género sub-representado, o feminino, de 40 por cento. Levantaram-se, por um lado, vozes de discórdia que invocavam  a meritocracia e a redução de um profissional ao seu género e não ao seu valor enquanto recurso humano, mas por outro, ainda que se diga que as quotas se traduzem numa medida artificial de incluir mulheres nos centros de poder, as quotas são, indubitavelmente, um impulsionador da mudança necessária para um equilíbrio representativo e digno para ambos os géneros, desafiador do status quo e do modelo de poder instalado de desigualdades estruturais. Porque o mérito não é exclusivo dos homens.

Em Portugal, só em 2017 se conseguiu aprovar o regime da representação equilibrada entre mulheres e homens nos órgãos de administração e de fiscalização das entidades do sector público empresarial e das empresas cotadas em bolsa (Lei 62/2017). Da referida lei resulta que as empresas cotadas estão vinculadas a uma quota mínima de 20 por cento nos mandatos iniciados em 2018, que sobe para 33,3 por cento em 2020.

Na política, já desde 2006 que temos a Lei da Paridade, que visa assegurar uma representatividade mínima de 33,33 por cento do género sub-representado nas listas eleitorais, para além das listas concorrentes a cargos autárquicos ou a composição dos órgãos de instituições públicas.

Tem sido feito um caminho importante, mas não há dúvida que as mulheres continuam afastadas dos centros de decisão económicos das empresas.

Apesar de segundo o último Índice de Igualdade de Género (2020) realizado pelo Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE), Portugal ter feito progressos e o número de mulheres em conselhos de administração ter aumentado 14% em três anos, Portugal encontra-se ainda a 6,6 pontos abaixo da média europeia.

Por isso, a inclusão das mulheres na tomada de decisão, não se prende à igualdade de oportunidades, mas também à própria progressão de carreira, conciliação da vida profissional pessoal e familiar, igualdade de remuneração por trabalho igual, entre tantos outros sectores em que a desigualdade estrutural persiste.

A igualdade plena entre homens e mulheres constrói e promove o desenvolvimento económico e um futuro construído colaborativamente.

A previsão de quotas para as empresas por si só não resolve a total dimensão dos problemas da desigualdade de género, no entanto, sabemos que o respeito pelas quotas deverá ser promovido e incentivado, de forma a que as sociedades, essencialmente as pequenas e médias empresas, onde a desigualdade é mais latente, por se assumir cargos executivos e de administração de eventual maior responsabilidade, sejam instadas, pela positiva, a cumprir um plano de igualdade de género e promover as mulheres para os centros de poder e de decisão das respectivas empresas.

Esta medida é pensada para ter um carácter marcadamente transitório, com vista a que, em breve, pelo menos para a próxima geração esta já seja uma realidade interiorizada pela sociedade para a qual se espera que já não seja preciso qualquer incentivo ou qualquer obrigatoriedade, pois espera-se que, a esse tempo, e por medidas como a que o PAN ora apresenta, as mulheres já estejam sentadas à mesa das decisões.

Nestes termos, a abaixo assinada Deputada Única do PESSOAS-ANIMAIS-NATUREZA, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, apresenta o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

1 – A presente lei estabelece um regime de incentivos para a representação equilibrada entre mulheres e homens nos órgãos de administração, fiscalização ou gerência das sociedades comerciais, promovendo a igualdade de género e incentivando as mesmas a assegurar uma quota mínima do género sub-representado, nomeadamente do sexo feminino, em cargos de administração no setor privado.

2 – A proporção das pessoas de cada sexo designadas em razão das suas competências, aptidões, experiência e qualificações legalmente exigíveis para os órgãos referidos no número anterior obedece aos limiares mínimos definidos na presente lei.

 Artigo 2.º

Âmbito de aplicação

1 – A presente lei é aplicável, com as necessárias adaptações, às sociedades comerciais com sede em território nacional e que aí desenvolvem a sua atividade comercial há pelo menos 5 anos.

2 – O regime previsto na presente lei aplica-se a às médias e às grandes empresas, nos termos do disposto no artigo 100.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro.

Artigo 3.º

Definições

Para efeitos da presente lei, considera-se:

a) «Órgãos de administração», os conselhos diretivos, os conselhos executivos, os conselhos de administração ou outros órgãos com competências análogas;

b) «Órgãos de fiscalização», os conselhos fiscais, os conselhos gerais e de supervisão ou outros órgãos colegiais com competências análogas;

c) «Gerência», o órgão de  administração e a representação das sociedades por quotas, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 191.º e ss. do Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei  n.º 262/86, de 2 de setembro.

d) «Sociedades comerciais», aquelas que tenham por objeto a prática de atos de comércio e adotem o tipo de sociedade em nome coletivo, de sociedade por quotas, de sociedade anónima, de sociedade em comandita simples ou de sociedade em comandita por ações nos termos do disposto no Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei  n.º 262/86, de 2 de setembro.

Artigo 4.º

Beneficiários

1 – As sociedades comerciais cuja proporção de pessoas de cada sexo designadas para cada órgão de administração e fiscalização ou gerência de cada empresa seja superior a 40% beneficiam de um regime de incentivos para a representação equilibrada.

2 – Sempre que da aplicação da percentagem prevista nos números anteriores se obtiver como resultado um número não inteiro, o mesmo é arredondado para a unidade seguinte.

3 – Para a atribuição do regime de incentivos previsto na presente lei as sociedades comerciais têm que verificar a situação contributiva e tributária regularizadas perante a Segurança Social e a Autoridade Tributária.

3 – Para efeitos dos números anteriores, deve ser considerado o número de administradores ou gerentes correspondente ao biénio antecedente.

Artigo 5.º

Inventivos para a representação paritária nas empresas

As sociedades que beneficiem das medidas previstas na presente lei têm direito a um incentivo financeiro, a definir por Portaria do Governo,  para apoio à promoção da igualdade de género na empresa, no âmbito do Programa Conciliação e Igualdade de Género a que se refere a Resolução do Conselho de Ministros n.º 9/2020, de 28 de fevereiro e nos termos do Plano de ação para a igualdade entre mulheres e homens (PAIMH) incluida na Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação — Portugal + Igual, aprovada em Resolução do Conselho de Ministros n.º 61/2018, com vista ao cumprimento do segundo objectivo estratégico correspondente a garantir as condições para uma participação plena e igualitária de mulheres e homens no mercado de trabalho e na atividade profissional.

Artigo 6.º

Planos para a igualdade

1 – As sociedades comerciais beneficiárias terão de elaborar, anualmente, planos para a igualdade tendentes a alcançar uma efetiva igualdade de tratamento e de oportunidades entre mulheres e homens, promovendo a eliminação da discriminação em função do sexo e fomentando a conciliação entre a vida pessoal, familiar e profissional, devendo publicá-los no respetivo sítio na Internet.

2 – A elaboração dos planos para a igualdade deve seguir o previsto no «guião para a implementação de planos de igualdade para as empresas», disponível no sítio na Internet da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, e nos produtos desenvolvidos no âmbito do projeto «Diálogo social e igualdade nas empresas», disponíveis no sítio na Internet da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego.

3 – Sempre que solicitados,  os planos para a igualdade devem ser enviados à Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género e à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego.

4 – A Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego pode emitir recomendações sobre os planos para a igualdade, devendo publicá-las no respetivo sítio na Internet.

Artigo 7.º

Regulamentação

O membro do Governo responsável pela área da cidadania e da igualdade aprova, no prazo de 30 dias após a publicação da presente lei, uma portaria de regulamentação do disposto na presente lei, definindo designadamente regras sobre apresentação de candidaturas, critérios de selecção, decisão, alteração de candidaturas, execução de medidas e criação de gabinete de acompanhamento.

Artigo 8.º

Financiamento

Os apoios previstos na presente lei são financiados pelo Orçamento do Estado e são passíveis de financiamento europeu, nomeadamente por via do excedente do novo cálculo das subvenções do Plano de Recuperação e Resiliência, sendo-lhes aplicáveis as respetivas disposições do direito nacional e da união europeia.

Artigo 9.º

Acompanhamento

1 – A aplicação da presente lei é objeto de avaliação e acompanhamento pela CIG, em colaboração com o ACT.

2 – A CIG apresenta um estudo com medidas que promovam a representação paritária nos órgãos de administração das empresas tendo em conta a avaliação prevista no presente artigo.

Artigo 10.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor na data de entrada em vigor do Orçamento do Estado subsequente à sua publicação.

Assembleia da República, Palácio de São Bento, 28 de novembro de 2022

A Deputada,

Inês de Sousa Real


[1] Relatório As One for Diversity, Equity & Inclusion, iniciativa da Merck, operacionalizada pela Spirituc, empresa de estudos de mercado especializada na área médica.