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Quem sai aos seus…

Para Spinoza a auto-preservação é o primum movens da existência humana e a liberdade exercida a qualquer momento na defesa deste interesse muitas vezes coexiste com práticas menos correctas. Assim é igualmente na política e entre muitos políticos, onde a sua sobrevivência depende do voto e este alimenta-se do mediatismo, da propaganda, do populismo, do trade off e, naturalmente, do controlo do sistema.

Apesar de cada um de nós ser uma singularidade, todos partilhamos as mesmas necessidades que Maslow bem soube ilustrar nos cinco patamares da sua pirâmide. O segundo deles refere-se à necessidade de segurança, entenda-se um bom emprego, boa cama e boa mesa. Já o penúltimo diz respeito ao reconhecimento pelos demais e, simplisticamente, isso ocorre pelo destaque intelectual ou físico, status social muitas vezes relacionado com riqueza e pelo poder exercido em cargos de autoridade, seja por eleição ou nomeação.  

Porém, subir na vida nem sempre ocorre por mérito e muito menos pelos trilhos mais éticos. Na política descortinamos vários casos ilustrativos. Os eleitos exercem o poder por direito e delegam-no numa teia de hierarquias que nomeiam, nem sempre pela competência porque há sempre os fiéis comensais que reclamam estatuto pelos bons ofícios já prestados, enquanto, ao mesmo tempo, servirão de sustentáculo e instrumentalização do próprio sistema. O reino da cephalopodia política no seu melhor.

Ora isto leva-nos à velha dança das cadeiras sob a batuta viciada de um mandador. Dito de outra forma, qualquer velha escolha que não pertença à nova matilha é persona non grata e tem o destino traçado, mais parecendo às vezes um galo empoleirado no meio de lobos tentando discutir sobre qual será o prato para o jantar. Logo virão as mais mirabolantes justificações sobre a escolha do menu, nem que se diga do pobre devorado aquilo que nem Maomé diria sobre o toucinho.

Portanto, o novo lema após cada vitória passou a ser: vene, vidi e…demiti. E se é certo que a purga é uma praxis legal, a verdade é que na política deveria imperar o preceito moral de Kant, despojado de interesses e comandado somente por uma razão suprema. Não vamos tão longe quanto Nietzsche, que desejava que o governo da humanidade fosse confiado a filósofos, ainda que governantes e deputados devessem reflectir mais sobre ética, mas já seremos menos cépticos em aceitar que para um político os outros humanos se resumem a duas meras classes: inimigos e instrumentos.

No parlamento, a recorrente inviabilização de certas ideias, que até poderiam ser melhoradas no interesse público, apenas devido a guerras ideológicas e inimizades políticas, é bem o paradigma do que se acaba de descrever. De igual forma, a instrumentalização partidária de todo o sistema por meio de escolhas directas dos ditos comensais, em lugares da administração central, empresas públicas ou até em instituições privadas através do tráfico de influências, é amoral e só serve para descredibilizar uma classe que, com os seus jotas, se vai tornando numa autêntica profissão cada vez mais alheada da realidade.

O imperativo kantesiano age só segundo a máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal acabou por ser tomado à letra pelos nossos governantes, mas desvirtuando a sua pureza original. E foi assim, sem decoro, que o direito ao tacho se tornou numa abjecta norma generalizada.

Se revisitarmos as nomeações públicas no último ano e meio podemos constatar que este Governo Regional, que, tal como os anteriores, tanto propagandeou a transparência, o mérito e o concurso público, também não foge a esta regra. Afinal todos têm a mesma genética cooperativista e, como diz o povo, quem sai aos seus não degenera.