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Recomendação – Pela criação de corredores e abrigos para abelhas e outros insetos polinizadores

Pela criação de corredores e abrigos para abelhas e outros insetos polinizadores

Hoje é reconhecida importância da preservação da biodiversidade e da proteção da natureza, bem como o papel da biodiversidade na afirmação da identidade de um território e de uma nação, em conjunto com o património histórico e cultural.

Para a assunção deste papel foi de extrema importância a Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento[1], de 1992, na qual foi adotada a Convenção sobre a Diversidade Biológica[2] (CDB), ratificada por Portugal através do Decreto n.º 21/93, de 21 de junho, que entrou em vigor a 21 de março de 1994.

Ao longo dos anos, têm sido múltiplos os compromissos redigidos para travar a perca de biodiversidade. Na Décima Conferência das Partes (COP10) da Convenção sobre a Diversidade Biológica, realizada em Nagoia em 2010, assumiu-se o Plano Estratégico Global para a Biodiversidade para o período de 2011- 2020, estabelecendo as metas de biodiversidade de Aichi (20 metas organizadas em 5 objetivos fundamentais para a proteção da biodiversidade até 2020).

Porém, decorridos 26 anos sobre a assinatura por 196 países desse tratado inicial, que visa promover a conservação da biodiversidade, o uso sustentável dos seus componentes e a divisão justa dos benefícios obtidos com a utilização de recursos genéticos, e quando estamos na reta final da chamada Década das Nações Unidas para a Biodiversidade 2011-2020, continuamos a assistir à extinção de várias espécies devido às atividades humanas.

O objetivo central de travar a perda de biodiversidade e a degradação dos serviços ecossistémicos também foi assumido pela União Europeia[3] que estabeleceu a “Estratégia de Biodiversidade da UE para 2020[4],[5], determinando assim os seus objetivos nesta matéria e definindo o caminho para cumprir os seus compromissos a nível global.

Porém, apesar de todos estes compromissos, os relatórios têm sido claros ao afirmarem que as metas de preservação da biodiversidade não têm sido atingidas:

  • O relatório «As 3.as perspetivas mundiais sobre a biodiversidade», publicado pelo secretariado da CDB, demonstrou que a meta estabelecida para 2010, relativa à biodiversidade, não tinha sido atingida;
  • O Programa das Nações Unidas para o Ambiente afirmou que cerca de 24% das espécies pertencentes a grupos como as borboletas, as aves e os mamíferos já desapareceram completamente do território de alguns países europeus.
  • A União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) tem alertado consecutivamente para as ameaças que pendem sobre a biodiversidade. Alguns dos números: 23 % dos anfíbios, 19 % dos répteis, 15 % dos mamíferos e 13 % das aves da Europa encontram-se ameaçados.

O recente relatório da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistémicos[6] (IPBES),que avalia as mudanças nas últimas cinco décadas e tem o contributo de 310 autores, publicado pelas Nações Unidas, alertou novamente para o facto de dos oito milhões de espécies no mundo existirem cerca de um milhão (animais e plantas) sob ameaça de extinção, mostrando uma clara relação entre os caminhos, o desenvolvimento económico e os impactos na natureza.

Neste relatório os números agravam-se: 40% das espécies de anfíbios, 33% dos recifes de coral, tubarões e espécies afins, bem como mais de um terço dos mamíferos marinhos se encontram ameaçados; quanto aos insetos, segundo os especialistas, cerca de 10% das espécies estão em risco de desaparecer.

Este estudo destacou que um dos impactos desta perda é o desaparecimento dos animais polinizadores e o seu efeito negativo, potencialmente sobre a polinização de alimentos como frutas e legumes.

Em todo este processo, a relação entre as cidades e a biodiversidade não tem sido bem compreendida, sendo necessário preencher este fosso, sobretudo quando sabemos que mais de metade da população mundial vive em cidades e que esta proporção irá aumentar.

O impacto das cidades e das decisões relativas a elas afetam a biodiversidade existente no seu território, mas também fora delas e vice-versa. Assim, a governança das cidades deve assumir um papel de relevo no contexto atual.

Além de uma rede de espaços verdes de recreio é também essencial pensarmos os corredores verdes e ainda espaços agro-ecológicos urbanos, como forma de melhorar a biodiversidade e ainda para providenciar bens produzidos no local.

Sabemos que a urbanização obrigou à deslocação de várias espécies, mas também outras espécies evoluíram como resposta às pressões surgindo novas comunidades de plantas e animais que evoluíram em áreas urbanas.

Como a urbanização está a mudar a natureza do nosso planeta, a preservação da biodiversidade tem de avançar para além das formas mais convencionais de proteção do que entendemos serem os “habitats naturais”.

Os jardins e parques urbanos tornaram-se, por exemplo, reservas de abelhas e outros polinizadores que têm dificuldade de sobreviver com as condições da agricultura intensiva, mas que desempenham um papel primodial na agricultura. Os terraços e fachadas verdes têm-se revelado novos habitats para espécies, podendo, até, vir a revelar-se o que o futuro reserva para a preservação da biodiversidade.

As cidades já são, hoje, uma nova classe de ecossistema devido as interações entre o sistema ecológico e o social, o natural e o construído. Assim, cabe-nos ter uma atitude também inovadora e não só preservar os componentes existentes, mas avançar dinamizando novos tipos de ecossistemas que facilitem uma reconciliação entre o desenvolvimento humano e a biodiversidade.

Considerando que:

Os insetos têm um papel fundamental no ecossistema terrestre, agindo como polinizadores e providenciando uma base alimentar para vários outros animais e que os impactos da atividade humana (urbanismo, desflorestação, degradação dos solos, alterações climáticas, etc.) nos insetos têm vindo a ser alvo de vários estudos científicos que alertam para a diminuição destes polinizadores[7].

Um estudo recente[8] aponta para o decrescimento do número de insetos nos últimos 25 anos na Alemanha, na ordem dos 75% e vários investigadores alertam para o “apocalipse ecológico dos insetos”.

As abelhas são particularmente vulneráveis e fundamentais para a biodiversidade e para a vida humana, tendo como maiores ameaças a perda de habitat, o uso de pesticidas, espécies invasoras, doenças e os impactos das alterações climáticas[9]. Revelando-se, desta forma, necessário desenvolver uma estratégia para a proteção e conservação das abelhas e outros insetos polinizadores, tendo como uma das suas prioridades minimizar a perda de habitats, criando canais de polinização, tanto em zonas rurais como urbanas.

As abelhas são tão importantes que chegaram a ser declaradas como seres vivos insubstituíveis pela Royal Geographical Society de Londres, durante a competição Earthwatch[10].. Como referiu David Susuki[11]: “Um mundo sem abelhas seria um mundo sem pessoas”, sendo exemplos de programas que visam a sua proteção na Europa:

  • Em Londres na zona de Brent, foi criado em maio deste ano um corredor para as abelhas[12] ;
  • Em Utrech o município transformou mais de 300 paragens de autocarro em santuários para abelhas, utilizando a cobertura para plantar erva e flores silvestres, permitindo ainda absorver partículas finas, armazenar água da chuva e arrefecer o ambiente em dias de calor;
  • A organização internacional Friends of the Earth propôs a criação de abrigos para abelhas[13], destinando-se a abelhas silvestres de hábito solitário que nidificam em pequenas cavidades que existem nas estruturas naturais.

Os abrigos para os insetos polinizadores são infraestruturas com várias cavidades de distintos diâmetros, permitindo a adaptação de várias espécies de abelhas e servindo como abrigo seguro para a nidificação das espécies silvestres de hábito solitário, aumentando assim a sua permanência nestes espaços verdes e mantendo-as seguras de agrotóxicos existentes em espaços externos não controlados.

Estas estruturas podem ainda albergar outros insetos importantes para a polinização e controlo de pragas, nomeadamente as borboletas, abelhões, vespas, escaravelhos, joaninhas e crisopas.

Outro aspeto importante da política de preservação e proteção dos polinizadores é assegurar a abundância, diversidade e continuidade de espécies autóctones florais atrativas para os insetos polinizadores. Só deste modo é possível fomentar o aumento das colónias destas espécies, das quais depende parte substancial da resiliência humana.

Face ao atrás apresentado contexto científico que aponta para o decrescimento das abelhas e de outros insetos polinizadores, devido à perda de habitats, ao uso de pesticidas e às alterações climáticas, entre outras causas, o Grupo Municipal do PAN propõe a implementação de um conjunto de medidas fundamentais para uma estratégia local de proteção de polinizadores.

Desta forma o Grupo Municipal vem propor que a Assembleia Municipal de Lisboa, na sua Sessão Ordinário de 12 de novembro delibere recomendar à Câmara Municipal de Lisboa:

  1.  A definição de um plano de zonas que poderão acolher os abrigos para insetos polinizadores e os corredores para insetos, nomeadamente:

•         Hortas comunitárias;

•         Jardins botânicos;

•         Áreas urbanas silvestres;

•         Jardins municipais;

•         Parques urbanos;

•         Corredores verdes.

  1.  O desenho e implantação de abrigos para insetos polinizadores e o cultivo de espécies de flores e plantas autóctones atrativas para os insetos polinizadores, colaborando para o aumento das suas colónias;
  2.  A formação de técnicas/os da divisão do Ambiente para a bio construção e manutenção destes abrigos;

IV. A elaboração de uma campanha de sensibilização para a importância dos insetos polinizadores na biodiversidade e no futuro do planeta, envolvendo as juntas de freguesia, escolas e comunidades locais, empresas e pessoas singulares, de modo a envolver diversos parceiros;

V. A promoção de um estudo, em parceria com a academia e grupos de cidadãos e organizações não governamentais ligadas às áreas do ambiente, da cidadania e da natureza, para se criarem corredores para abelhas no município;

VI. Desenvolver um programa de monitorização e avaliação do impacto das medidas implementadas;

VIII. Desenvolver uma estratégia integrada local para a protecção de insectos, incluindo a não utilização pesticidas nocivos para os insectos polinizadores e outras medidas de proteção.

Lisboa, 6 de novembro de 2019

O Grupo Municipal
do Pessoas – Animais – Natureza
Miguel Santos Inês de Sousa Real

 


[1] Realizada no Rio de Janeiro em 1992, levou à adoção da Convenção-Quadro sobre as Alterações Climáticas e à Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB), bem como à Declaração do Rio, a uma declaração de princípios sobre as florestas e ao programa «Agenda 21».

[2] A CDB é complementada por dois protocolos principais: Protocolo de Cartagena sobre segurança biológica, que visa proteger a biodiversidade dos potenciais riscos associados aos organismos vivos modificados resultantes da biotecnologia moderna, em vigor desde 2003; Protocolo de Nagoia relativo ao acesso aos recursos e à partilha dos benefícios, adotado em 2010 e em vigor desde 2014, que visa aumentar a segurança jurídica e a transparência para os fornecedores e os utilizadores de recursos genéticos.

[3] A União Europeia é Parte nas seguintes convenções: Convenção de Ramsar sobre a conservação de zonas húmidas (fevereiro de 1971); Convenção CITES (março de 1973); Convenção de Bona relativa à Conservação de Espécies Migratórias e de Animais Selvagens (junho de 1979); Convenção de Berna relativa à conservação da vida selvagem e dos habitats naturais da Europa (1982); Convenção do Rio de Janeiro sobre a Diversidade Biológica (1992); e nas seguintes convenções regionais: Convenção de Helsínquia para a Proteção do Meio Marinho da Zona do Mar Báltico (1974) A Convenção de Barcelona sobre o Mediterrâneo (1976); e a Convenção sobre a Proteção dos Alpes (1991).

[4] Tem 6 metas principais: proteção e recuperação da biodiversidade e dos serviços ecossistemas associados (metas 1 e 2), reforço da contribuição positiva da agricultura e das florestas, redução de pressões-chave sobre a biodiversidade da UE (metas 3, 4 e 5) e intensificação do contributo da UE para a biodiversidade global (meta 6). Cada meta está dividida num pacote de acções (20 no total) destinadas a dar resposta ao desafio específico por ela visado.

[5] https://ec.europa.eu/environment/pubs/pdf/factsheets/biodiversity_2020/2020%20Biodiversity%20Factsheet_PT.pdf

[6] https://www.ipbes.net/news/Media-Release-Global-Assessment

[7]Shortall, C. R., Moore, A., Smith, E., Hall, M. J., Woiwod, I. P., & Harrington, R. (2009). Long?term changes in the abundance of flying insects. Insect Conservation and Diversity, 2(4), 251-260.

[8] Hallmann, C. A., Sorg, M., Jongejans, E., Siepel, H., Hofland, N., Schwan, H., … & Goulson, D. (2017). More than 75 percent decline over 27 years in total flying insect biomass in protected areas. PloS one, 12(10), e0185809.

[9]  Brown, M. J., & Paxton, R. J. (2009). The conservation of bees: a global perspective. Apidologie, 40(3), 410-416.

[10] https://www.theguardian.com/environment/blog/2008/nov/21/wildlife-endangeredspecies

[11] https://davidsuzuki.org/?nab=1

[12] [1]https://www.bbc.com/news/uk-england-london-48187846

[13] [1]https://friendsoftheearth.uk/bees/bee-hotels-solitary-bees-simple-guide