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Recomendação – Pela garantia do direito ao voto para pessoas com deficiência ou mobilidade condicionada

Pela garantia do direito ao voto para pessoas com deficiência ou mobilidade condicionada

A Constituição da República Portuguesa consagra, no artigo 49.º,  que “Têm direito de sufrágio todos os cidadãos maiores de dezoito anos, ressalvadas as incapacidades previstas na lei geral.” O direito ao voto consiste, ao mesmo tempo, num dever cívico assente na responsabilidade e no exercício da cidadania. 

Trata-se de uma ação da maior importância para uma democracia participativa, saudável e forte. No entanto, embora estejamos na segunda década do século XXI,  muitas pessoas continuam a ver esse seu direito vedado ou dificultado, nomeadamente as pessoas com deficiência ou mobilidade condicionada.

No passado dia 17 de janeiro de 2021, dia em que foi permitido o voto antecipado para as eleições  presidenciais, que decorreram no dia 24 de janeiro de 2021, foi tornada pública a situação de pelo menos uma pessoa que estava de cadeira de rodas e levou mais de uma hora para conseguir votar na Cidade Universitária. Depois de ter sido redirecionada por três vezes até chegar ao local onde deveria votar, na Cantina da Cidade Universitária, deparou-se com um edifício que não era acessível. Acabou por ter de votar na rua, sem privacidade. 

Este não se trata de um caso único, somando-se, ano após ano, ato eleitoral atrás de ato eleitoral,  situações de pessoas que viram o seu direito ao voto obstado por lhes terem sido atribuídas mesas de voto em edifícios que não são acessíveis, porque, por exemplo, têm degraus e não possuem rampas, ou porque os elevadores estão avariados, entre outros casos, além da maioria destes edifícios não ter instalações adequadas para pessoas com mobilidade condicionada. 

Verifica-se que existe no nosso país ainda um vasto conjunto de edifícios, espaços públicos e instalações que não satisfazem as condições de acessibilidade e que impõem limitações às cidadãs e aos cidadãos que deles pretendam, legitimamente, usufruir, embora Portugal detenha ampla legislação nesta matéria.

Apesar de em 2006 ter sido aprovado o regime da acessibilidade aos edifícios e estabelecimentos que recebem público, via pública e edifícios habitacionais, através do Decreto-Lei n.º 163/2006, de 8 de agosto, revogando o anterior Decreto-Lei n.º 123/97, de 22 de maio, verifica-se que a mesma não é devidamente cumprida, nem devidamente fiscalizada. 

Recorde-se que de acordo com o Artigo 2 da legislação em vigor as normas técnicas sobre acessibilidades aplicam-se às instalações e respetivos espaços circundantes da administração pública central, regional e local, bem como dos institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos e também aos seguintes edifícios, estabelecimentos e equipamentos de utilização pública e via pública, entre outros, dos quais destacamos:
(…)
e) Estabelecimentos de educação pré-escolar e de ensino básico, secundário e superior, centros de formação, residenciais e cantinas;
(…)
m) Museus, teatros, cinemas, salas de congressos e conferências e bibliotecas públicas, bem como outros edifícios ou instalações destinados a actividades recreativas e sócio-culturais;
(…)
o) Instalações desportivas, designadamente estádios, campos de jogos e pistas de atletismo, pavilhões e salas de desporto, piscinas e centros de condição física, incluindo ginásios e clubes de saúde.”

A falta de acessibilidade não é apenas sentida nos atos eleitorais, mas ao longo de todo o ano pelas/os suas/seus utilizadoras/es, condicionando a autonomia e a vida destas cidadãs e cidadãos. Ou seja, decorridos praticamente 15 anos sobre a publicaçao do Decreto-Lei n.º 163/2006, de 8 de agosto, continua muito por fazer, em particular na luta contra a discriminação de pessoas com base na deficiência e no risco agravado de saúde, quando se iimpõe que toda a sociedade previna e remedeie os atos que se traduzam na violação de quaisquer direitos fundamentais, ou na recusa ou condicionamento do exercício de quaisquer direitos económicos, sociais, culturais ou outros, em razão da deficiência.

É de notar que, segundo a própria Comissão Nacional de Eleições (CNE), “em cada ato eleitoral a Comissão Nacional de Eleições recomenda a todas as câmaras municipais que promovam as medidas necessárias para garantir a todos os eleitores, e em especial aos cidadãos com mobilidade condicionada, as adequadas condições de acessibilidade aos locais em que irão funcionar as assembleias e secções de voto.”

À recomendação da CNE somam-se as várias recomendações apresentadas e aprovadas nesta Assembleia Municipal de Lisboa, das quais passamos a destacar as apresentadas pelo Grupo Municipal do PAN, nomeadamente:

  • Recomendação 034/06 – Acessibilidade para todas as pessoas (setembro de 2018), aprovada por unanimidade, focada sobretudo na necessidade de intensificar a fiscalização de operações urbanísticas de forma a garantir o cumprimento das condições de acessibilidade previstas na legislação em vigor;
  • Recomendação 062/05 – Por um melhor acesso e circulação nos transportes públicos (abril de 2019), aprovada por unanimidade, focada na acessibilidade aos transportes públicos;
  • Recomendação 123/10 – Uma cidade inclusiva e acessível para todas e todos (novembro de 2020), aprovada por unanimidade e que visa a criação de uma Estratégia Municipal de Acessibilidades, a avaliação da execução do Plano de Acessibilidade Pedonal de Lisboa 2014-2017 e a realização de um diagnóstico atualizado relativo ao cumprimento pleno da legislação sobre acessibilidades. 

Estando prevista a realização das eleições autárquicas em meros meses, é da maior importância que a Câmara Municipal de Lisboa identifique e colmate estes incumprimentos com brevidade, para que no próximo ato eleitoral mais ninguém tenha de ver o seu direito ao voto dificultado.

Face ao acima exposto, e considerando que as câmaras desempenham um papel crucial na  garantia das condições necessárias para que todas as pessoas exerçam o seu direito de voto, nomeadamente as condições de acessibilidade, vem o Grupo Municipal do PAN propor que a Assembleia Municipal de Lisboa, na sua Sessão Extraordinária com Declarações Políticas de 26 de janeiro de 2021, delibere recomendar à Câmara Municipal de Lisboa, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 15.º conjugado com o n.º 3 do artigo 71.º ambos do Regimento que:

  1. Realize o levantamento de todos os locais que estão em incumprimento da lei em vigor, certificando-se de que este diagnóstico abrange, entre outros, todos os edifícios e instalações onde poderão estar a funcionar as mesas de voto em futuros atos eleitorais, para que as situações sejam corrigidas atempadamente e seja assegurada a acessibilidade destes locais nas eleições autárquicas de 2021 e outros futuros atos eleitorais;
  2. Remeta a esta Assembleia Municipal de Lisboa o levantamento realizado das situações de incumprimento das normas técnicas em vigor aquando do seu envio para as entidades administrativas competentes;
  3. Garanta igualmente uma maior acessibilidade por via da informação disponibilizada relativamente às mesas de voto e as condições de acessibilidade.

Lisboa, 28 de janeiro de 2021

O Grupo Municipal do
Pessoas – Animais – Natureza

Miguel Santos – Inês de Sousa Real

1 –  Pessoas com mobilidade condicionada, isto é, pessoas em cadeiras de rodas, pessoas incapazes de andar ou que não conseguem percorrer grandes distâncias, pessoas com dificuldades sensoriais, tais como as pessoas cegas ou surdas, e ainda aquelas que, em virtude do seu percurso de vida, se apresentam transitoriamente condicionadas, como as grávidas, as crianças e os idosos.
2 – Alterado pelo Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9 de setembro, pelo Decreto-Lei n.º 125/2017 e pelo DL n.º 95/2019, de 18/07.
3 – As normas técnicas sobre acessibilidades aplicam-se ainda aos edifícios habitacionais e predominantemente habitacionais, considerando-se estes aqueles em que pelo menos 50 /prct. da sua área se destine a habitação e a usos complementares, designadamente estacionamento, arrecadação ou usos sociais.
4 -http://www.cne.pt/content/eleicoes-acessiveis