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Recomendação – Pela monitorização, cumprimento e atualização do Plano Municipal para a Pessoa em Situação de Sem-Abrigo 2019-2023 com novas respostas

Pela monitorização, cumprimento e atualização do Plano Municipal para a Pessoa em Situação de Sem-Abrigo 2019-2023 com novas respostas

Falar em pessoas em situação de sem-abrigo é falar de pessoas que carecem de uma habitação e que se encontram em situações de pobreza extrema. Algumas destas pessoas precisam de programas integrados de habitação e apoio (como o housing first[1]), outras precisam de soluções habitacionais e/ou de serem encaminhadas para formação, para o mercado de trabalho ou para empregos adaptados. Apesar de todos os constrangimentos atuais derivados da COVID-19 e da necessidade de uma atuação célere, é necessário acautelar que os programas estão a ser adequadamente direcionados, bem como os recursos financeiros que lhes estão alocados.

Aquando da aprovação do Plano Municipal para a Pessoa em Situação de Sem-Abrigo[2] que vigora em Lisboa (aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa a 17 de dezembro de 2019 e pela Assembleia Municipal a 3 de março 2020[3]), a autarquia anunciava um investimento de 40 milhões e uma nova forma de atuação, na qual cada situação seria considerada individualmente, tendo por objetivos, entre outros, encontrar soluções habitacionais e de emprego para as 2328[4] pessoas em situação de sem-abrigo – 361 pessoas sem teto a pernoitar na rua e 1967 pessoas que dormiam em albergues, quartos ou centros de acolhimento (dados referentes a 2018).

Hoje, e segundo os dados que vamos conhecendo sempre pela comunicação social, sabemos que a crise que vivemos terá levado mais 140 pessoas para as ruas de Lisboa[5] em 2020. Assim, de acordo com a esta contagem feita pela CML e pela Santa Casa da Misericórdia, terão sido identificadas 356 pessoas em situação de sem-abrigo e sem teto, número que não inclui as centenas de pessoas que estão alojadas nos centros de acolhimento de emergência ou noutros locais, nem as mais de 600 pessoas que a autarquia afirma terem passado por estas respostas.

De referir ainda que, de acordo com este levantamento de dezembro de 2020, cerca de um terço das pessoas em situação de sem-abrigo está na rua há pelo menos um ano, 39 pessoas há mais de cinco anos e 21 pessoas há mais de dez anos, desconhecendo-se a duração da situação de sem teto de pelo menos 45 pessoas. Importa ainda referir que das 356 pessoas identificadas sem teto, praticamente metade (150) apresentam dependências de álcool ou de substâncias psicoativas (68 e 82, respetivamente).

Embora cientes de que o começo da implementação do Plano coincidiu com a alteração profunda dos pressupostos em que se baseia em resultado da COVID-19 e ainda que o Executivo tem levado a cabo diversas medidas nesta área, em sinergia com as associações e entidades, entre elas a abertura de centros de emergência e o apoio alimentar, não podemos ignorar que continuamos a ver muitas pessoas a viverem na rua, quando o confinamento se impõe e numa conjuntura, quer em termos de saúde pública quer em termos económicos, extraordinariamente difícil.

Não detalhando todas as medidas apresentadas no Plano Municipal, a título de exemplo, e pela sua importância, destacamos algumas das que consideramos ser de extrema relevância:

  • O aumento de vagas em housing first para 400 (320 novas vagas além das 80 existentes à data);
  • A criação de bolsa de 200 fogos em habitação municipal;
  • A criação de 200 empregos através de uma bolsa de emprego apoiado em articulação com a CML, empresas municipais e IPSS.  

Por outro lado, é importante lembrar que apesar do contexto que vivemos no último ano e presentemente, continuam ser existir respostas de pernoita ou habitacionais para pessoas com comportamentos aditivos (excepto o housing first), designadamente com consumo de álcool, embora se saiba que este é um dos principais motivos para a não admissão e até expulsão das respostas de alojamento existentes, e ainda que quando se obriga à abstinência ocorrem efeitos gravíssimos[6], como convulsões. 

Assim, uma estrutura de alojamento de emergência com a componente de programa de gestão de consumo de álcool (semelhante ao modelo wet house) viria dar resposta a um vasto número de pessoas que dormem sempre na rua.

Não obstante ter sido noticiado[7] que o Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) e a Divisão de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (DICAD), em conjunto com outras entidades, entre elas a Câmara Municipal de Lisboa, pretendiam que fosse criada uma estrutura na cidade que conjugasse as dimensões de habitação e gestão do consumo de álcool, terminou o ano de 2020 e iniciou-se novo confinamento sem avanços na criação dessa tão necessária resposta que permita a pernoita a pessoas em situação de sem-abrigo com consumos de álcool.

Estes programas permitem que as pessoas em situação de sem-abrigo pernoitem e consumam álcool no interior do equipamento, enquanto facilitam a reinserção na sociedade e, no caso de assim o quererem, o encaminhamento para respostas de tratamento das dependências.

Este modelo de resposta já se encontra implementado noutros países, com abordagens distintas: com fornecimento de refeições ou sem, com permanência ou não durante o dia e até com o fornecimento de dinheiro para gastos diários, entre outras soluções.

Assim, e por a situação que vivemos ser de rutura e de emergência social, devendo as políticas de apoio às populações mais fragilizadas ser reforçadas, vem o Grupo Municipal do PAN propor que a Assembleia Municipal de Lisboa, na sua Sessão Extraordinária com Declarações Políticas de 26 de janeiro de 2021, delibere recomendar à Câmara Municipal de Lisboa, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 15.º conjugado com o n.º 3 do artigo 71.º ambos do Regimento, que:

  1. Apresente a esta Assembleia Municipal um Relatório Extraordinário do ponto de situação da implementação do Plano Municipal para Pessoas em Situação de Sem-Abrigo[8], no qual estejam incluídas, entre outras questões:
  2. Quantas reuniões decorreram entre o Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo de Lisboa (NPISA) e os parceiros da Rede e que estratégia e procedimentos foram acordados para a atuação durante a COVID-19;
  3. Quais as alterações introduzidas no Plano dado que os pressupostos mudaram;
  4. Relativamente ao programa housing first, quantas das 340 habitações já se encontram atribuídas a utentes e quais os critérios de atribuição das mesmas acordados com as associações;
  5. Informação quanto ao encaminhamento das pessoas que foram acolhidas nos centros de emergência (por exemplo se encontraram solução habitacional, encontraram emprego, foram direcionadas para outras respostas na cidade);
  6. Quantos empregos apoiados já foram criados no âmbito do Plano;
  7. Quantos contratos de arrendamento de habitação municipal foram celebrados diretamente com pessoas que estiveram em situação de sem-abrigo, no âmbito da bolsa de 200 fogos;
  1. Proceda à criação dos empregos apoiados às pessoas em situação de sem-abrigo em falta  com a máxima brevidade;
  2. Garanta a implementação da bolsa de 200 fogos em habitação municipal vocacionada para as pessoas em situação de sem-abrigo com celeridade;
  3. Implemente, em colaboração com o SICAD e a Rede Social, uma estrutura de alojamento com a componente de programa de gestão de consumo de álcool, em resposta ao vasto número de pessoas em situação de sem-abrigo  que não encontram respostas nas soluções atualmente existentes.

Lisboa, 25 de janeiro de 2021

O Grupo Municipal do
Pessoas – Animais – Natureza,

Miguel Santos – Inês de Sousa Real


[1] É preciso distinguir programas e perceber que, por exemplo, o housing-first é um programa de integração na sociedade, que além de encontrar uma habitação, tem uma equipa de acompanhamento que apoio na integração na sociedade, sendo a pessoa inscrita no centro de saúde da área da residência, apresentada à farmácia local e inscrita na Junta de Freguesia.

[2] https://www.lisboa.pt/fileadmin/atualidade/noticias/user_upload/Plano_Municipal_para_a_Pessoa_em_Situacao_de_Sem_Abrigo_2019-2023.pdf

[3] Com a abstenção do PCP e os votos favoráveis das restantes forças políticas (PS, PSD, CDS-PP, BE, PAN, PEV, MPT, PPM) e eleitos independentes.

[4] De notar que os dados constantes no Plano Municipal são distintos dos referidos no Inquérito  de Caracterização das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo, de 31 de dezembro de 2019, no qual Lisboa tem 3145 pessoas em situação de sem-abrigo, 465 destas sem teto. Ou seja, quando o plano foi aprovado na AML já havia uma discrepância significativa entre os valores nele constantes e os apurados pelo inquérito nacional, pois a diferença de pessoas sem teto é superior a 100 e de pessoas em situação de sem-abrigo a 800.

[5] https://www.publico.pt/2020/12/22/local/noticia/140-pessoas-passaram-pernoitar-ruas-lisboa-neste-ano-1943979

[6] https://www.msdmanuals.com/pt-pt/profissional/t%C3%B3picos-especiais/drogas-recreativas-e-intoxicantes/toxicidade-e-abstin%C3%AAncia-de-%C3%A1lcool

[7] https://www.publico.pt/2020/04/25/sociedade/noticia/quarto-alcool-equipa-ajudar-gerir-consumo-lisboa-ja-vai-experimentar-1913750

[8] De notar que o Plano Municipal para a Pessoa em Situação de Sem-Abrigo 2019-2023 prevê como metodologia de avaliação e monitorização dois níveis de avaliação (anual de progresso e de avaliação final) e um Painel de Avaliação, composto por três grupos de trabalho permanentes  – um Grupo de Trabalho Interno (GTI), um painel de pessoas que são alvo das medidas do plano e um Grupo de Trabalho Externo (GTE) com recurso a peritos com experiência nesta área, cabendo ao GTI realizar a avaliação anual que permitirá verificar a evolução das respostas, e ao GTE a realização  de um Relatório Final, com conclusões e recomendações, que será enviado para apreciação da Assembleia Municipal.