Na Europa, a poluição atmosférica é reconhecida como um dos maiores riscos para a saúde humana, sendo que, a nível mundial, até 2050 a poluição atmosférica nas cidades deverá tornar-se a primeira causa ambiental de mortalidade.
As graves consequências para a saúde humana e para o ambiente resultantes da poluição atmosférica são corroboradas por inúmeros estudos, que referem que as partículas finas com diâmetro aerodinâmico equivalente igual ou inferior a 2,5?m (PM2.5)podem desencadear ou agravar patologiasrespiratórias e cardiovasculares. Um deles, mais recente[, refere que a poluição do ar e, em particular, a exposição da população às PM2,5 (que, quando inaladas, penetram profundamente nos pulmões, ao nível dos alvéolos pulmonares e bronquíolos, e no sistema cardiovascular) e ao Ozono troposférico (O3) foram responsáveis pela morte de 790.000 pessoas na Europa, representando as doenças cardiovasculares 40 – 80% dessas mortes. Esta problemática é conhecida em Portugal, sendo que a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) refere que “as partículas inaláveis constituem um dos poluentes atmosféricos mais graves em termos de saúde pública”. Assim, transpondo a Directiva 2008/50/CE, de 21 de Maio, relativa à qualidade do ar, o Decreto-Lei n.º 102/2010, de 23 de Setembro, estabelece o valor limite das suas concentrações no ar ambiente e restantes poluentes atmosféricos e define as regras de gestão da qualidade do ar que lhe são aplicáveis.
No entanto, o valor limite anual para as PM2.5 permitido até 2020 (25 ?g/m3) na UE é 2,5 vezes superior ao recomendado pela Organização Mundial de Saúde (10 ?g/m3) e mesmo assim é ultrapassado inúmeras vezes, com custos elevados na qualidade de vida das pessoas e para os sistemas nacionais de saúde. Estima-se que, em média, a redução da esperança média de vida dos europeus em 2,2 anos é atribuída à poluição atmosférica2.
O material particulado (PM) é constituído por uma mescla de partículas sólidas e líquidas suspensas na atmosfera, de origem natural (e.g. sais marinhos, erosão do solo, pólen) e antropogénica (com origem predominante nos processos de combustão). Acresce ainda a contribuição significativa das emissões fugitivas nas concentrações de PM no ar, sendo que estas partículas provêm de fontes difusas, sem dispositivos para direcionamento ou controlo de escoamento de gases. Oriundas das atividades de construção, do manuseamento de materiais industriais e de materiais mineiros, de partículas provenientes de estradas pavimentadas e não pavimentadas e da ação de ressuspensão provocada pelo vento. Além disso, as atividades portuárias, e todas as operações incluídas – o manuseamento de materiais sólidos, o transporte rodoviário associado às operações de descarga e os transportes marítimos – produzem concentrações relevantes de PM. A título de exemplo, a contribuição estimada das emissões portuárias na área urbana de Barcelona varia entre 9 e 12% para o PM10 e entre 11 e 15% para o PM2,5[. Segundo a Base de Dados Online sobre a Qualidade do Ar (QualAr) da APA, em Setúbal apenas existem estações de medição fixas no Quebedo e nos Arcos, tendo sido descontinuada a estação da Camarinha e a Estação da EDP das Praias do Sado, esta última suburbana industrial. Nestas duas estações, e ao contrário do que consta na página do município, não se efetuam medições das PM2.5 nem do benzeno há alguns anos, em clara violação do previsto na legislação e não permitindo uma real avaliação da exposição da população a estes poluentes atmosféricos.
O benzeno, um composto com efeitos mutagénicos e carcinogéneos, tem como principal fonte de emissão o tráfego rodoviário e representa um grupo de compostos denominado de COV’s (Compostos Orgânicos Voláteis) os quais participam nos mecanismos de formação do O3, nos mecanismos de formação de gases com efeito de estufa e na destruição da camada de ozono na estratosfera. Este composto, após um processo de reestruturação da rede, em 2012, deixou de ser monitorizado nas duas estações em Setúbal[. Visto que não são monitorizadas as PM2,5 (última medição data de 2015, na Camarinha) e o Benzeno em nenhuma das estações, existem falhas significativas na avaliação da qualidade do ar em Setúbal, podendo estar-se a subavaliar a exposição da população a poluentes, o que poderá colocar em causa a saúde pública da população sadina.
Para além destas inconformidades, as estações fixas existentes no município de Setúbal refletem apenas o impacto de zonas urbanas de fundo (Arcos) e urbana de tráfego (Quebedo) e distam apenas 2km entre si, sendo que a contribuição da zona fortemente industrializada da península da Mitrena, onde se inserem inúmeras indústrias da directiva Seveso, não é monitorizada por nenhuma estação fixa na área envolvente ou adjacente, como foi constatado em 14 de fevereiro de 2017, aquando do incêndio na Sapec.
Assim, considerando que: a) Quando os armazéns de enxofre da Fábrica de Enxofres da SAPEC Agro, S.A., na Mitrena, arderam a 14 de Fevereiro de 2017 e originaram uma nuvem de poluição, as estações de medição da qualidade do ar fixas dos Arcos e Quebedo só detetaram concentrações de dióxido de enxofre (SO2) acima do permitido no dia seguinte, aquando da mudança dos ventos, o que significa que os moradores das zonas residenciais mais próximas da Mitrena podem ter estado expostos a níveis de SO2 muito acima do permitido.
b) Ao longo dos anos, a população das Praias do Sado e da cidade de Setúbal têm denunciado a existência de fortes odores com origem na zona da Mitrena e revelado preocupação acerca da exposição continuada aos efeitos da poluição do ar na área envolvente ao complexo industrial da Mitrena.
c) O desenvolvimento e a natureza da indústria instalada na Mitrena (produção de pasta de papel, adubos e pesticidas, aterro para resíduos industriais não perigosos, setor cimenteiro e indústria naval) é responsável pela emissão de poeiras em concentrações significativas, às quais acresce o contributo das emissões fugitivas do tráfego rodoviário de pesados e do manuseamento e armazenamento de matérias-primas no porto de Setúbal e nas indústrias3.
d) Em Portugal, a gestão e a responsabilidade pela manutenção da rede de qualidade do ar é atribuída às Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) na sua área de jurisdição e que a avaliação da qualidade do ar é efetuada com base em medições fixas ou indicativas em estações cuja localização é determinada pelas CCDR em articulação com a APA, sendo revista de cinco em cinco anos em função dos resultados da avaliação da qualidade do ar e de alterações nos critérios que determinaram a sua localização.
e) As estações industriais de medição da qualidade do ar encontram-se situadas na proximidade de zonas industriais ou em áreas sob a influência das suas emissões, permitindo conhecer as concentrações dos poluentes atmosféricos de origem industrial às quais a população pode estar pontualmente exposta e que, na região sob jurisdição da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR LVT), há apenas três estações identificadas como industriais, todas elas na proximidade das zonas industriais do Barreiro e de Paio Pires.
Assim, vem a representação municipal do PAN propor que a Assembleia Municipal de Setúbal, na sua reunião ordinária de 28 de fevereiro de 2020, delibere recomendar à Câmara Municipal de Setúbal que:
- Desenvolva contactos com a CCDR LVT, entidade responsável pela realização e execução dos Planos de Melhoria da Qualidade do Ar, no sentido de incluir, pelo menos, a monitorização das PM2.5 e Benzeno numa estação de medição da qualidade do ar em Setúbal;
- Desenvolva contactos com a CCDR LVT, entidade responsável pela realização e execução dos Planos de Melhoria da Qualidade do Ar, no sentido de instalar uma estação de monitorização da qualidade do ar fixa suburbana industrial, que reflita a contribuição das fontes industriais do complexo industrial da Mitrena.
Setúbal, 27 de fevereiro de 2020
Pessoas – Animais – Natureza
Suzel Costa