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Soberania Alimentar – Como pão para a boca

Pedro Neves - Opinião AO

Gostaria de incidir este artigo sobre a Autonomia, numa vertente que não lhe é, geralmente e diretamente associada, mas que lhe está implícita e alicerça um pilar fundamental para o seu robustecimento. Refiro-me à soberania alimentar.

Já em 2016, aquando da apresentação da candidatura do PAN às eleições legislativas regionais, debrucei-me e elenquei os pilares fundamentais e prioritários para o garante da Autonomia, focando a necessidade de garantir a autossuficiência alimentar e definindo como prioritário e urgente atender-se à necessidade de atingir a soberania alimentar como reforço do processo autonómico.

A produção de trigo foi, durante séculos, uma das culturas agrícolas com maior peso nos Açores, chegando até à segunda metade do XVIII como o principal produto de exportação do arquipélago.

Quando o fenómeno da globalização era um conceito ainda associado e consequente da expansão ultramarina portuguesa, os Açores assumiram um papel determinante na capacidade alimentícia do reino português, chegando inclusivamente às praças portuguesas de África.

Mas as opções decorrentes da Política Agrícola Comum, aliada à reconversão da utilização dos solos agrícolas para o monopólio da lavoura, vieram colocar os Açores em situação de subserviência perante os mercados agrícolas estrangeiros, ficando desde então dependentes da capacidade produtiva, das cadeias de distribuição e da tabela de preços instituída, com todas as condicionantes que daí poderão sobrevir.

A leitura é relativamente fácil de se fazer e evidente de analisar: quanto menos produzirmos para consumo regional, maior será a nossa necessidade de importação. Isto resulta, naturalmente, numa dependência alimentar externa, na fragilização da nossa economia e, consequentemente, da nossa Autonomia.

Transmutamos de celeiro de Portugal para a inteira dependência dos mercados externos, levando a um declínio na balança comercial açoriana. Já em 2019 essa dependência ficou patente e foi sentida pelos florentinos ao verem condicionado o abastecimento alimentar, na incapacidade de atracagem de barcos no porto das Lajes. Agora, o condicionalismo chega a todos os ilhéus, com a quebra de produção e cadeia de distribuição do maior celeiro da Europa: a Ucrânia.

A guerra que assola a Ucrânia coloca ainda mais a nu a necessidade de se apostar e de ter a capacidade de produção e armazenamento que nos permita assumir uma posição mais confortável em termos de dependência de mercados externos. Mas para que isto aconteça urge reverter a produção cerealífera, com mais incidência no trigo, e isto só será possível havendo um reajuste nos critérios políticos de investimento agrícola e pela elaboração de uma estratégia de políticas agrárias.

Uma produção cerealífera extensiva, adequada e com base nas potencialidades produtivas de cada ilha do nosso arquipélago, serão certamente suficientes para suprir as necessidades arquipelágicas e garantir que a base da nossa alimentação e o elemento que dita sempre a inflação generalizada, o pão, resista a eventos externos.

A nossa autonomia também se constrói e fortalece na capacidade de sermos autossustentáveis e suficientemente independentes dos mercados externos. A produção de trigo mais que uma necessidade, é neste momento uma urgência.

Açoriano Oriental – 26 de Março de 2022