Decorrerá nestes próximos dias a Feira Taurina da Graciosa, um evento associado às maiores festividades daquela ilha, uma das três dos Açores que possuem praça de touros e onde, alegadamente, existe tradição taurina.
Sabemos que a tradição é parte constituinte da identidade de um povo, acomodando um conjunto de práticas e costumes que, revestidos por um simbolismo, são partilhados e transmitidos entre gerações.
Estando alocadas a uma comunidade e ao seu território, as tradições são, caracteristicamente, erigidas com os recursos existentes nessas mesmas localidades, sendo simultaneamente fruto e produto desse meio.
Sob herança de uma suposta tradição, irão decorrer duas corridas de praça na ilha Graciosa, com touros de três ganadarias da ilha Terceira e de uma ganadaria de Mourão – Évora. Os grupos de forcados e cavaleiros são também destas regiões, sendo que a única referência graciosense que consta no cartaz inscreve-se no campo musical, com a presença da Banda Sociedade Filarmónica União Praiense.
Para ajudar à festa, a Secretaria da Educação e Assuntos Culturais declarou como interesse público a participação de um dos grupos de forcados da ilha Terceira na Feira Taurina da ilha Graciosa, de forma a enaltecer a “cultura” local graciosense.
Esta Feira, para além de merecer este reconhecimento da Secretaria que tutela a cultura regional, é também considerada “kid-friendly”, estando aberta à presença de menores de idade, numa clara afronta às determinações do Comité dos Direitos das Crianças das Nações Unidas, que instou Portugal a adotar as medidas necessárias para garantir a proibição de participação de menores de idade em eventos tauromáquicos, estabelecendo a idade mínima de 18 anos para participação e assistência em touradas e largadas de touros.
Outro desrespeito que decorrerá desta Feira Taurina é obviamente referente às normas do bem-estar animal, que neste contexto não decorrerão apenas no interior da praça de touros, mas também devido ao “necessário” transporte marítimo, para que as ganadarias convidadas, e externas à ilha branca, possam comparecer.
O transporte dos animais de território continental para esta ilha implica a sua permanência, por um período nunca inferior a cinco dias, no interior de um navio e em gaiolas que não salvaguardam o bem-estar animal, em pleno verão e quando se registam temperaturas elevadas.
O sofrimento destes animais não finda aqui, tendo seguimento na praça de touros, para gáudio efémero de quem assiste de plateia a um espetáculo ancorado na premissa da tradição.
Mas não é honesto invocar e alicerçar o argumentário para a manutenção destas práticas nessa premissa, quando para que se a cumpra é preciso recorrer ao mercado externo por não existir na comunidade os recursos necessários à expressão dessa tradicionalidade. Estamos perante um novo modelo de evocação da tradição, em regime de outsourcing.