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Uma PAC para uma crise nova com velhos problemas

A nova Política Agrícola Comum (PAC) europeia vai ser elaborada em pleno cenário de crise
consequente à pandemia e após a escalada de preços de cereais e do sector energético
decorrente da guerra. Estas condicionantes são preocupações suficientes para temer um
arrepio de caminho, tanto nas metas de descarbonização para uma reconversão energética,
como numa agricultura pensada em torno de uma agenda climática exigente e com
preocupações ao nível do bem-estar animal.

A Comissão Europeia adotou um conjunto de propostas legislativas tendo como meta a
preparação de políticas em matéria de ambiente, clima, energia, transportes e fiscalidade
preparadas para alcançar uma redução das emissões líquidas de gases com efeito de estufa de,
pelo menos, 55 % até 2030 e nulas até 2050. Dentro deste âmbito, a PAC potência políticas
para preparar os agricultores a produzirem alimentos de uma forma protecionista em relação
à natureza e à biodiversidade, usando de forma ponderada os recursos naturais tendo em
conta a sua finitude, a saúde pública, protecção e segurança alimentar e como desígnio final a
sustentabilidade dos ecossistemas e das gerações vindouras.

A guerra na Ucrânia trouxe a palco a situação externa de dependência cerealífera de Portugal,
sendo que os países de origem das maiores importações são a Ucrânia, a França, a Espanha e o
Brasil. Segundo dados do INE de 2021, o milho representa mais de metade (51,2%) das
compras feitas à Ucrânia, com um total de 151,7 milhões de euros, sendo que os produtos
agrícolas representam mais de dois terços das compras (71,3%).

A quebra no fornecimento faz temer que a adopção de novas medidas possa, eventualmente,
meter na gaveta alguns dos dossiers mais ambiciosos em matéria ambiental. Caso para
ponderarmos o assunto são as declarações do Secretário-geral da Confederação dos
Agricultores de Portugal (CAP), quando afirma que “(…) o chamado “Green Deal”, presente na
revisão da PAC terá de ser reequacionado”. Indo mais longe nas alegações à imprensa, declara
estarem comprometidas as exigências ambientais e da estratégia de bem-estar animal ao nível
da agricultura e que devem colocar-se de lado algumas restrições ao nível do uso de
fitofármacos e fertilizantes.

Todas as questões relacionadas com a guerra têm trazido a lume duas questões fundamentais
e nas quais os Açores devem ter preocupações acrescidas: a necessidade de uma soberania
alimentar e o investimento na produção cerealífera regional com uma forte aposta em
circuitos locais ou cadeias comerciais curtas de proximidade. Uma matéria muito defendida na
componente programática do PAN às legislativas regionais e que, neste momento, é
emergente retomar.

Os Açores mostram uma forte dependência externa na quase totalidade dos seus sectores de
consumo, mas, em termos alimentares, é especialmente nos produtos agrícolas,
nomeadamente nos produtos da agricultura e silvicultura que a diferença é gritante. Nestes
últimos, o déficit da balança comercial alcançou praticamente os 14 milhões de euros para o
ano de 2021.

O apoio a um sector social forte na agricultura na Região é fundamental para uma
recuperação, oferecendo melhores condições de trabalho e meios de produção sustentáveis a
quem se dedica à actividade agrícola, revendo a matéria ao nível da protecção e benefícios
fiscais, premiando o cumprimento de objectivos.

É necessário, pois, definir as escolhas alimentares coletivas a nível regional e as metas a rever
numa estratégia para a agricultura na Europa e nos Açores a fim de recentralizar os objectivos
dos produtores. Simultaneamente é fundamental consolidar a reserva de cereais a nível
nacional, com aumento da capacidade dos silos e proceder a uma análise apurada da
capacidade de armazenamento nos Açores, sendo que é necessário olhar para o futuro com
uma perspectiva de mudança de paradigma na senda da definição de uma verdadeira “fileira
de cereais”.