Exposição de motivos
Nos últimos anos vários têm sido os casos em que o Estado tem realizado operações que determinam a disponibilização ou utilização, directa ou indirecta, de fundos públicos relativamente a entidades de diversos sectores. Estas operações têm um significativo impacto na sustentabilidade das contas públicas e têm impedido a canalização destes recursos para outras despesas prioritárias para o país.
O caso mais ilustrativo desta realidade é o do sector bancário, que, entre 2008 e 2019, segundo o Tribunal de Contas, recebeu em apoios públicos um total líquido de 20 761 milhões de euros que resultam de despesas públicas totais no montante de 28 041 milhões de euros. O impacto destas operações na sustentabilidade das contas públicas é comprovado, por exemplo, pela análise realizada pelo Conselho de Finanças Públicas que demonstrou que, no ano de 2019, se não fossem os 1.149 milhões de euros injectados no Novo Banco, via Fundo de Resolução, Portugal teria tido um excedente de 0,8% do PIB.
Mas, também, se poderá referir a TAP, relativamente à qual a intervenção do Estado, iniciada no período da crise sanitária provocada pela COVID-19 e mantida num contexto de grave crise social provocada pela inflação, já custou ao erário público e aos contribuintes um total de 3.2 mil milhões de euros.
Apesar deste inquestionável impacto e de o próprio Tribunal de Contas recomendar maior transparência nestas operações (devido ao seu impacto no equilíbrio nas contas públicas), nos últimos anos, temos verificado que, devido a um conjunto de constrangimentos legais que impõem regimes de sigilo e segredo, as pessoas, que ao fim ao cabo são quem na qualidade de contribuintes financia estas operações, não têm possibilidade de aceder a um conjunto de informações e documentos relevantes relativamente a estas operações que determinaram a utilização ou disponibilização de fundos públicos, nomeadamente dos contratos e acordos que estão na sua base.
Com a presente iniciativa, o PAN pretende que a Assembleia da República prossiga os seus esforços para aprofundar a transparência e o escrutínio destas operações, expresso, por exemplo, no âmbito do sector bancário por via da Lei n.º 15/2019, de 12 de Fevereiro. Por isso, propõe, por um lado, a aprovação um regime jurídico de transparência dos contratos, acordos e outros documentos relativos a operações que determinem a utilização ou disponibilização, directa ou indirecta, de fundos públicos relativamente a entidades pertencentes a sectores estratégicos, permitindo, mediante decisão fundamentada da Assembleia da República, aceder a estes documentos sujeitos a confidencialidade, de forma a garantir que qualquer cidadão lhes possa aceder e assegurar a sua publicação na internet.
Por outro lado, propõe-se que este regime abranja também os contratos de gestão dos titulares de órgãos de gestão ou administração das entidades intervencionadas pelo estado, celebrados com aplicação total ou parcial do disposto no Estatuto do Gestor Público, bem como a todos os documentos, acordos ou comunicações que levem a respectiva alteração ou cessação. Os sucessivos casos referentes aos cargos de topo da TAP têm revelado a necessidade de assegurar mais transparência relativamente a certas opções de gestão empresarial das entidades intervencionadas do Estado, visto que questões como, por exemplo, as referentes aos prémios de gestão ou à cessação de contratos de gestão com titulares de cargos de topo na empresa têm ficado sobre um inadmissível manto de opacidade. Com esta proposta propõe-se pôr fim as estes limites que bloqueiam o escrutínio de uma empresa de capitais públicos e, claro está, põem em causa a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas.
Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a abaixo assinada Deputada Única do PESSOAS-ANIMAIS-NATUREZA, apresenta o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objecto
- O regime jurídico de transparência dos contratos, acordos e outros documentos relativos a operações que determinem a utilização ou disponibilização, directa ou indirecta, de fundos públicos relativamente a entidades pertencentes a sectores estratégicos;
- b) A segunda alteração à Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto, alterado pela Lei Orgânica n.º 1/2015, de 8 de janeiro.
Artigo 2.º
Âmbito de aplicação
1- A presente lei aplica-se aos contratos e acordos celebrados pelo Estado ou entidades que integrem o perímetro do Orçamento do Estado, que determinem ou tenham determinado a utilização ou disponibilização, directa ou indirecta, ainda que, de modo temporário, de fundos públicos a entidades nos sectores dos transportes, das comunicações, da energia, da água, da indústria ou financeiro, bem como a todos os documentos ou informações associadas a esses contratos ou acordos.
2- Para efeitos da presente lei por utilização ou disponibilização, directa ou indirecta, de fundos públicos, dever-se-á entender qualquer operação que tenha por objecto ou resultado medidas de resolução, de nacionalização, de liquidação ou de apoio à capitalização, com recurso a fundos públicos disponibilizados, directamente pelo Estado ou indirectamente, com recurso a financiamento ou garantia prestados pelo Estado.
3 – A presente lei aplica-se ainda aos contratos de gestão dos titulares de órgãos de gestão ou administração das entidades referidas no número 1 celebrados com aplicação total ou parcial do disposto no Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de março, na sua redação actual, bem como a todos os documentos, acordos ou comunicações que levem a respectiva alteração ou cessação.
Artigo 3.º
Transparência dos contratos, acordos e outros documentos que determinem a utilização de fundos públicos
1- Sem prejuízo do disposto noutros regimes especiais, os documentos a que se refere o artigo anterior e que, ao abrigo da legislação em vigor, se encontrem classificados como confidenciais ou sigilosos podem ser acedidos pela Assembleia da República, nos termos do presente artigo.
2 – O acesso a que se refere o presente artigo inclui a divulgação do nome de pessoas singulares ou colectivas, com identificação dos respectivos sócios e membros dos respectivos corpos sociais que exerçam funções executivas, que tenham originado perdas de valor superior a 1 milhão de euros registadas no balanço consolidado da entidade abrangida no momento ou em consequência da medida que envolve disponibilização dos fundos públicos ou que tenham sido eliminados do seu balanço nos 5 anos anteriores na sequência de perdão, cessão a terceiros com desconto ou medida similar, bem como as condições contratuais eventualmente existentes, salvaguardando a morada, números de identificação civil e fiscal, números de telemóvel e telefone, e endereço electrónico.
3- O acesso referido no presente artigo é aprovada por maioria relativa dos deputados em efectividade de funções, mediante resolução, nos termos da Constituição e do Regimento da Assembleia da República.
4 – A resolução a que se refere o número anterior deverá definir os documentos que devem ser tornados públicos, bem como os fundamentos justificativos da sua divulgação e a demonstração da sua necessidade ao abrigo do princípio da prevalência do interesse preponderante, da administração aberta e do direito à informação.
5- Aprovada a resolução a que se referem os números anteriores, o Presidente da Assembleia da República, no exercício das suas competências, notifica as entidades visadas pela resolução da Assembleia da República para que remetam à Assembleia da República a cópia dos documentos objecto de acesso no prazo de 30 dias a contar da data da notificação.
6- O prazo referido no número anterior é prorrogável por mais 30 dias em casos de especial complexidade, mediante requerimento da entidade visada e decisão fundamentada do Presidente da Assembleia da República.
7– Após a recepção pelo Presidente da Assembleia da República dos documentos referidos nos números anteriores, a mesma passa a ser pública, podendo ser acedida por qualquer pessoa e é obrigatoriamente publicada no sítio da internet da Assembleia da República.
6– A publicação referida no número anterior deverá ser acompanhada de um sumário que resuma a informação contida nos documentos divulgados e, sempre que possível, a identificação, de forma desagregada, do tipo de medida que determinou a aplicação ou a disponibilização de fundos públicos, do montante máximo de fundos públicos aplicados ou disponibilizados, as condições de disponibilização, incluindo as contrapartidas, juros ou outras formas de remuneração dos fundos públicos aplicados ou disponibilizados e, quando aplicável, o prazo máximo de reembolso dos fundos.
7– Quando os documentos referidos no presente artigo não se encontrem redigidos em língua portuguesa, o Presidente da Assembleia da República deverá assegurar a sua tradução para português no mais curto prazo possível, a expensas do Governo ou da entidade visada.
Artigo 4.º
Regime sancionatório
À violação pelas entidades referidas no artigo 2.º dos Deveres previstos no artigo anterior aplica-se, com as devidas adaptações, o regime sancionatório previsto na lei n.º 26/2016, de 22 de agosto.
Artigo 5.º
Norma de prevalência
O disposto na presente lei prevalece sobre quaisquer outras normas, especiais ou excepcionais, que disponham em sentido contrário, nomeadamente sobre qualquer regime legal de sigilo bancário ou sigilo comercial.
Artigo 6.º
Alteração ao Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto
É alterado o artigo 6.º da Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto, que passa a ter a seguinte redacção:
«Artigo 6.º
[…]
1 – […].
2 – […].
3 – O acesso e divulgação a matérias, documentos ou informações sob segredo de Estado pode ainda ocorrer por iniciativa da Assembleia da República nos termos previstos no regime jurídico de transparência dos contratos, acordos e outros documentos relativos a operações que determinem a utilização ou disponibilização, directa ou indirecta, de fundos públicos relativamente a entidades pertencentes a sectores estratégicos.»
Artigo 6.º
Republicação
É republicado em anexo à presente lei, da qual faz parte integrante, o Regime do Segredo de Estado, aprovado pela Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de agosto, com as alterações introduzidas pela presente lei.
Artigo 7.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Assembleia da República, Palácio de São Bento, 04 de janeiro de 2023
A Deputada,
Inês de Sousa Real