Um estudo levado a cabo pela Universidade de Lisboa, Universidade do Porto e Universidade de East Anglia, no Reino Unido, avaliou a eficácia da Rede Natura 2000 na conservação das estepes agrícolas por um período de dez anos, na Península Ibérica.
O mesmo estudo analisou, comparativamente, imagens de satélite de 2004 e 2015, em 21 Zonas de Proteção Especial, quatro localizadas em Portugal e 17 em Espanha. Em Portugal, as Zonas de Proteção Especial situam-se no Alentejo, nomeadamente em Campo Maior, Moura, Mourão, Barrancos, Castro Verde e Vale do Guadiana.
As estepes agrícolas são um exemplo de ecossistema em que a atividade humana coexiste com a conservação da natureza, tal como acontece em várias paisagens transformadas pela mão do Homem há milénios. Esta interação abriga populações importantes de espécies de aves ameaçadas, tais como a Abetarda (Otis tarda), o Sisão (Tetrax tetrax) e o Francelho (Falco naumanni).
O estudo desenvolvido conclui que as Zonas de Protecção Especial perderam um total de cerca de 35 mil hectares de estepes agrícolas ao longo dos últimos dez anos. Os investigadores revelam que a perda de habitat crítico é, ainda assim, inferior em 45% dentro da Rede Natura 2000, do que em áreas não-protegidas adjacentes.
Estas perdas devem-se ao facto de estas áreas serem economicamente pouco rentáveis, mesmo com os incentivos agroambientais concedidos no âmbito da Rede Natura 2000. Tal está a comprometer os resultados positivos dos anteriores esforços de conservação, estimando-se que as estepes agrícolas podem mesmo vir a ser reduzidas a 50% da sua área atual durante este século.
A conversão da utilização dos terrenos, tradicionalmente utilizados para cultivo de cereais de sequeiro e pastagens extensivas, para outras culturas agrícolas de maior intensidade, tais como os olivais, vinhas ou culturas de irrigação intensiva, é um dos fatores para a perda das estepes agrícolas, que podia acolher mais de 500 abetardas.
As novas culturas, que apresentam uma estrutura de vegetação bastante diferente da utilizada por aves estepárias, estão geralmente associadas à utilização de inseticidas e herbicidas, prejudiciais para muitas plantas e insetos, dos quais se alimentam estas aves ameaçadas.
As conversões fora das áreas protegidas poderão tornar estas áreas protegidas em ilhas estepárias, reduzindo a conetividade entre elas e afetando a viabilidade e capacidade de dispersão das populações, especialmente relevante face às alterações climáticas.
As abetardas são um exemplo de espécie emblemática das estepes cerealíferas do Alentejo que, já durante o século XX, sofreu um declínio devido à caça e à perda de habitats.
Atualmente, uma grande parte da população mundial destas aves situa-se na Península Ibérica e encontra-se estável ou em ligeiro aumento. Contudo, a espécie ainda é vulnerável à extinção, ameaçada sobretudo pela intensificação agrícola, por colisões com linhas elétricas e mudanças no uso das terras.
O sucesso da Rede Natura 2000 revela-se afetado devido à fraca aplicação da legislação associada às áreas protegidas, aos incentivos insuficientes para garantir a cooperação dos agricultores e, pelas medidas de conservação de habitat pensadas apenas a curto prazo.
Numa perspetiva global, um estudo recente publicado na revista científica Nature, com o título “Global priority areas for ecosystem restoration” conclui que identificar com precisão e devolver ao estado natural ecossistemas de todo o mundo “destruídos” pela agricultura salvaria a maior parte dos mamíferos terrestres, anfíbios e aves ameaçados de extinção, e seriam absorvidos mais de 465 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono, sem ter impactos na produção agrícola.
Em Portugal, programas como o Projeto “Conservação da Avifauna Estepária de Castro Verde”, cofinanciado por um Programa LIFE-Natureza da União Europeia para a Conservação da Natureza têm procurado promover a conservação das aves estepárias da região do Campo Branco e do seu habitat.
Veja-se este exemplo, em que as pseudo-estepes ou estepes cerealíferas da região são reconhecidas nacional e internacionalmente pela importância para várias espécies de aves como a Abetarda (Otis tarda), o Peneireiro-das-torres (Falco naumanni), o Grou (Grus grus), o Sisão (Tetrax tetrax), o Cortiçol de-barriga-negra (Pterocles orientalis) e o Tartaranhão caçador (Circus pygargus), entre outras. As duas primeiras são consideradas como espécies globalmente ameaçadas, estando incluídas no conjunto de aves consideradas de conservação prioritária pela União Europeia.
É assim urgente pensar e investir na conciliação da agricultura com a conservação da biodiversidade, interrompendo a perda de espécies e cumprindo os objetivos de uma nova estrutura global de diversidade biológica, para todos os países comprometidos com a Convenção sobre a Diversidade Biológica e os objetivos da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, em particular para a proteção da vida terrestre, reduzir a degradação de habitat naturais e travar a perda de biodiversidade.