Moção para a conservação da biodiversidade em parques zoológicos

Considerando que:

  1. De acordo com um artigo do National Geographic Portugal[1], no planeta existem mais de 7,7 milhões de espécies de animais e mais de 20 por cento estão em vias de extinguirem, segundo dados da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), o organismo internacional com maior autoridade na matéria, aproximadamente 5.200 espécies de animais encontram-se em vias de extinção. Divididas por classe, encontram-se em vias de extinção 11 por cento das aves, 20 por cento dos répteis, 34 por cento dos peixes e 25 por cento dos anfíbios e mamíferos.
  1. Conseguir que uma espécie deixe de estar em vias de extinção ou evitar que uma espécie desapareça implica pôr em marcha uma grande quantidade de recursos e de medidas concretas, impedindo a fragmentação dos seus habitats, nomeadamente a desflorestação, prevenir e punir duramente a caça ilegal e o tráfico de espécies, criar reservas naturais, ou promover programas de reprodução, reintrodução e melhoria genética, sendo a luta contra a poluição e as alterações climáticas também uma forma de combate pela conservação de muitos animais.
  1. A Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e da Flora Selvagem Ameaçadas de Extinção, assinada em Washington a março de 1973 e também conhecida como Convenção de Washington ou CITES, é um Acordo Internacional ao qual os países aderem voluntariamente, envolvendo atualmente um total de 183, e foi aprovada para ratificação por Portugal através do Decreto n.º 50/80 de 23 de julho[2].
  1. O objetivo da CITES é o de assegurar que o comércio de animais e plantas não ponha em risco a sua sobrevivência no estado selvagem, e atribui diferentes Graus de Proteção a cerca de 5.800 espécies de animais e 33.000 espécies de plantas, inscritas em três Anexos (I, II e III) consoante o Grau de Proteção[3].
  • A União Europeia possui regras ainda mais restritivas do que as previstas na Convenção, regendo-se pelo Regulamento (CE) n.º 338/97 do Conselho de 9 de Dezembro de 1996[4], relativo à proteção de espécies da fauna e da flora selvagens através do controlo do seu comércio, distribuindo as espécies em quatro Anexos A, B, C e D, sendo que no Anexo A estão as espécies em perigo de extinção e o seu comércio apenas é permitido em condições excecionais, corresponde, de um modo geral, ao Anexo I da Convenção.
  • Do mesmo modo, a Diretiva n.º 1999/22/CE, do Conselho, de 29 de Março, tem por objeto a proteção da fauna selvagem e a preservação da biodiversidade, através da adoção de medidas pelos Estados-membros relativas ao licenciamento e à inspeção dos jardins zoológicos na Comunidade, reforçando o papel dos mesmos na preservação da biodiversidade.
  • Ora e nos termos do seu artigo 3.º, os Estados-membros devem adotar medidas para assegurar que todos os jardins zoológicos apliquem as medidas de preservação nele definidas, designadamente a participação em atividades de investigação, de que resultem benefícios para a preservação das espécies; formação em técnicas de preservação pertinentes; intercâmbio de informação relacionada com a preservação das espécies e/ou, sempre que adequado, reprodução em cativeiro, repopulação ou reintrodução das espécies em meio selvagem.
  • Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 59/2003, de 1 de abril, transpôs para a ordem jurídica interna a referida diretiva relativa à detenção de fauna selvagem em parques zoológicos, aplicando-se aos animais alojados em parques zoológicos, nomeadamente jardins zoológicos, delfinários, aquários, oceanários, reptilários, parques ornitológicos e parques safari ou outras instalações similares, assim como aos animais alojados em centros de recuperação, de recolha, reservas e viveiros de fauna cinegética.
  1. Assim e ao abrigo do disposto no artigo 18.º do Capítulo III do Anexo ao referido diploma, o qual contem as regras técnicas da sua aplicação, a reprodução deve obedecer a uma política de manutenção equilibrada dos espécimes animais, em consonância com as reais capacidades de alojamento e maneio do parque zoológico, para evitar o mais possível o surgimento de animais excedentários.
  • Por outro lado, e no que toca aos animais ameaçados ou em perigo de extinção, nos termos do artigo 19.º do mesmo capítulo, a reprodução em cativeiro de espécies que estão extintas ou ameaçadas de extinção no estado selvagem, segundo a União Internacional da Conservação da Natureza deve fazer-se, sempre que possível, no âmbito de programas de cooperação internacionais, nacionais ou regionais.
  • Também ao abrigo do disposto no seu artigo 23.º, os parques zoológicos devem procurar participar em atividades científicas de que resulte benefício em termos de preservação das espécies, não pondo em causa a integridade física e psicológica dos animais nem lhes reduza o seu bem-estar, e sempre que tal se mostre adequado, fazer formação em técnicas de conservação, intercâmbio de informação relacionada com a preservação das espécies, reprodução em cativeiro, repovoamento ou reintrodução das espécies em meio selvagem.
  • Visitando a página do Jardim Zoológico de Lisboa, o qual foi inaugurado em 1884, refere-se que este tem um papel concreto no plano da conservação das espécies, uma vez que o clima temperado do país e da cidade facilita a adaptação das espécies, sendo a sua taxa de reprodução de uma maneira geral bastante boa, colaborando ainda com diversas instituições, universidades e escolas nacionais e internacionais, no âmbito académico das mais diversas áreas do ensino como é o caso da biologia, etologia e medicina veterinária, participando ativamente em projetos de investigação científica.
  • Não questionamos o trabalho que o Zoo de Lisboa tem vindo a desenvolver em matéria de conservação das espécies, de acordo com a informação disponibilizada na sua página[5], designadamente a trabalhar no estudo demográfico do Rinoceronte-de-sumatra, classificado como Criticamente em Perigo pela UICN; a colaborar com a Australian Koala Foundation desde 1991, para a conservação dos Koalas na Austrália, quando cerca de  80% do seu habitat natural já foi destruído pelo Homem; a participar desde 2006, no Projeto de Conservação dos grandes primatas em África como Gorilas e Chimpanzés, in situ CWAF, nos Camarões, contribuindo financeiramente, ou não menos importante, a participar na conservação do Ádax, através do envio de animais para reintrodução, tal como aconteceu em 1994, num projeto em que foram reintroduzidos 70 animais de 16 Zoos diferentes, no Parque Nacional de Souss-Massa em Marrocos. 
  • Contudo, no Zoo estão cerca de 2000 animais de mais de 300 espécies diferentes, muitas delas em perigo de extinção[6], mas não todas, o que significa que estão a ser objeto de reprodução em cativeiro muitas espécies que não estão extintas ou ameaçadas de extinção no estado selvagem.
  • Ora e de acordo com um estudo[7] realizado pela organização não governamental Born Free, em 2011, que se dedica à melhoria das condições de vida dos animais em cativeiro na Europa, intitulado “Investigação aos Zoos da UE 2011”, a maioria dos jardins zoológicos está a falhar no cumprimento da legislação sobre preservação de espécies e o bem-estar animal. O relatório analisa a aplicação e o cumprimento da diretiva europeia e da legislação nacional sobre a matéria em 21 países da União Europeia (UE), e no geral, os 200 parques investigados não cumprem as expectativas nem os padrões legais que lhes são exigidos.[8]
  • Na referida investigação, foram identificadas 495 espécies em 459 instalações e os resultados revelaram que “os parques zoológicos em Portugal não dão uma contribuição significativa para a conservação das espécies ameaçadas”, acrescentando que a maioria das espécies exibidas nos parques zoológicos portugueses estão na categoria “pouco preocupante” para a conservação.
  • Ainda que se considere que o referido estudo já tem alguns anos, as denúncias de situações preocupantes em diversos parques zoológicos no território nacional, a par do conhecimento científico que demonstra o impacto negativo que o cativeiro tem sobre os animais selvagens, adensam as preocupações antigas, que se mantêm infelizmente, perfeitamente atuais.
  • Com efeito, estudos científicos demonstraram que a privação de liberdade e o ambiente limitado dos parques zoológicos têm efeitos adversos na saúde física e mental dos animais, além de prejudicar o seu comportamento natural e as capacidades de adaptação.
  • Assim, os parques zoológicos tradicionalmente concebidos como espaços de conservação, não servem atualmente em larga medida tal propósito, muito menos quando exibem “espetáculos de entretenimento” com animais, sujeitando-os a treinos e comportamentos longe daquilo que lhes é natural, ainda que a lei assim o proíba.
  • Com efeito e nos termos do n.º 1 do artigo 22.º do já referido Decreto-Lei n.º 59/2003, de 1 de abril, estabelece-se que, “sempre que existirem exibições de animais, estas devem ser baseadas no comportamento natural das respetivas espécies e quaisquer informações prestadas no decurso das mesmas devem ser baseadas em factos biológicos que facilitem a observação e compreensão do comportamento dos animais” e que “as exibições referidas no número anterior não podem pôr em causa o bem-estar dos animais nelas envolvidos.”.
  • Assim, resulta claro que o cumprimento da referida disposição legal se mostra praticamente impraticável, uma vez que a manutenção destes animais em cativeiro tem efeitos muito negativos no seu bem-estar e impossibilita que estes apresentem comportamentos naturais, sendo necessário repensar o papel dos parques zoológicos e procurar alternativas mais éticas e eficazes para a conservação e recuperação das espécies.
  • Dando uma vista de olhos sobre perspetivas mais animalistas e de ética animal, assentes na consideração dos interesses e na senciência dos animais, a manutenção dos animais em parques zoológicos deve limitar-se à conservação da biodiversidade na perspetiva da preservação de espécies ameaçadas de extinção, tanto em cativeiro como nos seus habitats naturais, na educação e sensibilização do público sobre a importância da biodiversidade, na necessidade de proteger os animais e seus habitats pelos desafios enfrentados pela vida selvagem e na pesquisa científica.
  • No caso referido, temos o exemplo adotado pelo Zoológico de Barcelona que aderiu ao animalismo após 127 anos de história[9], tendo a Câmara Municipal da capital catalã aprovado em 2019, a transformação dessa instalação no primeiro parque zoológico “animalista” da Europa, através da aprovação de um regulamento que determinou que o zoológico não promoveria mais a reprodução de espécies que não estivessem em perigo de extinção, proibindo a reprodução dos animais se não fosse para repor espécies ameaçadas.
  • A iniciativa popular promovida visava colocar os animais pertencentes a espécies que não estivessem em perigo de extinção em santuários ou refúgios, sendo que, os animais que não tivessem condições de seguir o mesmo caminho, ficariam no Zoo e a direção teria três anos para conceber um projeto para cada espécie, existindo à data cerca de 2.000 animais de 300 espécies a viver no zoo de Barcelona, quantidade similar à atualmente existente no zoo de Lisboa como já acima se referiu.
  • Neste sentido, julgamos que à semelhança do exemplo já seguido em Barcelona e de acordo com o espírito da Diretiva Comunitária n.º 1999/22/CE, cujo objeto foi o da proteção da fauna selvagem e da preservação da biodiversidade através da adoção de medidas pelos Estados-membros relativas à inspeção dos jardins zoológicos na Comunidade, reforçando o papel dos mesmos na preservação da biodiversidade, o Municio de Lisboa poderia ser precursor de uma perspetiva mais ética sobre a preservação do bem estar da fauna selvagem, em que a reprodução em cativeiro de espécies deveria ser limitada aquelas que estão extintas ou ameaçadas de extinção no estado selvagem.

Em face do exposto, vem o Grupo Municipal do PAN propor que a Assembleia Municipal de Lisboa, na sua Sessão de 21 de maio de 2024, delibere ao abrigo do disposto nas alíneas j) do n.º 2 do artigo 25.º da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, conjugada com a alínea c) do artigo 15.º e com o n.º 1 do artigo 71.º do Regimento da Assembleia Municipal de Lisboa, aprovar uma moção no sentido de:

  1. Solicitar aos membros do Governo responsáveis pelas áreas do ambiente, da agricultura, da floresta e das pescas, que procedam às seguintes alterações ao Decreto-Lei n.º 59/2003, de 1 de abril, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 104/2012, de 16 de maio:
    1. Apenas será permitida a reprodução de animais em parques zoológicos, que sejam pertencentes a espécies ameaçados ou em perigo de extinção.
    1. Relativamente aos espécimes pertencentes a espécies que não se encontrem ameaçados ou em perigo de extinção, deverá ser realizado um estudo prévio sobre os benefícios quantificáveis da reprodução desses animais em matéria de conservação da biodiversidade, viabilidade da espécie e do habitat natural e, caso os estudos concluam pela impossibilidade da sua reintrodução na natureza, sejam encaminhadas para centros de conservação e recuperação de animais selvagens e impedidos de se reproduzir.
    1. Caso se conclua pela inviabilidade ou impossibilidade de impedir a reprodução dos espécimes referidos no ponto anterior, não será permitida a aquisição de mais exemplares da espécie em questão.
  2. Remeter esta deliberação ao Senhor Presidente da Assembleia da República, ao Senhor Primeiro-Ministro e aos Grupos Parlamentares representados na Assembleia da República.

Lisboa, 21de maio de 2024

O Grupo Municipal

do Pessoas – Animais – Natureza

António Morgado

(DM PAN)


[1] https://www.nationalgeographic.pt/mundo-animal/fotogaleria-animais-vias-extincao_4329

[2] https://www.ministeriopublico.pt/instrumento/convencao-sobre-o-comercio-internacional-de-especies-da-fauna-e-flora-selvagens-0

[3] https://cites.org/sites/default/files/eng/app/2023/E-Appendices-2023-05-21.pdf

[4] https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:31997R0338&from=PT

[5] https://www.zoo.pt/pt/conhecer/visao-e-missao/

[6] https://www.zoo.pt/pt/conservar/zoo-no-mundo/

[7] EU Zoo Inquiry: Portugal English (bornfree.org.uk)

[8] Jardins zoológicos portugueses estão a falhar na protecção das espécies | Relatório da Born Free | PÚBLICO (publico.pt)

[9] https://brasil.elpais.com/brasil/2019/05/03/internacional/1556886822_120453.html

Esta moção foi rejeitada pela Assembleia Municipal de Lisboa.