A consagração legal do direito à eutanásia tem percorrido a sua própria via-sacra. Neste vai e vem, que já leva três voltas, a regulamentação da eutanásia tem assumido um conjunto muito rigoroso e cauteloso de critérios, com passos muito bem definidos e assente num extenso rol de condicionantes e limitações. Mas mesmo assim, impõem-se ainda muitas posições contestatórias e temerosas perante o princípio de liberdade individual sobre o qual se arroga.
Para quem se opõe ao direito à eutanásia, o que se sobrepõe na balança: a necessidade de afirmar os padrões legais mediante a sua visão da vida e do mundo, e com isto impedir que os demais tenham a liberdade de escolher sobre a sua, ou um genuíno receio que os outros a imponham a si, esta finitude?
Porque do que aqui se trata é de uma “simples” questão: Tenho ou não o direito de decidir sobre a minha própria vida e, em último reduto, sobre a minha própria morte?
A desinformação existente relativa a todo o constructo envolvente ao processo da eutanásia potencia visões deturpadas sobre o que se pretende instituir e dá lugar a interpretações erróneas sobre o conceito, inflamando muitas vezes o discurso que, amiúde e no limite, se encerra na cedência de “carta branca” para morrer…ou matar.
O direito à eutanásia e o direito à vida, no constructo constitucional subjacente da sua inviolabilidade, não são conceitos antagónicos ou que colidem entre si. A eutanásia não colide com o direito à vida e o respeito integral pela vida não impede que se exercite o direito de ponderar e decidir sobre o seu término. A despenalização da morte medicamente assistida não esbarra no reflexo jurídico do valor da vida humana e da exigência da sua proteção.
A minuciosa regulação da eutanásia caracteriza-se por um manifesto zelo pelos quesitos subjacentes à sua prática e encontra-se muito bem balizada, aplicando-se em situação clínica de doença grave, incurável e irreversível, que implique um sofrimento físico e psicológico que se considere insuportável e sob o qual não existem mecanismos ou meios clínicos capazes de o mitigar. Todo o processo que se subjaz à antecipação da morte é longo, complexo e exigente, numa decisão que é reiterada e tomada de forma informada e consciente, com o devido acompanhamento e supervisão de profissionais de saúde de diversas áreas clínicas.
O paternalismo que se pretende que o Estado assuma e prossiga em sobre um direito individual não se coaduna com os preceitos ancorados na Constituição. Ao Estado cumpre defender e proteger os direitos fundamentais dos cidadãos, sejam de ordem individual ou colectiva. O direito à eutanásia, reconhecido pela sua individualidade, não se imiscui nos direitos colectivos nem se impõe ou sobrepõe aos direitos dos demais concidadãos.
Transferir esta tutela e poder de decisão para a esfera pública e colectiva também não é aceitável. Trata-se de um exercício de individualidade que, desta forma, será uma vez mais condicionado se se optar por o referendar, retirando a liberdade e individualidade de escolha.
Legalizar a eutanásia é sobre liberdade, escolha, autodeterminação, mas sobretudo, dignidade. Porque o direito à decisão sobre a minha vida e morte é, também, um direito à dignidade de poder viver e morrer com ela.