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Quanto pesam as nossas vidas? O peso das nossas escolhas

O que vou partilhar trata-se de um pequeno cálculo, nu e cru, sobre o peso real das "coisas" que consumimos ao longo de uma vida, numa média de 80 anos (actual Esperança de Vida à Nascença).

Até há cerca de 12.000 anos o ser humano pouco mais consumia que os restantes animais. Cobria-se com umas peles, usava uns quantos galhos para improvisar uns abrigos – que cobria também com peles – e queimava lenha que recolhia do chão. A vida era efémera e convinha viajar leve e ligeiro, fosse por mudanças naturais ou pela chegada de competidores.

Quando nos tornámos sedentários, com o desenvolvimento da agricultura, a coisa mudou de figura. A previsão de ficarmos uns tempos, ou mesmo a vida toda, no mesmo local, fez-nos acumuladores. Queríamos coisas que tornassem as nossas existências mais confortáveis. E tem sido esse o percurso do ser humano: uma busca pelo conforto e segurança. O que nos leva à questão: quanto pesam as nossas escolhas? Qual a proporção que cada uma das grandes categorias de “coisas” tem na nossa vida?

Começando por aquilo que todos queremos e precisamos: uma casa. Considerando uma média de 3 pessoas a viverem num T2, temos entre 12 a 18 toneladas por pessoa. Temos de duplicar este valor para considerar a água gasta no processo bem como todos os materiais desperdiçados e o combustível para transportar as matérias-primas até ao local da construção. Uma casa, a não ser em caso de catástrofes, mesmo que mude de residentes será sempre usada, pelo que podemos considerar uma média de 30 toneladas, usando a construção tradicional em tijolo e betão. Juntemos-lhes mais duas toneladas pelos móveis e aparelhos domésticos e ficamos com 32 toneladas.

A seguir, o que se nos afigura de mais pesado será o automóvel. Hoje, um familiar compacto, a categoria mais vendida entre nós, terá tonelada e meia. Se ao longo de 80 anos estabelecermos duas a três trocas de automóvel para cada duas pessoas e meia (média portuguesa) temos cerca de 4,5 toneladas a dividir pelas tais 2,5 pessoas o que dará 1,8 tonelada de automóvel por pessoa. Junta-se o combustível. Com base nos números anteriores poderemos estabelecer um intervalo entre 10 a 20 toneladas.

Objectos de uso pessoal, roupa e calçado adequados para um clima como o nosso, livros e discos (tendem a baixar com a desmaterialização dos conteúdos), brinquedos e gadgets (os brinquedos dos adultos) poderão, no seu conjunto, chegar à meia tonelada. Para jornais e revistas, sem ser muito consumistas, em 80 anos podemos facilmente gastar 2,5 toneladas de papel. Acrescentamos quase outro tanto no combustível que foi necessário para os produzir e transportar até nós e ficamos pelas 4,5 toneladas.

Higiene pessoal e doméstica. Entre descargas, banhos, lavagem de roupa, louça e limpeza da casa, chegamos rapidamente aos 80 litros de água por dia, o que dará a nada menos de 2.336 toneladas ao fim de 80 anos. Uma fatia considerável.

Falta a alimentação. Sejamos simples e diretos. Uma alimentação omnívora gera um consumo de cerca de 3 a 6 toneladas de água por dia (100g de carne de pecuária intensiva geram um consumo de 2.300 litros de água). Ficamos pelo meio e já estaremos a ser optimistas. Serão portanto 4,5 toneladas por dia. O que nos dará perto de 130.000 toneladas ao fim de 80 anos. Já se considerarmos uma alimentação de origem estritamente vegetal, este valor é de 1/12, ou seja, cerca de 10.833 toneladas.

Num quadro resumo, que um gráfico não tem leitura tal a assimetria dos dados:

— habitação 32 ton

— automóvel 15 ton

— objectos de uso pessoal 0,5 ton

— jornais e revistas 4,5 ton

— higiene pessoal e doméstica 2.336 ton

— alimentação omnívora 130.000 ton

— alimentação 100% vegetal 10.833 ton

— Total omnívoro 132.388 ton

— Total 100% vegetal 13.221 ton

O que podemos concluir da leitura destes números? Uma conclusão imediata é a de que continuamos essencialmente animais. A nossa vida e os nossos maiores esforços, mesmo que hoje não nos apercebamos disso, está focada na satisfação da mais básica das necessidades animais: comer. A outra é também notória. Podemos e devemos trabalhar para um melhor aproveitamento dos recursos, tentar ter casas mais sustentáveis, usar melhor os transportes, ser menos consumistas e até sermos poupados com a nossa higiene. Sem dúvida. Todo o esforço conta. Mas onde significativamente podemos fazer a diferença é mesmo no que colocamos no prato.

28 de junho de 2018

Albano Lemos Pires, membro da Comissão Política Nacional