Recomendação: Aumento das respostas habitacionais para vítimas de violência doméstica e de género
Este ano celebram-se os dez anos sobre a aprovação da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, conhecida por Convenção de Istambul, a qual refere no seu texto que a violência contra as mulheres é uma manifestação das relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens, as quais levaram à dominação e discriminação contra as meninas e mulheres, obstaculizando o alcance da igualdade de direitos e impedindo o seu progresso, tornando-as especialmente expostas a graves formas de violência, tais como a violência doméstica, o assédio sexual, a violação, o casamento forçado, os chamados «crimes de honra» e a mutilação genital. Descrição, esta, que não podia estar mais atual.
Se antes da pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2 a violência contra as mulheres era uma das formas mais normalizadas e usuais de violação dos direitos humanos, com as restrições impostas para evitar a sua propagação vários têm sido os alertas, internacionais e nacionais, relativos ao facto de os direitos das meninas e mulheres terem regredido e para as medidas de confinamento terem levado ao aumento da violência no geral, nomeadamente violência doméstica, violência baseada no género e violência sexual.
A ONU tem advertido em diversas ocasiões para este incumprimento dos direitos humanos, salientando que estamos a nove anos de terminar o prazo de concretização dos Objetivos da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e claramente perante um retrocesso sem precedentes na igualdade de género e no combate à violência contra meninas e mulheres.
Igualmente, o Conselho da Europa tem incentivado os Estados a tomarem medidas face às evidências do aumento de violência contra as meninas e mulheres, pedindo especial atenção para o facto desta pandemia ir ter impactos também a longo prazo, sendo as mulheres as mais afetadas, agora e posteriormente, em matéria de emprego e de trabalho não pago e de equilíbrio entre a vida profissional e familiar, o que coloca em risco a sua independência.
Em março de 2020, no documento “Uma União da Igualdade: Estratégia para a Igualdade de Género 2020-2025”, a Comissão Europeia referia que “Lamentavelmente, os progressos em matéria de igualdade de género não são inevitáveis nem irreversíveis” e que com esta Estratégia se estabelecem os objetivos estratégicos e as principais ações para o período 2020-2025, pretendendo-se “construir uma Europa em que a igualdade de género seja concretizada até 2025 e em que a violência de género, a discriminação sexual e a desigualdade estrutural entre mulheres e homens sejam uma coisa do passado”.
Em Portugal encontra-se em vigor, desde 2018 e até 2030, a Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação – Portugal + Igual (ENIND), a qual contém 3 planos de ação, sendo um deles o Plano de ação para a prevenção e o combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica (PAVMVD). Uma das linhas transversais para a sua definição e execução é a territorialização, pela necessidade de que as políticas se adequem às características locais e também considerando o importante papel a desempenhar pelas autarquias, tanto pelas novas competências decorrentes do processo de descentralização como pela proximidade com a população.
A Assembleia Municipal de Lisboa (AML) aprovou em dezembro de 2020 o II Plano Municipal de prevenção e Combate à Violência contra as Mulheres, Violência Doméstica e de Género do Município de Lisboa 2019-2021, constando neste documento, na Área Estratégica de Intervenção “Apoio e Proteção”, a Medida 10 de “Reforço da resposta de habitação para vítimas de Violência Doméstica”, tendo como ações previstas a “Alteração do regulamento de acesso à habitação Municipal com ponderação específica para vítimas de violência doméstica e de género” e a “Alteração dos critérios de atribuição de fogos municipais no âmbito da Bolsa de Fogos para vítimas de VD”, estabelecendo para esse efeito a calendarização os anos de 2019-2020.
O Parecer da 6.ª Comissão Permanente da AML sobre o Plano em questão não só recomenda a necessidade de dotar o Município de uma rede social especializada na matéria, como recomenda a urgência de resposta de atendimento e de acolhimento às vítimas de violência doméstica e de género e a necessidade de promover o trabalho entre os pelouros da Habitação e dos Direitos Sociais para atribuição de casas municipais para as vítimas de violência doméstica e de género em articulação com as organizações especializadas para o efeito.
Assim, e considerando que:
A presente pandemia veio reforçar o facto de se manter, apesar de diversos avanços, a natureza estrutural da discriminação e da violência contra meninas e mulheres, tornando imperativo garantir o acesso às vítimas de todas as formas de violência a serviços adequados de assistência e apoio (genérico e especializado), a linhas de apoio telefónico, bem como a apoio presencial, e ainda casas de abrigo;
Em fevereiro de 2020 a autarquia de Lisboa terá assinado protocolos para o alargamento da bolsa de habitação para pessoas em situação de violência doméstica e de género para gestão de mais habitações por distintas entidades e associações;
Contudo, sabe-se que o facto das vítimas estarem confinadas ao mesmo espaço físico que os agressores/as diminui o número de denúncias durante esses períodos, como estratégia de sobrevivência da vítima, e dos seus dependentes quando os há, por temor de ser descoberta a denúncia, por estar em maior isolamento e por estar muita das vezes economicamente mais vulnerável, o que mascara as reais necessidades;
Sendo essencial garantir o acesso à habitação às vítimas/sobreviventes de violência doméstica, permitindo a liberdade de escolha perante uma relação abusiva e como apoio ao processo de autonomização, para além das respostas de acolhimento de emergência e temporárias previstas no Decreto Regulamentar n.º 2/2018, de 24 de janeiro.
O Grupo Municipal do PAN vem propor que a Assembleia Municipal de Lisboa na sua Sessão Extraordinária com Declarações Políticas, de 2 de março de 2021, delibere recomendar à Câmara Municipal de Lisboa que diligencie o seguinte:
- Aumento do número de respostas habitacionais para vítimas/sobreviventes de violência doméstica e de género, não só de emergência e temporárias, mas também de médio e longo prazo, apoiando os processos de autonomização, quer através da disponibilização de fogos municipais, quer através de arrendamento no mercado imobiliário de fogos dispersos na cidade, para que, quando for possível e mediante a avaliação de risco em matéria de segurança e prevenção, a vítima/sobrevivente se mantenha perto da sua rede de apoio;
- Estabelecimento com outros municípios do País de uma bolsa de apartamentos de autonomização, de curto, médio e longo prazo, em fogos municipais, com arrendamento acessível mediante a análise de cada situação, criando protocolos para a disponibilização de habitações entre os municípios, apoiando a autonomização da vítima/sobrevivente de violência doméstica e de género noutra localidade, quando tal faça parte do processo decidido pela mesma;
- Garantir que as habitações atribuídas às vítimas/sobreviventes de violência doméstica e de género permitem a permanência de animais de companhia. Para os casos em que tal não seja possível, criar protocolos para que os animais do agregado sejam acolhidos e protegidos do agressor na Casa dos Animais ou numa associação zoófila;
- Reforçar, em parceria com o Governo e as associações, a realização de campanhas de sensibilização contra a violência doméstica e de género, adaptadas à realidade do confinamento.
Lisboa, 01 de março de 2021
O Grupo Municipal do
Pessoas – Animais – Natureza,
Miguel Santos Inês de Sousa Real
- É um tratado internacional, jurídico, vinculativo, e que implica a transposição do articulado para a legislação nacional, que foi ratificada por Portugal em 2013 e entrou em vigor em 2014.
- https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:52020DC0152
- Artigo 23.º Casas de abrigo As Partes deverão adotar as medidas legislativas ou outras que se revelem necessárias para criar casas de abrigo adequadas, de fácil acesso e em número suficiente, a fim de proporcionar às vítimas, em especial mulheres com filhos, um alojamento seguro, e as ajudar de forma proativa. Artigo 24.º Linhas de apoio telefónico As Partes deverão adotar as medidas legislativas ou outras que se revelem necessárias para criar um serviço nacional de apoio, anónimo, confidencial e gratuito, que funciona pelo telefone, vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, a fim de dar às pessoas que ligam conselhos sobre todas as formas de violência abrangidas pelo âmbito de aplicação da presente Convenção.
- https://correiodominho.pt/noticias/denuncias-de-violencia-diminuiram-no-confinamento-e-aumentaram-depois/126034; https://www.dn.pt/sociedade/o-confinamento-e-uma-lua-de-mel-para-os-agressores-13281318.html.
- De acordo com a legislação em vigor consideram-se “Casas de abrigo” as unidades residenciais destinadas a acolhimento temporário a vítimas de violência doméstica do mesmo sexo, acompanhadas ou não de filhos/as menores ou maiores com deficiência na sua dependência; e «Respostas de acolhimento de emergência» as unidades residenciais que visam o acolhimento urgente de vítimas do mesmo sexo, acompanhadas ou não de filhos/as menores ou maiores com deficiência na sua dependência, pelo período necessário à avaliação da sua situação, assegurando a proteção da sua integridade física e psicológica.