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Recomendação – Por uma Lisboa Veg-Friendly

Por uma Lisboa Veg-Friendly

Portugal é internacionalmente reconhecido como um dos melhores países para viver e visitar, estatuto que deverá constituir uma alavanca para a projeção de uma imagem que defende valores imensuráveis respeitantes à proteção ambiental e, consequentemente, a uma justiça alimentar, económica e de bem-estar animal.

A saúde é um pilar essencial da nossa vida e da estabilidade da sociedade. E o poder local, com a descentralização, aceitou competências nesta matéria. E, com elas, responsabilidades que agora deve exercer.

Diversos estudos têm apontado a alimentação inadequada como um dos principais responsáveis pelo total de anos de vida saudável perdidos pela população portuguesa, causando doenças como obesidade, diabetes, hipertensão, dislipidemias, doença cerebrovascular, cancros e doenças osteoarticulares, as quais representam mais de 70% dos gastos em saúde do estado português e atingem grande parte das famílias portuguesas.

A Organização Mundial de Saúde[1] (OMS) associou o consumo regular de carnes vermelhas acima das quantidades recomendadas precisamente ao aparecimento do cancro colon-rectal, do pâncreas e da próstata, bem como ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares e da diabetes.

No Código Europeu contra o Cancro da Comissão Europeia, que deriva de recomendações da OMS, é indicada como dieta saudável: bastantes cereais integrais, leguminosas, vegetais e frutas, reduzir alimentos muito calóricos (com muito açúcar ou gordura), evitar as bebidas açucaradas, as carnes processadas (enchidos, carnes fumadas) e limitar as carnes vermelhas.

Diversos relatórios têm salientado o relevante peso do setor da pecuária nas emissões de gases de efeito de estufa, nomeadamente estudo “O futuro da alimentação e da agricultura – Caminhos alternativos para 2050”, apresentado pela FAO – Organização para a Alimentação e Agricultura das Nações Unidas, em 2018. Sendo de destacar que 70% da superfície agrícola é destinada à produção pecuária, o que provoca a degradação dos solos e é uma grande fonte de poluição da água doce e que  para produzir 1 kg de carne são necessários até 16.000 litros de água doce, 10 a 15 vezes mais do que o que é necessário para produzir 1 kg de cereais ou de leguminosas[2].

Considerando que Portugal se comprometeu a atingir a neutralidade carbónica até 2050 com uma redução de produção de bovinos até 50%[3], pois a pecuária é considerado um dos sectores que mais poluem, será necessária uma mudança progressiva dos hábitos alimentares, apostando-se na ingestão de alimentos que impliquem uma menor pegada carbónica.

Impulsionar esta mudança para hábitos alimentares que tenham em consideração a pegada ecológica será um grande desafio político para os municípios como recentemente foi reconhecido por um estudo realizado pela Associação Zero em parceria com a Global Footprint Network e com a Universidade de Aveiro.

Cada vez mais as pessoas estão comprometidas em salvar o planeta, sendo já visíveis manifestações estudantis que apelam aos governantes para uma maior contenção no consumo de produtos de origem animal. E nesta contenção, têm as grandes cidades portuguesas, como é o caso de Lisboa, uma responsabilidade acrescida na promoção da educação para a adoção de um estilo de vida mais saudável e benéfico para o planeta, pois são elas que aglomeram o maior número de habitantes por metro quadrado.

Veja-se aliás, que vários são os exemplos da tendência crescente para uma alimentação mais saudável e sustentável:

– Na Holanda, o Ministério da Educação, Cultura e Ciência declarou que todos os seus jantares oficiais vão passar a ser vegetarianos;

– Em Turim, a Presidente da Câmara revelou encarar a promoção da alimentação 100% vegetal como uma prioridade para “proteger o ambiente, a saúde e os animais”;

– Barcelona declarou-se “Veg-Friendly” – amiga de uma cultura de alimentação de base vegetal, comprometendo-se a impulsionar uma série de ações para incentivar a este tipo de alimentação, sendo uma delas a adesão à campanha internacional “segundas sem carne” para que as refeições que provenham da administração da cidade sejam vegetarianas “de forma voluntária” às segundas-feiras.

Nesta última cidade, está ainda prevista a criação de um “BCNvegPoint”, um espaço que serve como ponto de encontro para empresários, ONG, consumidores e investidores, com o objetivo de favorecer o comércio local pequeno e médio, de proximidade, e de produtos de origem vegetal, a publicação de um novo guia vegetariano de Barcelona e a criação de uma aplicação para informar residentes e turistas sobre o comércio 100% vegetal.

E há até quem vá mais longe – recentemente veio a público a noticia que a Holanda pretende ser o primeiro país vegano até ao ano 2030[4], apostando numa dieta sustentável, ecológica e sem sofrimento animal, contribuindo em larga escala para o desafio climático que as/os governantes mundiais estão claramente a perder.

Em Portugal, estima-se que o número de pessoas que seguem uma dieta 100% vegetal rondará os 60.000, mas que esteja em amplo crescimento. Aliás, no espaço de 10 anos o número de vegetarianos em Portugal quadruplicou e, de acordo com um estudo da consultora Nielsen, serão hoje 120 mil, que correspondem a 1,2% da população[5].

Os próprios meios de comunicação social têm apresentado conteúdos em resposta a esta mudança de paradigma, surgindo capas como a da Time Out “Veganos é para todos”[6] ou artigos como o relatório “O Mundo em 2019”, apresentado no jornal The Economist, no o seu autor defende que “Se as carnes baseadas em vegetais começarem a ganhar em popularidade, podem tornar-se numa tecnologia transformadora, melhorando a dieta ocidental, reduzindo a pegada ecológica, e talvez até reduzindo o custo dos alimentos nos países subdesenvolvidos ou mais pobres” e ainda, aumentando as ofertas existentes na cidade de Lisboa [7]).

Neste mês de junho, nas festas de Lisboa, existe um arraial 100% vegetal, no Mercado de Santa Clara, para que as festas populares possam ter uma resposta para as pessoas que optam por este tipo de alimentação ou que pretendem uma alternativa.

Assim, e visando dar cumprimento às conclusões do Congresso Português de Alimentação e Autarquias, realizado em Guimarães em 2017 – no qual se salientou o papel determinante do poder local enquanto impulsionador e facilitador de mudanças de atitudes, comportamentos e perspetivas nesta matéria, em articulação com políticas públicas nacionais, como por exemplo a Lei n.º 11/2017, de 17 de abril, que estabelece a obrigatoriedade de existência de opção vegetariana nas ementas das cantinas e refeitórios públicos, e a Estratégia Integrada para a Promoção da Alimentação Saudável, que traduz a prioridade de que a Saúde Pública resulta de vários determinantes de forma sistémica, sistemática e integrada, sendo fundamental uma alimentação saudável, nomeadamente o consumo de fruta e produtos hortícolas frescos – propomos que Lisboa, enquanto capital do país, assuma iniciativas pioneiras ao nível das políticas públicas que promovam um estilo de vida mais saudável, consciente, sustentável e cumpridor das metas de descarbonização.

Face ao exposto, vem o Grupo Municipal do PAN propor que a Assembleia Municipal de Lisboa, na sua 79.º Reunião – Sessão Ordinária de 18 de Junho de 2019, delibere recomendar à Câmara Municipal do Lisboa o seguinte:

1. Declarar Lisboa uma cidade veg-friendly;

2. Implementar ações que informem e promovam uma alimentação de base vegetal, nomeadamente, através de um dia municipal da alimentação 100% vegetal, com dinamização de feiras e workshops e outras formas de divulgação que promovam o conhecimento e interesse das cidadãs e dos cidadãos para uma dieta saudável, com menor impacto ambiental e de maior respeito pelo bem-estar animal;

3. A par do que já se verifica nas cantinas escolares, prever uma opção 100% vegetal em todos os eventos públicos da autarquia que incluam catering;

4. Incluir nos planos de formação, a formação em cozinha vegetariana nas cantinas municipais e aos seus funcionários;

5. Promover a elaboração de um Guia Vegetariano de Lisboa e do selo “restaurante veg-friendly” em articulação com as ONG que atuam já nesta matéria;

6. Dar conhecimento da presente Recomendação à Associação Vegetariana Portuguesa, ao Centro Vegetariano e às associações de defesa ambiental e de proteção animal.

Lisboa, 18 de junho de 2019

O Grupo Municipal do Pessoas – Animais – Natureza
Miguel Santos Inês de Sousa Real


[1] Organização Mundial da Saúde – declaração de 26 de outubro 2015

[2] Dados como estes podem ser consultados nos relatórios sobre a nossa pegada hídrica, da Water Footprint Network, criada pela UNESCO, e que conta com uma série de académicos de todo o mundo. Estes relatórios têm como objetivo informar sobre a forma insustentável como consumimos água no nosso dia-a-dia.

[3] https://www.vidarural.pt/producao/ministro-do-ambiente-defende-reducao-da-producao-de-bovinos-entre-25-a-50/

[4] https://www.anda.jor.br/2018/04/holanda-pretende-se-tornar-o-primeiro-pais-vegano-do-mundo-ate-2030/?fbclid=IwAR1vlgFhco7kUHtRI5OFK94UOAXp3O2W23F_B2elzfkLQN2mekSAMkIPrO8

[5] https://www.centrovegetariano.org/Article-620-Numero-vegetarianos-quadruplica-10-anos-Portugal.html

[6] https://24.sapo.pt/jornais/revistas/4243/2019-04-17#&gid=1&pid=9

[7] https://www.timeout.pt/lisboa/pt/restaurantes/os-melhores-restaurantes-vegetarianos-em-lisboa