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Açores, património das baleias e futuro dos oceanos? 

Em 2023 os Açores obtiveram a designação de Whale Heritage Site, sítio património das baleias, integrando uma rede global de lugares onde as comunidades locais possuem uma ligação cultural aos cetáceos, respeitando o seu habitat. Felizmente, já lá vai o tempo que os Açores acabaram com um período histórico de caça artesanal da baleia, com a entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia. O último cachalote foi caçado em 1987. 

O fim da baleação trouxe novas oportunidades, deu início à actividade de observação destas espécies e o património industrial foi, gradualmente, transformado em local de memória colectiva e de valor turístico e didático agregado, como são exemplos os actuais museus da indústria da baleação. 

Sabemos que o mar não tem fronteiras e os animais que nele habitam desconhecem o desenho geográfico imposto pelos homens, pelo que a escolha dos seus locais para passagem e habitat regem-se por factores ecossistémicos. O mar dos Açores é local de passagem para espécies migratórias e mamíferos marinhos. 

No momento em que escrevo este artigo ainda não foi apreciada a iniciativa levada pelo PAN/Açores, em co-autoria, pela defesa dos oceanos e do património natural azul: moratória à mineração dos fundos marinhos e constituição de áreas marinhas protegidas. 

Cerca de 99% do mar no Açores é considerado “mar profundo”, local privilegiado para o desenvolvimento de campos e fontes hidrotermais. Possui habitats da Terra que constituem comunidades únicas, com enorme variedade de ecossistemas, um oceano profundo ao qual se associa o aparecimento das primeiras formas de vida. A mineração no mar profundo pode apresentar-se como uma aposta atrativa para a obtenção de metais e minerais para a indústria. Por exemplo, o fundo oceânico da Zona Económica Exclusiva portuguesa, em particular nas áreas referidas apresentam sulfuretos maciços ricos em cobre e níquel, materiais esses com alto interesse económico. Porém, a actividade extrativa de recursos próximas dos ecossistemas de grande valor ecológico podem vir a produzir danos irreversíveis ou sem um prazo previsível para a sua regeneração. 

Esta iniciativa assume um incontestável teste para o Governo Regional não ceder aos interesses económicos e garantir a preservação dos seus fundos marinhos. Assim, o PAN/Açores, sem prejuízo da criação de mais zonas marinhas protegidas, desafia o Governo a aceitar uma moratória à mineração, incluindo atividades de prospecção, em zonas marítimas sob gestão da Região Autónoma dos Açores, até 2050. Pede ainda que os campos hidrotermais e montes submarinos com fontes hidrotermais localizados no nosso mar sejam classificados como Áreas Marinhas Protegidas munidas de uma gestão eficaz e que 30 % da zona marítima sob gestão da Região integre os corredores ecológicos na futura rede nacional de Áreas Marinhas Protegidas. Por fim, que estabeleça pontes com o Governo da República para que todos os fundos marinhos sob a sua jurisdição sejam vedados à mineração. 

Só assim os Açores poderão assumir-se como verdadeiros defensores dos oceanos, depositários de uma memória colectiva ligada ao mar e garantindo o sítio património para as baleias no futuro.