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Moção – Proposta de criação do Estatuto da Árvore

Proposta de criação do Estatuto da Árvore

Vivemos uma crise climática, destacada em diversos estudos[1] e por diversas figuras proeminentes, como o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, que no passado dia 22 de junho reconheceu, no encerramento da Conferência Mundial de Ministros Responsáveis pela Juventude 2019, que a sua geração falhou numa resposta adequada às dimensões do desafio das alterações climáticas. Perante esta crise, são essenciais políticas que nos permitam mudar a forma como estamos atualmente a combater este problema e que nos ajudem a ir ao encontro das metas estabelecidas nos vários compromissos assumidos a nível internacional.

Paralelamente, tem sido destacado o papel determinante das árvores em todos os documentos relativos ao combate às alterações climáticas, considerando a sua função basilar no ciclo da água, na conservação dos solos, no sequestro de carbono e na proteção dos habitats. Atente-se que, desde 1872, no Nebraska (EUA) por iniciativa de Stirling Morton, se celebra o Dia da Árvore, tendo este cidadão encorajado a comunidade a dedicar um dia do ano à plantação de árvores.

Este conceito do valor intrínseco das árvores e a importância da sua plantação expandir-se-ia por diversos países e em 1971 a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) consagrou o dia 21 de março[2] como o Dia Mundial das Florestas, alertando para a importância destas e dos seus ecossistemas[3].

Apesar da importância das árvores, as florestas – os ecossistemas mais diversificados biologicamente na terra e onde vivem 80% das espécies terrestres – continuam a ser destruídas, contribuindo a desflorestação com 12 a 20% para os gases com efeitos de estufa, os quais concorrem diretamente para as alterações climáticas.

Este reconhecimento da importância das florestas no equilíbrio ambiental do planeta conheceu um dos seus momentos mais célebres quando em abril de 2018 o Supremo Tribunal da Colômbia reconheceu a floresta Amazónica Colombiana como um “ente sujeito de direito”[4], ou seja, determinou que o Estado Colombiano tem o dever de proteger, conservar, manter e restaurar a referida floresta, impondo um período de quatro meses para que fosse delineado um plano de preservação, dado que a sua destruição foi considerada a principal causa das alterações climáticas no país, salientando que sem a preservação da Amazónia não ficam assegurados os direitos das gerações futuras.

A árvore é um ser vivo que detém uma função única e essencial para a sustentabilidade do planeta, indispensável para a preservação de aves, insetos e outros seres vivos, e para a manutenção da biodiversidade. Deve, por isso, ser protegida, porquanto assume um papel fundamental no planeta onde vivemos.

Certamente pelas mesmas razões, a Assembleia Nacional francesa reconheceu e proclamou em abril deste ano a Declaração dos Direitos da Árvore[5], no intuito de pressionar o Estado francês a assumir juridicamente a árvore como um ser vivo, extraindo-se dela a atual qualificação de objeto.

Com efeito, a árvore faz parte da solução para sobrevivência do planeta: este ano a Austrália comunicou a intenção de plantar um bilião de árvores até 2050 para lutar contra o aquecimento global, medida destinada a fazer cumprir as metas climáticas delineadas no Acordo de Paris. A acontecer, acredita-se que esta iniciativa conseguirá retirar da atmosfera mais de 16 milhões de toneladas de gases de efeito de estufa todos os anos. “De acordo com o pesquisador Thomas Crowther, da ETH Zurich, o plantio de árvores em todo o mundo poderia reduzir o dióxido de carbono na atmosfera, a ponto de anular uma década de emissões humanas. Segundo ele, as árvores são as armas mais poderosas no combate às mudanças climáticas.[6].”

Em 2007, o mundo reconheceu a existência do aquecimento global, tendo sido plantadas no período de um ano um bilião de árvores por intermédio da campanha Billion Tree, que envolveu pessoas de todo o mundo que tinham por escopo a proteção do planeta.

Na Etiópia, país que se confronta com graves e prolongadas secas, vão ser plantadas 4 biliões de árvores, numa tentativa de combater a seca, inundações e a desertificação causadas pelo desmatamento desmesurado que assolou o país durante anos[7].

A plantação de novas árvores, bem como a defesa e preservação das existentes, devem, por isso, constituir tarefas de superior grandeza, asseguradas por todos os cidadãos e cidadãs que têm ao seu dispor, se necessário, o instrumento jurídico da ação popular.

Esta ação pode ser instaurada por particulares ou por associações com personalidade jurídica cuja incumbência seja a da proteção ambiental, tudo na defesa do interesse difuso do ambiente, direito consagrado no artigo 52.º da Constituição da República e na Lei n.º 83/95, de 31 de agosto.

Relembra-se ainda que toda e qualquer árvore se ressente perante um ataque à sua integridade, pelo que todos os cortes e abates devem ser minimizados e devidamente equacionados e, quando não o sejam, deverão ser escrutinados[8], nomeadamente, através da instauração da referida ação popular.

Em termos históricos, a defesa da árvore assume ainda proporção nacional quando no dia 26 de maio de 1907 se realizou no Seixal a primeira festa da árvore com o intuito de difundir os seus benefícios e inculcar a sua defesa e a da floresta no ensino primário popular.

Hoje, e considerando a crescente desarborização a nível mundial, bem como os incêndios que têm assolado o nosso país, criaram-se novamente as condições necessárias à promoção de campanhas de sensibilização de boas práticas florestais.

Ao abrigo da Lei n.º 26 de 9 de julho de 1913 (art. 139.º) foram constituídas e promovidas as denominadas conferências florestais que reuniram à mesma mesa funcionários florestais e poder público para a tomada de importantes decisões como a modernização, à data, dos serviços florestais, formação, adoção de novos projetos, apoio à investigação, incentivo à criação de viveiros florestais, combate a doenças e pragas, inventariação florestal e emanação de legislação adequada à proteção florestal, constituindo momentos de reflexão bottom-up essenciais e que importa reviver.

Nestes termos, considerando-se que:

  1. A árvore é um ser vivo e deve, como tal, ser respeitada;
  2.  A responsabilidade pela proteção, conservação e restauração do património florestal incumbe a todos os cidadãos e cidadãs e ao poder público;
  3. Cabe-nos escolher políticas que tenham em consideração a comunidade, o futuro e sejam mais solidárias com as gerações presentes e futuras;
  4. A árvore potencia benefícios únicos para o ambiente, saúde, vida animal e vegetal, previne a desertificação, combate a erosão, contribui para a diversidade biológica, para a purificação do ar, para a fixação de carbono, para a retenção de solos e para a qualidade da paisagem;
  5. A floresta autóctone tem uma relevante importância ecológica e económica;
  6. É ainda longo o caminho para Portugal se aproximar de uma floresta sustentável associada a um adequado modelo gestão.

Perante o avanço da crise climática, que constitui uma grave ameaça à vida planetária, e consequentemente ao exercício dos direitos fundamentais das gerações presentes e futuras, o Grupo Municipal do PAN propõe que a Assembleia Municipal de Lisboa, na sua Sessão Extraordinária de 2 de julho ao abrigo do disposto no artigo 15.º, alínea c) do Regimento e do artigo 25.º, n.º2, alíneas a) e k) do Anexo I da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, delibere apelar ao Governo para que crie condições para que a árvore seja protegida enquanto ser vivo e implementado o seu Estatuto, propondo a adoção das seguintes medidas:

1 – Criação de um Estatuto da Árvore, com vista ao reforço da sua proteção;

2 – A dinamização de campanhas de sensibilização de boas práticas florestais associadas a comemorações da festa da árvore;

3 – A reimplementação do modelo das conferências florestais, como método de desenvolvimento de políticas que envolvam todos os atores e partes interessadas;

4 – Remeter a presente Moção a Suas Excelências o Presidente da Assembleia da República, o Primeiro-Ministro, o Ministro do Ambiente e da Transição Energética, o Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, bem como aos Grupos Parlamentares na Assembleia da República.

Lisboa, 27 de junho de 201

O Grupo Municipal do Pessoas – Animais – Natureza
Miguel Santos Inês de Sousa Real

[1]Exemplos: Relatório da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistémicos (IPBES), junho de 2019, ou Existential climate-related security risk: A scenario approach, publicado pela Breakthrough – National Centre for Climate Restoration Melbourne, Austrália, Maio 2019.

[2] Por ser o início da Primavera no Hemisfério Norte.

[3] Sendo posteriormente, em 2012, este dia aprovado pela Assembleia das Nações Unidas, ficando instituído o Dia Internacional das Florestas.

[4]entity subject of rights

[5] https://www.greenme.com.br/informar-se/biodiversidade/7850-declaracao-direitos-arvores-franca

[6] http://www.neomondo.org.br/2019/02/19/arvores-sao-nossa-arma-mais-poderosa-na-luta-contra-a-mudanca-climatica-diz-cientista/

[7] https://www.greenme.com.br/informar-se/ambiente/8098-etiopia-plantara-4-bilhoes-de-arvores

[8] https://www.vix.com/pt/ciencia/537758/plantas-sentem-dor-elas-emitem-pedido-de-socorro-quando-sao-cortadas-indica-estudo?utm_source=Facebook&utm_medium=VixMulher&utm_campaign=Evergreen&fbclid=IwAR3hIhDjSJZO6AISVK6j9Mh1W1VWjv_Hz6YmKQIhT0O0zItEq9QKZkBOh40