Considerando que:
1. A roupa que vestimos nos dias de hoje não se traduz apenas numa necessidade pratica, é acima de tudo uma forma de afirmação através da moda, estimulada pelo enorme variedade de produtos têxteis decorrentes do chamado fast fashion, um padrão de produção e consumo no qual os produtos são fabricados, consumidos e descartados, gerando uma disponibilidade no mercado sem precedentes.
2. As roupas produzidas por lojas de fast fashion são genericamente conhecidas pelo seu design atual, preços acessíveis, apesar de não raras vezes estarem associados à baixa qualidade dos materiais e dos acabamentos e frequentemente as roupas são apenas usadas por uma ou duas temporadas. 3. Um dos expoentes máximos de marcas que aderiram ao referido fast fashion foi a Zara, que em 2016 contava com mais de 6,6 mil lojas distribuídas em 88 países e cujo faturação de vendas chegava a quase 15 bilhões de dólares, produzindo cerca de 11 mil modelos diferentes de roupas por ano, de acordo com os dados de um estudo sobre a empresa espanhola elaborado por Roberto Minadeo, Engenheiro de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro1.
4. De acordo com um artigo de opinião publicado no Jornal de Noticias do dia 21 de novembro de 20222, milhares de toneladas de roupa usada continuam a ser deitadas ao lixo todos os anos pelos portugueses, tendo no ano passado mais de 230 mil toneladas sido produzidas e consideradas resíduos, ou seja, sem utilidade, segundo a Agência Portuguesa do Ambiente.
5. Deste modo, são mais de quatro mil toneladas em cada uma das 52 semanas do ano e não é possível fazer a triagem e a reciclagem dos têxteis no pós-consumo, sendo a maioria dos resíduos valorizados energeticamente, ou seja, incinerados, tendo igualmente sido adiantado que o Ministério do Ambiente irá iniciar projetos-piloto de recolha seletiva de roupa a curto prazo, tal como sucede com o plástico, o vidro e o papel, uma vez que tal será obrigatório na União Europeia em 2025.
6. Também de acordo com um outro artigo de opinião publicado no Jornal Expresso, no passado dia 26 de novembro3, a associação ambientalista Zero revelou que apenas seis das 35 marcas de roupa avaliadas, estavam a assumir parcialmente a responsabilidade na criação de resíduos têxteis, sublinhando que “ainda que a reciclagem esteja longe de ser a principal solução para este setor, é preocupante ver como a maioria das marcas não assume ainda a sua quota-parte de responsabilidade pela gestão deste fluxo de resíduos que, só nos resíduos urbanos, representa 3,45% do total de resíduos recolhidos”.
7. Segundo o Relatório Anual de Resíduos Urbanos, em 2021 foram recolhidas 176.400 toneladas de resíduos têxteis pelos sistemas de gestão de resíduos urbanos, mas aqui não
estão contabilizados os têxteis recolhidos de forma seletiva por entidades sem fins lucrativos, e para a Zero é urgente aplicar uma abordagem adequada da responsabilidade alargada do produtor (RAP) ao setor dos têxteis, de forma a garantir que é quem coloca o produto no mercado que financia o sistema de encaminhamento e tratamento dos resíduos quando estes chegam ao fim da sua vida, apesar de tal sistema não poder apenas ficar assente em pagar para poluir, “(…) sendo fundamental que a prioridade se centre na redução da produção, no incentivo a têxteis duráveis/reutilizáveis/reparáveis e na garantia de que a sua produção é feita a pensar também na sua reciclagem em upcycling, ou seja, fibra reciclada que possa ser usada para fazer novos têxteis”.
8. A nível europeu, o setor dos têxteis é o 4.º com maior impacte no ambiente e nas alterações climáticas, a seguir aos alimentos, à habitação e à mobilidade, o 3.º com maior uso de recursos hídricos e solo e o 5.º em termos de utilização de matérias-primas primárias e de emissões de gases com efeito de estufa, pelo que se impôs a adoção de políticas relativas à gestão de resíduos no sentido da gestão sustentável dos materiais, a fim de preservar e melhorar a qualidade do ambiente, proteger a saúde humana, assegurar uma utilização prudente, eficiente e racional dos recursos naturais, entre outros.
9. Assim o Regime Geral da Gestão de Resíduos (RGGR), anexo ao Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro, na sua atual redação, veio transpor as metas relativas à preparação para a reutilização e à reciclagem de resíduos, as novas obrigações relativas à recolha seletiva, com vista a assegurar a recolha seletiva de biorresíduos, dos resíduos perigosos produzidos nas habitações e dos resíduos têxteis, e, ainda, as linhas gerais dos novos requisitos relativos aos regimes de responsabilidade alargada do produtor.
10. Ora e nos termos do seu artigo 27.º, e com vista a promover a transição para uma economia circular dotada de um elevado nível de eficiência dos recursos, as entidades responsáveis pela gestão de resíduos devem adotar as medidas necessárias, através dos planos e programas de gestão de resíduos, para garantir o cumprimento das metas que a seguir se indicam.
11. Até 2025, um aumento mínimo para 55 /prct., em peso, da preparação para a reutilização e da reciclagem de resíduos urbanos, em que, pelo menos, 5 /prct. é resultante da preparação para reutilização de têxteis, equipamentos elétricos e eletrónicos, móveis e outros resíduos adequados para efeitos de preparação para reutilização; 60 /prct., até 2030, com pelo menos, 10 /prct. e até 2035, um aumento mínimo para 65 /prct., de pelo menos, 15 /prct. referentes à preparação para reutilização dos referidos resíduos.
12. Do mesmo modo e nos termos do artigo 31.º do referido diploma legal, até 1 de janeiro de 2025, as entidades responsáveis pelo sistema municipal de gestão de resíduos urbanos, disponibilizam uma rede de recolha seletiva para os resíduos têxteis, recaindo essa responsabilidade ao produtor inicial dos resíduos, sem prejuízo de poder ser imputada, na totalidade ou em parte, ao produtor do produto que deu origem aos resíduos e partilhada pelos distribuidores desse produto nos casos expressamente previstos, isto, sem prejuízo de os sistemas municipais e multimunicipais deverem adotar as medidas necessárias para assegurar que os têxteis em fim de vida, se destinam a reutilização e sujeitos a operações de preparação para reutilização.
13. Assim, a estratégia da UE em prol da sustentabilidade e circularidade dos têxteis, que diz respeito à produção e ao consumo de têxteis, reconhece simultaneamente a importância do setor têxtil e integra os compromissos do Pacto Ecológico Europeu, do novo plano de ação para a economia circular e da estratégia industrial4.
14. Deste modo, a visão da Comissão Europeia para os têxteis em 2030, é de que todos os produtos têxteis colocados no mercado europeu devem ser duradouros, reparáveis e recicláveis, de alta qualidade e a preços acessíveis, fabricados em grande parte com fibras recicladas, livres de substâncias perigosas e produzidos respeitando direitos sociais e o ambiente, estando disponíveis serviços de reutilização e reparação rentáveis e sendo o setor têxtil um setor competitivo, resiliente e inovador, os produtores deverão ser responsáveis pelos seus produtos ao longo de toda a cadeia de valor.
15. No entanto, não podemos deixar de ter presente que 80% dos impactos neste sector ocorrem fora do espaço da EU, assentando cada vez mais em fontes não renováveis como o poliéster que é um recurso fóssil e uma das grandes fontes de libertação de microfibras (fibras sintéticas), pelo que é igualmente fundamental apelar para um uso consciente dos têxteis, reduzindo a sua compra e maximizando o uso, doando, trocando ou vendendo, preferindo sempre materiais o mais renováveis possíveis.
16. A par disso, deverá simultaneamente existir o acesso do setor social à roupa em segunda mão, disponibilizado através de uma boa rede de recolha de têxteis, que neste momento já existe a cargo de associações sem fins lucrativos mas que deverá ser reforçada pelos municípios, de forma a que os têxteis ai depositados que não sejam suscetíveis de reutilização, não assumam a natureza de resíduos e que sejam encaminhados e reciclados em sistema fechado (fibra
para fibra), como já é feito em grandes quantidades por empresas nacionais, com a triagem prévia à exportação de têxteis, isto porque para além da sua relevância para o impacto ambiental, a transformação para uma economia circular oferece inúmeras oportunidades para o setor.
17. Com efeito e de acordo com um outro artigo de opinião publicado em julho de 20225, de acordo com a consultora McKinsey & Company, atualmente, menos de um por cento dos resíduos têxteis são reciclados para produzir novas peças, sendo que, cerca de 30 a 35 por cento são triados e pelo menos um quinto poderia ser usado no futuro, e a reciclagem têxtil poderá gerar um mercado de seis a oito mil milhões de euros e criar cerca de 15 mil novos empregos na Europa até 2030, reduzindo ainda as emissões de dióxido de carbono em quatro milhões de toneladas.
18. Ainda de acordo com o relatório da McKinsey & Company Scaling textile recycling in Europe – turning waste into value, “cada europeu produz em média mais de 15 quilos de resíduos têxteis por ano e, em 2030, este valor poderá atingir os 20 quilos (um aumento de mais de 30 por cento)”, concluindo ainda que “a maior proporção (85 por cento) dos resíduos é produzida em casas particulares e diz respeito a vestuário e têxteis domésticos” e deste volume, menos de um por cento dos resíduos pós-consumo é atualmente reciclado para produzir novos produtos têxteis nos 27 países da União Europeia e na Suíça, sendo mais de 65 por cento destes resíduos transportados diretamente para aterro ou incinerados.
19. A empresa defende que a evolução para uma economia circular é facilitada por novas tecnologias, tais como a reciclagem mecânica do algodão (já implementada); transformação
inovadora em fibras de viscose e reciclagem química para a reutilização do poliéster (atualmente a ser testada), sendo “necessário um investimento total de seis a sete mil milhões de euros em toda a cadeia de valor – incluindo a recolha, triagem e construção de centros de reciclagem – até 2030”, mas que é um investimento valioso não só por razões de sustentabilidade, como pela criação de novas matérias-primas valiosas durante a reciclagem, permitindo aumentar a produção têxtil na Europa e criar valor acrescentado para a indústria.
20. Também a Câmara Municipal de Lisboa tem publicitado na sua página oficial, um projeto piloto com a empresa To-Be-Green, focada na sustentabilidade têxtil, com o objetivo de entrega de têxteis sem uso ou que estão estragados para reciclagem, tendo em vista evitar o seu destino para aterro, envolvendo as freguesias de Alcântara, Campo de Ourique e Parque das Nações, no âmbito do qual foram recolhidos um total de 356,10Kg (Parque das Nações: 314,88Kg; Alcântara: 25,46Kg e Campo de Ourique: 15,76Kg), o qual não podemos deixar de elogiar, mas que não entendemos como é que se tenha dado por encerrado no final de setembro, conforme consta da Informação Escrita do Presidente de 1|Setembro – 31|Outubro|20226.
21. Assim e sem prejuízo de até 1 de janeiro de 2025, as entidades responsáveis pelo sistema municipal de gestão de resíduos urbanos, terem que disponibilizar uma rede de recolha seletiva para os resíduos têxteis, julgamos que o município de Lisboa se deverá antecipar e não poderá ficar arredado de uma questão tão premente como a da recolha de têxteis para reutilização ou para reciclagem, em função dos impactos nefastos que o setor dos têxteis produzem no ambiente e nas alterações climáticas, conforme já acima se referiu.
Deste modo e em face do exposto, vem o Grupo Municipal do PAN propor que a Assembleia Municipal de Lisboa, na sua Sessão Ordinária de 28 de fevereiro de 2023, delibere recomendar à Câmara Municipal de Lisboa, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 15.º conjugado com o n.º 3 do artigo 71.º ambos do Regimento, que sejam adotadas as seguintes medidas:
1. Realize campanhas de sensibilização, apelando para um uso consciente dos têxteis e em especial das roupas, no sentido de reduzir a sua compra, maximizando o uso, doando, trocando ou vendendo, dando preferência aos fabricados em grande parte com fibras recicladas e livres de substâncias perigosas.
2. Criação de uma rede de recolha de têxteis em fim de uso, que abranja toda a área do Município, para reutilização das roupas aí depositadas que não assumam a natureza de resíduos, ou no caso dos tecidos que não sejam suscetíveis de reutilização, para posterior encaminhamento para reciclagem em upcycling, ou seja, reciclagem de fibra para fibra que possa ser usada para fazer novos têxteis, através de uma triagem prévia à semelhança do que sucede com o papel, plástico ou vidro.
Lisboa, 28 de fevereiro de 2023.
O Grupo Municipal
do Pessoas – Animais – Natureza
António Morgado
(DM PAN)